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Domingo, 05 de maio de 2024

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O hospital infantil e a reponsabilidade do município

Em se tratando dos direitos das crianças e adolescentes, depois do movimento constitucional de 1988, houve mudança de paradigma para a Doutrina da Proteção Integral.

Consideramos, a partir de então, estes seres como humanos em formação, outorgando-lhes o status de sujeitos de direitos, assegurando proteção integral com absoluta prioridade aos Direitos Fundamentais, determinando à família, sociedade e estado o dever concorrente de assegurá-los.

Sustentado pelo artigo 227 da Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e Adolescente, as crianças e adolescentes – sujeitos de direitos e afirmação como pessoas em desenvolvimento – tem consigo a proteção especial contra discriminação; tem assegurado seu desenvolvimento físico, moral e espiritual; educação gratuita e obrigatória; e proteção incondicional contra negligência, crueldade e exploração.

Assim, tomamos por reconhecer a condição peculiar da criança e jovem como titulares de direitos especiais, em total reforma com a situação anterior de situação irregular.

A Doutrina da Proteção Integral rompeu com os padrões patrimonialistas e absorveu os parâmetros insculpidos na Declaração Universal dos Direitos das Crianças.

De caráter filantrópico, para objeto de política pública; de fundamento assistencialista para de direito subjetivo; de poder decisório centralizador para um participativo; de instituição estatal para de co-gestão com a sociedade civil; de organização piramidal hierárquica para a de redes; de gestão monocrática para a gestão democrática, houve uma verdadeira reforma de todo arcabouço axiológico que envolve a proteção do nosso futuros cidadãos.

A principal pedra de princípio – e tratamos como princípio por ser valioso e não permitir qualquer interpretação duvidosa – é a da proteção integral.

O Princípio da Proteção Integral, norma constitucional de hierarquia superior às leis comuns, estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse: Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar.

Não importa o interesse a tutelar: se tivermos uma criança e idoso em iguais condições para ser atendida em ambiente de saúde, a criança deve receber os cuidados imediatos, por tratar de seres humanos em formação e pela norma do Estatuto do Idoso ser infraconstitucional.

A Princípio da Prioridade Absoluta leva em consideração que criança é pessoa em desenvolvimento, possuindo uma fragilidade peculiar de pessoa em formação, correndo mais risco que o adulto.

Há, portanto, a socialização da responsabilidade, sendo qualquer dano obrigatoriamente suportado pelo grupamento social, cabendo ao poder público, em todas as suas esferas (legislativa, judiciária ou executiva) respeitar e guardar em primazia os direitos fundamentais infanto-juvenis.

Esse princípio transforma crianças e adolescentes em credores do governo, devendo ao Conselho Tutelar assessorar o Poder Executivo local (município) a elaborar proposta orçamentária para planos e programas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente (co-gestão do sistema jurídico infanto-juvenil como atuação preventiva).

Em Melhor Interesse ao infanto-juvenil, até os Princípios da Moralidade e Impessoalidade devem, pois, ceder ao Princípio da Prioridade Absoluta à infância, podendo o poder público afastar qualquer lei que venha a atingir o interesse da criança e adolescência.

A Constituição ampliou e descentralizou a política assistencial, disciplinando a atribuição concorrente dos entes da federação, resguardando para a União a competência para dispor sobre normas gerais e coordenação de programas assistenciais (art. 203 e 204 CF) e ao Estado e Município o dever concorrente de executá-los.

Compete, nos sistemas de gestão contemporâneos, ao município assegurar a execução das políticas públicas de atendimento à criança e ao jovem, bem como assegurar as ações governamentais na área de assistência social com base nas diretrizes de descentralização político-administrativa e na formulação de políticas de controle em todos os níveis.

A municipalização do atendimento, previsto na Constituição Federal e no artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente obriga o poder público municipal a reservar recursos privilegiados na formulação de aplicação de políticas locais, a fim de resguardar os direitos fundamentais infanto-juvenis.

Logo, é indiscutível que o acesso à saúde é direito fundamental homogêneo com grau de especificidade em relação ao tutelados pelo ECA, constituindo Direito Fundamental Especial do sistema de reponsabilidade e de garantias.

A Constituição determina que a prestação de serviços de saúde seja responsabilidade do Sistema Único de Saúde, seguindo as premissas do artigo 198 da Constituição Federal (descentralização, atendimento integral com prioridade para atividades preventivas e participação da comunidade) e compete ao SUS as atribuições elencadas no artigo 200, devendo o poder público municipal investir em estabelecimentos especiais de atendimento à saúde.

Sim, é responsabilidade do Prefeito de Cuiabá construir o Hospital Infantil, em detrimento a qualquer outra obra que seja necessária para a cidade metropolitana, sob óbice de estarmos impondo aos nossos meninos e meninas ônus exagerado, que vai ao oposto à tudo o que a Constituição propõe.

Não importa se a capital tenha outras necessidades, o valor da pessoa humana, em se tratando de crianças e adolescentes, tem prevalência sobre qualquer outra situação, já que eles tem proteção à vida e saúde mediante a prioridade de efetivação de políticas públicas.

Não menos, deve ser assegurado aos entes protegidos pelo artigo 227 da Carta Maior, a especialização de atendimento de saúde, oferecendo por exemplo, uma ala exclusiva na Unidade de Terapia Intensiva do Pronto Socorre de Cuiabá – que, pasmem, foi desativada e até hoje não reativaram (crianças não tem acesso especializado à isolamento e tratamento no Pronto Socorro, morrem, pois, devido ao descaso público) –.

E o artigo 11 da Lei nº 8.069/90 assegura atendimento integral à saúde da criança e do adolescente por intermédio do Sistema Único de Saúde: acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, imagine se não fosse!!!

Então, pergunto, qual o motivo do poder público municipal não assegurar esses recursos tidos como obrigatórios e preferenciais pela Constituição Federal?

Cabe ao Ministério Público Estadual, que é o guardião dos direitos da infância, expressamente legitimado para a propositura de todas as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis, aplicar as medidas de proteção à criança e ao adolescente, sempre que os direitos reconhecidos forem ameaçados ou violados, propor Ação de Responsabilidade contra o prefeito municipal, determinando que o Estatuto da Criança e Adolescente seja efetivamente cumprido, em toda sua integridade.

Não podemos ser omissos, o Estatuto trata-se de norma imperativa para os garantidores do sistema (família, sociedade e estado): não está apenas prevendo, programando, mas sim determinando que se ponha à disposição das crianças e adolescentes atendimento de saúde especial, jamais permitindo que se utilize a falta de estrutura e recursos como justificativa para qualquer falta ou oferta irregular.

Tratamos, senhor Prefeito, membros do Judiciário, ilustres do Ministério Público, colegas advogados, família, sociedade, Estado, de direitos irrenunciáveis, imprescritíveis e intransmissíveis. São crianças, são adolescentes, são todos nosso futuro.

Então, não é para amanhã, é para hoje: hospital infantil e ala de UTI no Pronto Socorro, sem prejuízo de policlínicas com pediatras, Programa de Saúde da Família, atendimento nos CREAS, odontologia especializada, enfim, o que deve ser cumprido pelo bom, pelo justo, pelo melhor para nossos infantes.


Fabiano Rabaneda é advogado.

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