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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Liberdade de expressão e de imprensa como mecanismos de defesa da democracia

Eduardo Stefanes Santamaria/Divulgação

Somos surpreendidos quase que diariamente com notícias relacionadas a um suposto abuso na liberdade de expressão ou de imprensa, em que algum jornal, programa televisivo ou até mesmo sítio virtual é proibido de veicular alguma notícia ou ainda tem que abrir seu espaço para a resposta do ofendido.

A Liberdade de Imprensa foi uma conquista que mudou totalmente o mundo no século XVIII. Com a Revolução Industrial, o capitalismo surgiu, ficando ainda mais forte a ideia de democracia.

Com a democracia, via-se o direito de todo o cidadão ser livre para falar e fazer o que se queria, nascendo, também, a liberdade da imprensa para trabalhar sem censuras ou proibições.

Assim, consolidando a ideia de democracia renascendo após a ditadura no Brasil, o princípio da liberdade de expressão e de imprensa foram assegurados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, “in verbis”:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

Destaca-se, também, que a Constituição Federal protege quem sofre com os abusos cometidos por esse direito, no mesmo artigo, inciso V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Pela simples leitura, tem-se que todas as pessoas tem liberdade de expressão, de se manifestar, colocar seu pensamento no mundo, se relacionar e falar exatamente o que pensa e, somente quando há abusos, há o direito de resposta bem como a indenização por dano moral, material ou à imagem.

Assim sugere o professor José Cretella Neto quando fez sua obra analisando a lei de imprensa, que por mais que esteja revogada, ainda é importante para entender a questão da liberdade de imprensa e direito de resposta:

“A acusação tem que ser de fato inverídico ou errôneo, pois se for verdadeiro encontra-se no âmbito da matéria jornalística, que consiste em informar os fatos e as personalidades à sociedade. Quando se qualifica com o adjetivo ‘inverídico’ está se dizendo, que não é verídico ou verdadeiro mas se trata de uma mentira. Por outro lado, errôneo quer dizer que não está correto, ainda que possa ter acontecido, mas foi narrado de forma distorcida e contraditória ao fato que se passou”.

A liberdade de expressão é direito individual daquele que torna públicas as informações, suas ou de terceiros, direito à informação é matéria pertinente a esfera coletiva da sociedade.

Ainda, na mesma obra, restam claramente corroboradas as palavras anteriores de que para haver o direito a uma resposta, deve, antes de tudo, haver um abuso por quem difundiu a sua opinião:

“A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos que possibilitaram a coordenação desembaraçada da criação, expressão, difusão do pensamento e da informação, compreendendo as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação.
A liberdade de imprensa é uma das manifestações da liberdade de expressão do pensamento, ao lado da liberdade religiosa.
(...)
Relevante para a tipificação criminal de uma infração à Lei de Imprensa, é que ocorra abuso”.

Apesar da Lei de Imprensa não ter sido recepcionada pela Constituição Federal, o abuso ainda é obrigatório para direito de resposta bem como direito à indenização.

Ao avaliarmos a palavra “abuso” (do latim ab, fora, e usus, uso) temos: prática contrária aos bons usos e costumes. O abuso é o uso errado, excessivo ou injusto. Uma exorbitância de atribuições ou poderes. É a prática de excessos que causam ou podem causar dano.

Assim entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº. 130:

“(...) A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. (...) O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. (...)“ (ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213- PP-00020).

A crítica é uma possibilidade completamente aceitável dentro da liberdade de expressão e de imprensa, sendo que sua proibição ou possibilidade de direito de resposta viola esses princípios tão importantes para uma democracia.

Após a decisão do STF declarando a não recepção da Lei de Imprensa, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um Recurso Especial afirmou que ainda era possível o pedido de resposta (até porque trata-se de garantia constitucional) e que o juiz, por inexistir outra norma deste assunto, deveria invocar, por analogia, o artigo 58 da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) e o artigo 14 do Pacto de San José da Costa Rica (Tratado de direitos humanos assinado em 1969 referendado pelo Brasil em 25.09.1992), “litteris”:

“LEI DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO. SOBREVIVÊNCIA DO DIREITO DE RESPOSTA. PRECEDENTE DO STF. (...) O direito constitucional de resposta, antes previsto na Lei de Imprensa, continua passível de proteção jurídica, contudo não mais nos termos em que era previsto na lei não-recepcionada. Para amparar tal direito, os Tribunais deverão se valer da regra da analogia, invocando o art. 14 do Pacto de San José da Costa Rica e o art. 58 da Lei 9.504/97. (...)” (REsp 885248/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 21/05/2010)

Assim, com a cautela de praxe, verificando o que diz o artigo 14 do Pacto de San José da Costa Rica promulgado em 1992 pelo Brasil e o artigo 58 da Lei 9.504/1997, temos:

“Artigo 14 – Direito de retificação ou resposta:
1. Toda pessoa, atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo, por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei”.

“Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social”.

Destarte, o direito de resposta, como previsto na legislação eleitoral – que deve ser aplicado por analogia nos casos cíveis, conforme já decidiu o STJ – só é possível ante a demonstração inequívoca de que houve uma afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica.

Neste mesmo sentido entende a mais alta corte eleitoral:

REPRESENTAÇÃO. PEDIDO DE RESPOSTA. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. ATUAÇÃO DE GOVERNANTE. POLÍTICA DE PRIVATIZAÇÕES. CRÍTICA. IMPESSOALIDADE. FATOS. INTERPRETAÇÃO LEGÍTIMA. NOTÍCIAS DIVULGADAS NA IMPRENSA. SIMPLES COMENTÁRIO. INDEFERIMENTO. - Não enseja direito de resposta a crítica genérica, impessoal, dirigida ao modo de atuação de governante, na condução de política de privatização, que resulte de interpretação legítima dos fatos ocorridos à época ou de simples comentário de notícias divulgadas na imprensa. - Pedido de resposta julgado improcedente. (Representação nº 351236, Acórdão de 20/10/2010, Relator(a) Min. JOELSON COSTA DIAS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 20/10/2010)

Quanto aos supostos abusos, estes devem ser nitidamente demonstrados para se pleitear direito de resposta, sendo que a crítica é possível e faz parte da garantia constitucional da Liberdade de Expressão.

Assim manifesta o ilustre professor Pedro Lenza:

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição.
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.

Sobre a Liberdade de Pensamento, pode-se extrair da obra do professor José Afonso da Silva:

“A liberdade de pensamento – segundo Sampaio Dória – ‘é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou o que for’. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contacto do indivíduo com seus semelhantes, pela qual ‘o homem tenda, por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção do mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos científicos’.
(...)
A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. (...) Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação.
(...)
As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: (a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição que seja o processo ou veículo por que se exprimam. (b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; (c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; (d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade; (e) os serviços de radiofusão sonora e de sons e imagens dependem de concessão, permissão e autorização do Poder Executivo Federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional, a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, §§2º e 4º (45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); (f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio”.

Logo, a Liberdade de Expressão é irrestrita e se não cometer nenhum abuso e tão pouco denegrir a imagem de alguém ou cometer alguma injúria, difamação, calúnia ou informação inverídica, não pode ser objeto para retratação ou pedido de direito de resposta.

Deste modo, os advogados e, principalmente a imprensa não devem aceitar decisões autoritárias de juízes que desrespeitam a Liberdade de Expressão bem como a Liberdade de Imprensa já que faz parte para o melhor desenvolvimento de uma sociedade moderna, justa e democrática, sendo que estas restrições aplicadas só nos fazem pensar se ainda vivemos uma verdadeira democracia.

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