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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

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COBRANÇA DE PROPINA

Delator relata convite para que esquema na Saúde de Sinop também fosse aplicado em Cuiabá

Foto: Rogério Florentino Pereira - Olhar Direto

Delator relata convite para que esquema na Saúde de Sinop também fosse aplicado em Cuiabá
Sócio da empresa MedClin Serviços Médicos Ltda., o médico Luiz Vagner Silveira Golembiouski afirmou ter sido convidado a estender para a Secretária de Saúde de Cuiabá o mesmo esquema de desvio de verba pública que participava em Sinop (500 Km da capital). A declaração consta na decisão do juiz João Bosco Soares da Silva, do Núcleo de Inquéritos Policiais (Nipo), que autorizou a deflagração da Operação Cartão-Postal, da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (Deccor).


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A operação apura uma suposta organização criminosa instalada, desde junho de 2022, na gestão da Saúde de Sinop. Os contratos investigados somam mais de R$ 87 milhões.

Durante o processo de negociação do acordo de colaboração premiada, o empresário chegou a tratar sobre a atuação fraudulenta ainda no período em que a SMS estava sob a gestão do prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), por meio do secretário Guilherme Salomão.

As conversas para que a suposta organização criminosa não atuasse apenas em Sinop, de acordo com o delator, começou ainda em 2022, quando o advogado Hugo Florêncio de Castilho, informou sobre um credenciamento que estava em curso na capital para empresas de prestação de serviços médicos atuarem junto à Pasta.

Conforme o depoimento, quem ficou responsável por viabilizar o credenciamento em Cuiabá foi Mhayanne Escobar Bueno Beltrão Cabral, que foi contratada pelo médico e conseguiu o credenciamento da Med Clin. A empresa só foi convocada para atuar na capital por volta dos dias 14 e 17 de janeiro, quando, após curto período de intervenção estadual, a SMS já estava de volta sob responsabilidade do Alencastro, com Guilherme Salomão como secretário.

“Os pagamentos referentes à prestação desses serviços deveriam render retorno de 10%, caso Hugo atuasse nos mesmos 'moldes' do núcleo de atuação de Sinop".

Luiz Vagner pontuou que a MedClin atuou até 31 de março deste ano, quando ele entregou para o gabinete interventor uma carta suspendendo a prestação de serviços médicos nas policlínicas do Verdão e Coxipó. Conforme a intervenção, a empresa não estava cumprindo com o previsto no contrato quanto à quantidade de médicos disponibilizados nos plantões e interrompeu o serviço após ter sido notificada pelo gabinete.

A primeira fase da intervenção durou poucos dias, sendo suspensa em 6 de janeiro, por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela foi retomada em 15 de março, por determinação do Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJMT) e autorização da Assembleia Legislativa (ALMT).

Pagamento de contrato

Luiz Vagner conheceu Hugo por intermédio de um amigo médico, Euller Gustavo Pompeu de Barros Gonçalves Preza – também investigado na operação. O advogado que se apresentou como um dos sócios do Instituto de Gestão de Políticas Públicas (IGPP), uma suposta organização social que “gerenciava” a secretário em Sinop.

O delator contou ainda que no dia 2 de fevereiro, acompanhado de Mhayanne, ele se encontrou com Hugo, em Cuiabá. Inicialmente, a reunião era para fazerem o fechamento do valor a ser recebido pela MedClin, a pretexto de adimplir os seus serviços prestados em Cuiabá no mês de janeiro.

Assim que chegou no escritório, Luiz Vagner foi apresentado a Célio Rodrigues da Silva, ex-secretário municipal de Saúde, que demonstrou grande proximidade com Hugo. “O Célio e o Hugo é uma pessoa só. As empresas são todas deles. As empresas que estão pegando dinheiro em Sinop. Essas empresas que estão dinheiro em Sinop são do Célio”, delatou o empresário.

Na ocasião, Luiz Vagner teria exposto a Célio que estava tendo certa dificuldade com um dos pontos do contrato de prestação dos serviços na capital. À DECCOR, o empresário disse que para que a MedClin e os médicos recebessem o valor total do contrato, a prefeitura exigia que os médicos realizassem 32 ou 36 atendimentos para fazerem jus ao valor cheio do plantão.

“Entretanto, a empresa que fornecia o software que fazia a contabilidade do número de atendimentos nos plantões interrompeu o fornecimento do serviço por falta de pagamento. Assim, não havia como a MedClin comprovar quantos atendimentos os médicos tinham feito nos plantões, o que prejudicou o recebimento dos ‘valores cheios’ pela empresa”, diz trecho da decisão.

Célio, então, teria ligado para Guilherme Salomão e dado uma “ordem” que o “contrato está errado, não é assim que ele tem que ser feito. O procurador já não te mandou a carta falando que é pra pagar integral os plantões?”.

Após a ligação, a secretária não mais exigiu a contabilidade do numero de atendimentos para o “pagamento cheio”, além disso, houve uma retificação do valor da nota fiscal da MedClin e a prefeitura efetuou o pagamento.

O esquema

A investigação aponta que o motivo inicial do contato entre Hugo e Luiz Vagner era a possibilidade de uma parceria profissional, uma vez que Luiz Vagner é proprietário da empresa MedClin, a qual presta serviços de mão de obra médica, locação de ambulâncias, atendimento em UTI’s e unidades hospitalares de pequeno, médio e grande porte.

Em contrapartida, Hugo Florêncio, na condição de “sócio” do IGPP (assim se apresentou para Luiz Vagner), estava precisando dos serviços da MedClin em Sinop. Hugo teria oferecido um contrato a ser firmado entre a MedClin e o IGPP, no valor inicial de R$ 1.3 milhão por mês.

De outro lado, Luiz Vagner teria que fornecer os serviços de cinco médicos na UPA a cada doze horas, um médico para o “PSF”, dois médicos para a Policlínica e um outro médico para o Corpo de Bombeiros.
A subcontratação da MedClin entre os meses de setembro e outubro de 2022, deu-se no bojo do contrato firmado entre o município e o IGPP, com valor global de R$ 21.448.815,64.

Teria ficado ajustado entre Luiz Vagner e Hugo que os médicos a serem “fornecidos” pela Med Clin eram aqueles que já estavam trabalhando nos respectivos postos de saúde, portanto, a empresa iniciaria a atuação no município apenas como uma “gestora” dos plantões.

“Existiam alguns compromissos políticos com esses médicos, que é a indicação né... (...) Então assim, são situações que precisavam tirar esses profissionais, então eu acho que a ideia dele era uma empresa nova que não conhecesse ninguém pra ir trocando esses profissionais no decorrer dos meses”, disse o delator.

Luiz disse que, a partir do primeiro pagamento, passou a ter contato direto e frequente com Hugo.  Desta forma, conforme apurado nas investigações, no mês de novembro de 2022, a empresa MedcClin recebeu do IGPP, o primeiro pagamento correspondente ao serviço prestado no município (apenas “gestão” dos plantões), no valor mensal de R$ 1.311.000,00.

Também foi dito pelo colaborador que a folha de pagamento dos médicos fechou no valor aproximado de R$ 850 mil e o imposto de 17% sob o valor total do depósito, girou em torno de R$ 165 mil.

Cumpridas as despesas do mês, sobrou entre R$ 335 a R$ 340 mil, valor este que seria o lucro para a MedClin. Contudo, a partir do primeiro recebimento, Hugo abordou Luiz e solicitou o envio de R$ 200 mil a título de “retorno” para algumas contas bancárias, dando a entender que, caso não houvesse o pagamento, sua empresa perderia imediatamente o contrato com o IGPP em Sinop. No dia seguinte, Hugo aumentou o valor do “retorno”, afirmando que seria de R$ 277 mil.

Operação

A operação Cartão-Postal resultou na prisão do ex-secretário de Saúde de Cuiabá, Célio Rodrigues, e do advogado Hugo Castilho.

Mais de 30 ordens de busca e apreensão foram decretadas. Entre os endereços alvos da operação, estão a casa de Hugo, que fica no Condomínio Alphaville II, em Cuiabá, e a Cervejaria Cuyabana, que é de Célio.

Além do advogado e do ex-secretário, outras quatro pessoas tiveram as prisões decretadas: Jefferson Geraldo Texeira, Roberta Arend Rodrigues Lopes, Elizangela Bruna da Silva e João Bosco da Silva. 

Houve ainda a determinação para que o procurador do Município Ivan Shneider fosse afastado temporariamente do cargo. A secretária de Saúde de Sinop, Daniela Galhardo, também foi afastada. 

Com base nas investigações, ainda foi determinado o bloqueio de valores das contas bancárias de 34 pessoas físicas e jurídicas, o sequestro de bens móveis de 21 alvos e o sequestro de bens imóveis de outros oito alvos, a fim de recompor os cofres públicos no montante de R$ 87.419.285,01.
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