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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Dever de investigação criminal do MP é inerente à proteção dos direitos fundamentais, diz PGR

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu, nesta segunda-feira, 11 de março, que “o dever de investigação criminal do Ministério Público é inerente ao dever de proteção dos direitos fundamentais”. O PGR abriu o seminário internacional sobre “O papel do Ministério Publico na investigação criminal - Visões brasileira, europeia e latinoamericana”, promovido pela Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público Democrático (MPD).

Roberto Gurgel iniciou a exposição com a visão do Ministério Público (MP) sobre o tema e destacou a relevância da discussão para a sociedade, não apenas para a instituição. “A questão jurídica de extrema importância para a sociedade brasileira encontra-se submetida ao Supremo Tribunal Federal, que, em diversos julgados em suas turmas, já se manifestou pela constitucionalidade da investigação criminal do Ministério Público, seja ela concorrente ou subsidiária”, registrou.

O chefe do Ministério Público Federal (MPF) lamentou que no Congresso Nacional, no entanto, tramite a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37/2011, que confere às Polícias Federal e Civil a atribuição privativa de apurar a autoria e a prática de infrações penais. “Trata-se de verdadeiro atentato ao Estado Democrático de Direito, que tira do garantidor dos interesses da coletividade o dever de proteção que é inerente às suas atividades”, pontuou.

Como argumento para fundamentar o poder de investigação criminal, o PGR destacou o art. 129 da Constituição Federal (CF), que relata as funções institucionais do órgão ministerial: promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei; promover o inquérito civil e a ação civil pública; expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instrui-los, na forma da lei complementar respectiva; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial.

Com base na CF, Gurgel citou três pressupostos que justificam o direito de apuração criminal direta: o inquérito policial não é o único instrumento que se formaliza a investigação criminal; as diligências investigatórias são providências de caráter administrativo; e a competência para investigar e expedir notificações não está restrita ao inquérito civil.

O PGR realçou julgados precedentes do STF, como o do Inquérito Policial 1968. “Parece-me lícito afirmar que a investigação se legitima pelo fato investigado e não pela ponderação subjetiva acerca de qual será a responsabilidade do agente e qual a natureza da ação a ser eventualmente proposta”, citou em referência ao voto do relator e presidente da Suprema Corte, ministro Joaquim Barbosa. “Se o fato diz respeito a interesse difuso ou coletivo, o Ministério Público pode instaurar procedimento administrativo com base no art. 129, III, da Constituição Federal”, resumiu Gurgel.

No julgamento do Habeas Corpus 91661, o STF também entendeu que “é perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito”.

O chefe do MPF destacou, ainda, a posição de tratados internacionais, em especial da Convenção Americana de Direitos e Deveres do Homem, conhecida como Pacto São José de Costa Rica. Ele afirmou que a orientação da convenção consiste em exigir uma atuação positiva do Estado de investigar, por intermédio de órgãos independentes dos Poderes da República.

“Privar o Ministério Público de exercer atos diretos de investigação, em especial diante de situações de ineficiência total ou parcial do organismo policial, pode significar sequestro da possibilidade de propositura da ação penal”, pontuou Gurgel.

O PGR reforçou que “tal conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais de modo a compatibilizá-las para permitir a correta e regular apuração dos fatos”. Diante do exposto, Gurgel enfatizou, mais uma vez, a necessidade de trabalho integrado entre as instituições para a investigação criminal objetiva e eficiente.

Ao concluir a exposição, o PGR questionou: “A quem interessa retirar o poder de investigação do Ministério Pública? Seria mais uma retaliação à instituição pelo cumprimento da sua missão constitucional? Essas são as perguntas que a sociedade brasileira deve fazer”.

Visão europeia – O presidente do movimento dos Magistrados Europeus pela Democracia e pelas Liberdades (Medel), Antonio Cluny, discursou sobre a visão europeia acerca do papel do MP na apuração criminal.

Na análise de Cluny, “em um processo penal regido pelo princípio acusatório, em que cabe ao Ministério Público sustentar em juízo, ninguém melhor do que seus agentes para poder perceber quais provas devem ser conhecidas, quando e como devem colhê-las e quais devem ser rejeitadas. Tudo tendo em vista assegurar o sucesso da ação penal”. Para o representante do Medel, nada disso pode ser feito se o Ministério Público receber uma investigação finalizada.

“Se ao Ministério Público lhe cabe a ação penal, deve lhe caber também, obviamente, os poderes de dirigir, com objetividade e isenção, o inquérito desde o princípio”, enfatizou. Na conclusão do presidente, a PEC 37/2011 é incongruente com o ordenamento constitucional e jurídico brasileiro.

Para encerrar a abertura do seminário internacional, a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko agradeceu as apresentações do procurador-geral da República e do presidente do Medel, que incentivaram a reflexão e a preocupação com a PEC 37/2011.

Programação – O seminário ocorre nesta segunda e terça-feira, 11 e 12 de março, sob a coordenação da subprocuradora-geral da República Ela Wiecko. O evento trará várias abordagens sobre a investigação criminal e o Ministério Público: as visões brasileira e europeia, a realidade na América Latina, os casos submetidos ao Tribunal Penal Internacional, além da visão da sociedade civil, universidades e imprensa.

Já estão confirmadas as presenças do presidente do Movimento Europeu de Magistrados para Democracia e a Liberdade (Medel), Antonio Cluny; da juíza da Corte Superior de Justiça de Lima (Peru), Antonia Saquicuray; do juiz da Corte de Cassação da Itália, Domenico Gallo; do procurador-geral na Catalunha (Espanha), José María Mena; além da participação da subprocuradora-geral da República Raquel Dodge; do promotor de Justiça em São Paulo Roberto Livianu; do consultor do Senado Tarciso Dal Maso e do sociólogo Artur Trindade.
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