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Domingo, 05 de maio de 2024

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Humanismo, Psicanálise e Justiça

Para além dos corpos comumente despidos em projeção numérica desastrosa, muitas clamam pela sua identidade, pela sua história, pela sua integridade ou, infelizmente, não... Afinal, encontram-se, por vezes, em exposição, como mercadorias ofertadas ao consumo: enfileiradas em sites, mídias, outdoors, prostíbulos, nas ruas... Lidemos com as realidades desses evidentes sofrimentos humanos contidos na psique ou projetados tragicamente no social.

Exatamente por isso dentre outras razões complexas da existência, o Simpósio Humanismo, Psicanálise e Justiça foi pensado. Um esforço conjunto do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, da Escola Superior da Magistratura (ESMAGIS) e da Academia Matogrossense de Magistrados (AMA). Reconhece-se que a visão humanista é imprescindível à compreensão das demandas atuais. De igual forma, a psicanálise nos fornece um colírio descortinador diferenciado à compreensão do sofrimento aparente ou latente ao humano.

Para além dos mais diversos temas que serão abordados, por teóricos nacionais ou estrangeiros, todos nós devemos ter em mente a triste cultura da violência de gênero que conduz às incontáveis ações aterrorizantes! De mulheres também! Não estamos falando de uma ficção, nem sequer de dados de castas, de países específicos, de ocorrências circunscritas. Estamos nos referindo a um crime de potências e fronteiras ilimitadas. Estamos nos referindo à violência culturalmente existente que perdura pelos séculos indistintamente, trazendo desequilíbrios sociais vastos, por todas as gerações.

O elenco de tais aberrações é angustiante: pais/mães prostituindo suas filhas a partir dos 05 anos de idade; exploração de corpos de meninas leiloadas ou que se leiloam, em comunidades virtuais de projeção mundial; a colocação do Brasil em 7º no ranking dos países com o maior número de mulheres assassinadas pelos seus companheiros ou ex. Mulheres assediadas em seu ambiente de trabalho; mulheres que mesmo desempenhando igual função e carga horária que o seu colega do sexo masculino, recebem, pelo mesmo trabalho, até 70% a menos. Devemos nos questionar: - Que humanidade é essa?

Não termina aqui. A violência de gênero é patente em todos os meios de comunicação. Para qualquer produto, há exposição de nudez garantida na mídia brasileira. Tudo muito naturalizado projetando seus malefícios sociais cada vez mais amplos: uma ampla apropriação do feminino. Devemos reconhecer, contudo, que apesar das situações diversas, em muitos países como o Canadá, essa forma de expressão de publicidade não é estimulada. Aliás, sofre contenção. Isso não significa a inexistência da violência de gênero naquele espaço do continente.

Há, contudo, uma evidente diminuição de ocorrências, embora reconheçamos que países pobres e ricos sofrem de igual mal, apenas com algumas diferenças estatísticas. Portanto, desenvolvidos, em desenvolvimento ou em penúria acenam pela mesma realidade social: Feminicídio, abusos, violência, estupros, exploração sexual, tráfico de meninas, turismo sexual, abismos de diferenças salariais, bem como para o acesso à progressão profissional etc.

A história tem camuflado, durante séculos, a realidade dessas ocorrências. Muitas dessas condutas sequer são atestadas como crimes. Terrível ainda é admitir a contramão das políticas públicas governamentais. Afinal, até estas, por vezes, tendem a esses "estamentos". Basta olharmos para vermos a propaganda e marketing à legitimidade da prostituição no Brasil: http://aredacao.com.br/noticias/28577/campanha-ministerio-da-saude-diz-eu-sou-feliz-sendo-prostituta.

Essa política foi posteriormente retirada... Mas, a pergunta correta a ser feita é porque essa política chegou a ser lançada e considerada como política pública? Uma evidência: A cultura da discriminação e da violência de gênero encontra-se naturalizada, até imperceptível por aqueles que deveriam agir para a sua contenção. Estaríamos fazendo apologia à degradação da mulher, de seu corpo e de sua identidade?

O que pretendemos construir socialmente? O respeito a todos os seres humanos é um dever. Legitimar a prostituição é a degradação máxima da apropriação do feminino. Tal como o arremesso de anões, ocorrido nas casas de diversão da Europa (http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1718), não há dignidade nessa “profissão” (mesmo que os condicionados a ela, por exemplo, manifestem concordância com a indignidade de suas situações). Nessas condições (prostituição), também a mulher está sujeita às mais diversas conjunturas humilhantes e de risco.

A manipulação existencial do feminino é sorrateira e absurda. Distorções inúmeras são orquestradas ao se negar a existência de outros males decorrentes: erotização precoce de crianças diante de uma mídia sensualizada, turismo sexual, desvalor da mulher, tráfico de mulheres, doenças sexuais, degradação do feminino na comunidade que mantém referidas condições, trágica exposição dos filhos nessas situações de prostituição ou que se encontram nessas vivências. De igual forma, é corriqueiro que a prostituição atrela-se ao tráfico de drogas e armas (crimes comprovadamente vinculados nessas ambiências de promiscuidade). Isso é a estatística mundial.

Na Suécia, na Noruega, e na Islândia, é estritamente ilegal pagar-se por sexo, porém não o é praticar a prostituição. Já no Leste Europeu, as leis anti-prostituição visam as prostitutas, uma vez que, nestes países, a prostituição é condenável através do ponto de vista moral/conservativo. Outros países com rígidas políticas que inibem a prática e declaram-se oficialmente contra a prostituição são o Reino Unido, a Irlanda e a França.

Quando discursava, em aulas, de que os Direitos Humanos são inerentes à nossa existência mesmo que estejamos diante de relações humanas degradantes, governos ou sistemas arbitrários, não prescrevia uma política ideológica, mas uma observação da natureza das coisas. Afinal, naturalmente, lutamos, com prioridade, pelas nossas vidas. Mesmo diante de um naufrágio, guerreamos até o último ar de nossos pulmões: a vida é elementar à nossa existência. Naturalmente, lutamos, com prioridade, pelas nossas ideias e ações, mesmo diante de ditaduras, violência ou controles ideológicos.

Enfrentamos com as nossas próprias vidas, porque a liberdade é um qualificador imprescindível a todos nós. É, pois, a própria qualidade à vida. Naturalmente, lutamos, com prioridade, pelas nossas próprias escolhas e construção de nossas histórias, porque queremos desenvolver as nossas potências como seres capazes, contemplados com as mais diversas riquezas da criatividade, das idéias, de horizontes, de percepções e ações. A perspectiva humanista é uma das problemáticas a ser tratada no Simpósio Internacional.

As inscrições encontram-se abertas até 10/02/2014. O evento contará com a presença de autoridades nacionais e internacionais, tais como: Dr. João Ricardo dos Santos Costa, Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com a temática ‘Prerrogativas da Magistratura e Direitos Fundamentais’; Professores Doutores da Universidade de Navarra/Espanha, Dr. Juan Cianciardo e Dra. María Pilar Zambrano, com as temáticas humanistas e filosóficas à concepção do ideal de Justiça nos sistemas vigentes; Dr. Rubens Roberto Casara, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Doutor em Ciências Penais, com formação em psicanálise. Ele ministrará a temática sobre a congruência das decisões judiciais em sua razão (A Lei e as leis), conjuntamente com a Dra. Heloneida Ferreira Neri, Psicanalista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, Dra. Marcia Smolka, Diretora do Corpo
Freudiano Escola de Psicanálise/MT, Psicóloga Clínica, com formação na PUC/SP e Universidade do Paraná; e Dra. Maria Fernanda Bumlai, Terapeuta Familiar, com Especializações nas temáticas da área da Psicologia e Saúde Mental. Ela também é Vice- Diretora do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise/MT.

Eis um Simpósio dos mais importantes à contemporaneidade! Participem: Dia 20/02, às 8h., Plenário histórico do Tribunal de Justiça. Todos os estudiosos do sistema podem participar (sejam das áreas do direito - magistrados, promotores, defensores, advogados e professores – da psicologia, da assistência social, psicanálise, medicina- psiquiatria, polícia
civis, polícia militar etc.), inclusive os estudiosos e estudantes de graduação, nas áreas de interesse convergente.

Na referida data, teremos o lançamento nacional da CAMPANHA PRÓ-EQUIDADE DE GÊNERO. Detalhes: http://www.academiademagistrados-mt.com.br/site/default.aspx.

Amini Haddad Campos é juíza de Direito, diretora da Secretaria de Gênero da AMB, professora-diretora do Núcleo de Pesquisa Vulnerabilidades, Direito e Gênero da UFMT, presidente da Academia de Magistrados – AMA e membro da AJD (Associação Juízes para a Democracia). Email: amini.campos@tjmt.jus.br

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