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Sábado, 27 de abril de 2024

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Operação Jornada Legal, Parte II: MPT e PRF fiscalizam cumprimento da Lei do Motorista

O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) promoveram ontem (30/10) a segunda etapa do Projeto Jornada Legal, com a finalidade de verificar o cumprimento das regras trabalhistas previstas na Lei 12.619/12. Duas equipes foram formadas. A primeira delas, coordenada pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, realizou a operação conjunta no Posto 201 da PRF, localizado na BR-364, km 212, na saída de Rondonópolis. O segundo grupo, comandado pelo procurador do Trabalho José Pedro dos Reis, deslocou-se para o Posto 101, na saída de Cuiabá.

Diferentemente da primeira etapa, ocorrida em julho, as fiscalizações tiveram caráter repressivo. A partir dos dados coletados, e uma vez constatadas as irregularidades, serão ajuizadas ações e instaurados procedimentos administrativos para apurar e coibir as condutas ilegais. Segundo o procurador Paulo Douglas, os réus serão as empresas transportadores e as embarcadoras. “Os motoristas são vítimas e, portanto, não serão alvo da atuação do MPT. Ao contrário, os motoristas são exatamente o grupo que pretendemos proteger”, ressaltou.

Os policiais rodoviários federais abordavam o condutor e, se detectada alguma infração, ele era conduzido até uma sala do Posto, onde preenchia o Formulário de Constatação de Infração (FCI). O documento reúne informações relativas não só aos motoristas, mas também ao empregador e ao tomador de serviços, bem como dados do veículo e as irregularidades observadas.

Em Rondonópolis, a Operação contou com o apoio de três servidores, sendo dois do MPT de Mato Grosso e um do MPT de Mato Grosso do Sul, além de dez agentes da PRF. A fiscalização teve início às 8h, com encerramento às 18h30. O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Terrestres de Rondonópolis e Região (STTRR) também participou da segunda etapa do Projeto Jornada Legal, distribuindo cartilhas com orientações.

De acordo com o presidente do STTRR, Luiz Gonçalves da Costa, foi possível perceber no contato com os motoristas que a maioria acredita que a lei vai beneficiar a categoria. No entanto, ainda há resistência para seu efetivo cumprimento. “Os trabalhadores querem cumprir a lei, mas grande parte das empresas ainda se nega a fazer as adequações”, salientou.

Foram preenchidos, no total, doze Formulários de Constatação de Infração. Por meio deles, foi verificado que sete condutores estavam extrapolando a jornada de oito horas por dia, sem observar o intervalo de 30 minutos, com o veículo estacionado, a cada quatro horas de direção, e o intervalo mínimo de 11 horas para descanso no período de 24 horas.

O controle da jornada utilizado pelo motorista Airo Resende de Sousa, de Mineiros, Goiás, por exemplo, apontou que o trabalhador chegou a ficar 16 horas na direção do caminhão sem fazer o intervalo obrigatório. O mesmo ocorreu com Jaison Carlos Bertol, de Feliz Natal, município localizado no norte de Mato Grosso. Em sete discos verificados, foi constatada uma jornada diária de quase 15 horas. Vagner Mendes Bernardes, empregado da empresa Panorama Transportes Ltda., também foi flagrado dirigindo por 14 horas seguidas sem respeitar os intervalos.

As outras irregularidades constatadas dizem respeito ao pagamento de salário “por fora”, à falta de registro do contrato na carteira de trabalho, ao uso incorreto do tacógrafo (que mede o tempo transitado pelo veículo e sua velocidade) ou à incompatibilidade entre as informações registradas no equipamento e as anotações constantes nas papeletas, fichas ou diário de bordo. Alguns sequer possuíam controle da jornada de trabalho.

Em Cuiabá, a Operação também começou cedo, por volta das 8h. O procurador José Pedro dos Reis elogiou a estratégia adotada pela coordenação do Projeto. “É um trabalho interessante porque, abordando um único motorista, em um só caminhão, faremos com que a empresa, se estiver irregular, faça a adequação da sua conduta e beneficie todos os demais trabalhadores”, pontuou.

Parceria

Mesmo com o Estatuto do Motorista em vigor desde junho deste ano, os resultados obtidos na Operação ainda preocupam. “Posso afirmar com convicção que em 90% dos casos foram encontradas irregularidades”, conta o procurador Paulo Douglas Almeida. No entanto, ele se diz satisfeito com a possibilidade de verificar in loco os primeiros progressos da Lei 12.619/12. “Mesmo sem a repressão policial, em razão da Resolução 417 do CONTRAN [Conselho Nacional de Trânsito], percebi claramente que os motoristas conhecem a lei e sabem que ela está em vigor”.

Pela Resolução, a PRF está impedida de aplicar multas. No entanto, tal limitação não atinge a fiscalização na esfera trabalhista e a polícia, mesmo sem expedir autos de infração, levantará informações para que o MPT seja municiado em suas investigações e ajuizamento de ações visando ao cumprimento da lei. Por isso, embora a segunda etapa da Operação tenha sido concluída ontem, a PRF continuará encaminhando os Formulários de Constatação de Infração ao Ministério Público do Trabalho.

A parceria entre MPT e PRF é resultado de acordo de cooperação técnica firmado em 8 de outubro com o objetivo de dar mais segurança nas estradas e aos trabalhadores do setor de transporte. Pelo protocolo de execução, as duas instituições vão trocar informações e experiências e planejar projetos e operações conjuntas em todo o território nacional.

Perigo nas estradas

A Lei nº 12.619/2012 rompe com um histórico de exploração do motorista profissional brasileiro. E os primeiros passos foram trilhados em Rondonópolis, onde, além da atuação em atividades preventivas, com participação em seminários e a distribuição de cartilhas e de folders aos sindicatos, profissionais e estudantes, o MPT, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Rodoviária Federal, promoveu uma pesquisa inédita por meio da qual se constatou, após análise laboratorial, o uso de psicotrópicos por motoristas do setor de transporte rodoviário de cargas.

O resultado da pesquisa demonstrou que, de 104 motoristas testados, 51% apresentavam resquícios de cocaína na urina e 3% estavam em evidente estado de alucinação. Quanto à análise da anfetamina, popular “rebite”, houve a constatação de 8% de positividade clínica. Ou seja, para cumprir a jornada de trabalho excessiva, os trabalhadores estavam colocando em risco a própria vida e a de terceiros nas rodovias.

Pioneirismo

Na época, a Procuradoria do Trabalho em Rondonópolis vinha sendo destinatária de numerosas denúncias envolvendo a extrapolação de jornada de trabalho no segmento de transporte rodoviário de cargas. E atendendo ao pedido do Sindicato Laboral, deu início, entre junho e julho de 2007, ao processo de mediação na negociação para homologação da Convenção Coletiva daquele ano da categoria. Mesmo assim, as transportadoras resistiram em reconhecer direitos sociais que resultassem em maiores custos operacionais, como o pagamento de horas extraordinárias.

Diante desse quadro, a PTM de Rondonópolis ajuizou, em dezembro de 2007, a Ação Civil Pública nº 1372.2007.021.23.00-3, no âmbito da qual foi deferida a liminar para limitação da jornada dos motoristas. Embora sua vigência tenha durado pouco tempo, a decisão demonstrou que o debate e a efetiva solução para a questão não podiam mais esperar.

Como resultado, houve uma aproximação das representações classistas laborais e patronais de todo o país. Assim, em Brasília, sob a coordenação da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, instaurou-se um longo processo de negociação que resultou no Projeto de Lei nº 99/2007, o qual, após ser levado à sanção presidencial, deu origem à Lei n. 12.619/2012.
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