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SUSPEIÇÃO

“Malabarismo grotesco” de Cursi “nem sequer mereceria análise”, salienta juíza Selma

04 Mar 2016 - 16:10

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Juíza Selma Arruda

Juíza Selma Arruda

A juíza da Sétima Vara Criminal rechaçou veementemente os argumentos do pedido de exceção de suspeição instaurado contra ela, à pedido do ex-secretário de Estado, Marcel de Cursi. Em seu texto, a juíza chama as ações da defesa de Cursi de “malabarismo grotesto” baseado em uma “tese absurda” e que, segundo ela, “nem sequer mereceria análise”. Cursi está preso em consequência da Operação Sodoma por supostas fraudes em incentivos ficais no montante de R$ 2,6 milhões.


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O réu pedia o afastamento da juíza. Com o indeferimento, também foi negado o imediato relaxamento das detenções impostas a Cursi e aos outros: o ex-governador Silval Barbosa e o ex-secretário de Casa Civil, Pedro Nadaf.

Além da negativa da juíza, datada em 22 de fevereiro, o procedimento também foi negado, em 02 de março, pelo desembargador Alberto Ferreira de Souza.

No processo relativo a Operação Sodoma, as investigações versam sobre uma suposta organização criminosa voltada à prática de crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro, por meio de fraudes em incentivos fiscais. Além do ex-governador Silval Barbosa, do ex-secretário de Fazenda Marcel de Cursi e do ex-secretário de Casa Civil, são réus no processo Silvio Cezar Corrêa Araúju, Francisco Andrade de Lima Filho e Karla Cecília de Oliveira Cintra.

Consta da investigação que a antiga Secretaria de Estado da Indústria e Comércio, Minas e Energia (Sicme), atual Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso (Sedec), teria concedido incentivos fiscais, via Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Prodeic), de forma irregular, para algumas empresas. A irregularidade foi confirmada pelo empresário João Batista Rosa, colaborador (inicialmente delator premiado) no caso e dono da Tractor Partes, que entregou irregularmente a quantia de R$ 2,6 milhões para obter incentivo.

O que é exceção de suspeição:


Situação, mencionada em lei, que impede juízes, promotores, advogados, ou qualquer outro auxiliar da justiça, de funcionar em determinado processo, no caso de haver dúvida quanto à imparcialidade e independência com que devem atuar. A suspeição ocorrerá quando o magistrado for amigo ou inimigo intimo das partes, quando figurar na posição de credor ou devedor destas, dentre outras causas *

Veja o texto na íntegra:

Trata-se de interposição de exceção de suspeição por parte de MARCEL SOUZA DE CURSI, na qual alega que esta magistrada não detém imparcialidade para processar e julgar a ação penal em que é réu.

Diz que é réu na ação penal decorrente da deflagração da Operação Sodoma, já em fase de instrução, e que teve notícia da decretação da prisão de outras pessoas, em autos distintos, decorrentes da deflagração da Operação Seven, da qual não participa o excipiente.

Alega que para fundamentar a decretação da prisão de terceiros na Operação Seven, da qual, repito, não faz parte, esta magistrada teria se utilizado de uma série de considerações meritórias, tão precipitadas quanto reveladoras da disposição de Vossa Excelência já formada no sentido de condenar a todos os réus, nestes autos em epígrafe (fls. 09).

Para embasar suas alegações, colaciona parte da decisão que proferi nos autos n. 1293-37.2016.811.0042 – ID 426057, referentes à Ação Penal n. 3224-75.2016.811.0042 - ID N. 427811, quando da decretação da prisão preventiva de SILVAL BARBOSA, PEDRO NADAF e outros.

O trecho é o seguinte:

“Observo que SILVAL DA CUNHA BARBOSA e PEDRO JAMIL NADAF foram até pouco mais de um ano atrás, os homens mais fortes do Poder Executivo deste Estado. Além destes, AFONSO DALBERTO e JOSÉ DE JESUS NUNES CORDEIRO, o primeiro Presidente do INTERMAT e o segundo Secretário Adjunto de Administração, eram, também, figuras proeminentes do primeiro escalão mato-grossense.

Os indiciados detêm vasto poder político e grande poder de penetração em todas as esferas da Administração Pública Estadual.

O fato de não mais exercerem diretamente os cargos públicos que detinham na época dos acontecimentos narrados nestes autos não impede que usem de seu prestígio político para conseguir objetivos escusos, especialmente em relação aos servidores públicos de carreira que remanesceram nos locais onde os fatos tiveram palco.
Estes, geralmente bem intencionados e honestos, acabam sendo expectadores desse tipo de falcatrua, praticada pelos membros das organizações criminosas inseridas na Administração Pública, os quais geralmente, após o final de cada gestão, acompanham seus líderes e desocupam seus postos transitórios.

Os servidores de carreira, por serem permanentes, com certeza, têm muito a relatar, desde que nenhuma represália, intromissão ou pressão possa atrapalhar o esclarecimento da verdade.

Em outras palavras, o afastamento formal não garante que continuem a manter o controle de fato sobre outros servidores, ainda remanescentes naquele local.

Não se olvide que a imputação de pertencerem os indiciados a uma organização criminosa nos leva a crer que, por se tratar de crime permanente, sua ocorrência ainda não cessou.

Por outro lado, como é sabido, uma das características principais das organizações criminosas é a facilidade de infiltração na Administração Pública e seu alto poder de corrupção dos agentes públicos.

Ora, se a organização criminosa é delito permanente e, portanto, pode ainda estar ocorrendo e se há séria probabilidade de que esteja ainda infiltrada na Administração Pública, ou que venha a reinfiltrar-se, visando eliminar provas para dificultar o esclarecimento da verdade, o certo é que a prisão dos membros identificados é a solução mais viável neste momento.
Por ocasião da decretação da prisão preventiva de PEDRO JAMIL NADAF e SILVAL DA CUNHA BARBOSA nos autos ID n. 416499 (Operação Sodoma), entendi que havia evidências claras de que, embora o mandato já tivesse terminado, a organização ainda estava em pleno funcionamento.

O decreto cautelar baseou-se, entre outros fundamentos, na possibilidade de que, se permanecessem soltos, tais indivíduos poderiam reiterar na prática dos atos ilícitos, bem como coagir as testemunhas e impedir que toda a verdade viesse à tona.

O caso em pauta não é diferente.

Na verdade, o que parece se afigurar com nitidez é a existência de uma organização criminosa, chefiada pelo indiciado SILVAL DA CUNHA BARBOSA, o qual, assessorado por pessoas que compunham o alto escalão do Governo mato-grossense, comandou a prática de vários delitos, isto já considerando outros fatos que ainda estão sob investigação.
Esta organização criminosa parece estar em pleno funcionamento e ainda oferecer sérios riscos à ordem pública e à instrução processual.

Essa afirmação é verídica, na medida em que se constatou que a organização tentou coagir uma vítima de extorsão, fato que foi relatado na Operação Sodoma, em que há provas documentais disso.

Outra situação que indica a ingerência da organização criminosa em instituições públicas é o fato de haver notícias de que usou prestígio e poder político para beneficiar seus membros, como no caso da Operação Arqueiro (Ação Penal ID n. 387134).

No primeiro caso, SILVAL DA CUNHA BARBOSA teria se encarregado de pressionar membros da CPI que investiga desvios de recursos públicos do PRODEIC, a fim de que os fatos não viessem à tona.

Além disso, um de seus ex-Secretários de Estado e também membro da organização criminosa, teria pressionado a vítima JOÃO BATISTA ROSA a calar-se sobre desvios de verba do PRODEIC envolvendo suas empresas.

No segundo caso, SILVAL DA CUNHA BARBOSA foi envolvido em várias situações que levam à conclusão que se utilizou da força política do PMDB, partido ao qual é filiado, para, por meio do Gabinete do atual Vice Presidente da República, influenciar a obtenção de ordem liminar de habeas corpus em favor de sua esposa, ROSELI DE FÁTIMA MEIRA BARBOSA, junto ao Superior Tribunal de Justiça.

ROSELI, por sua vez, se encontrava presa por ter, na qualidade de Secretária de Estado da SETAS – Secretaria de Trabalho e Assistência Social, desviado verba pública por meio da prática de peculato.

Esses fatos são notórios e foram amplamente divulgados pela mídia local e, embora não tenham relação direta com os fatos tratados nestes autos, são fatos atribuídos à mesma organização que ora está em análise e indicam que se trata de a não mede esforços para se manter intacta e imune à persecução penal.

Daí a necessidade de que seus principais membros sejam mantidos em cárcere, único meio capaz de diminuir-lhe as forças e mantê-la sob controle.

Colaciono, abaixo, trecho da decisão de minha lavra, nos autos ID n. 416499, em que entendi necessária a decretação da custódia cautelar de SILVAL DA CUNHA BARBOSA e PEDRO JAMIL NADAF, entre outros:

“...Além disso, o próprio JOÃO BATISTA declara que, quando a CPI da Sonegação citou os nomes de suas empresas, PEDRO JAMIL NADAF teria lhe dito “...fique tranquilo vamos resolver estou indo na casa de Silval para entrar no circuito...”
Essa afirmação é recentíssima, foi feita há menos de um mês, o que indica que o investigado SILVAL, ainda que não mais exerça o cargo de Governador, tem se utilizado de sua influência política para consertar as falcatruas de seu grupo político.
(...)
Há nos autos fortes indícios de que a organização criminosa está articulando de várias formas para tentar impedir que as fraudes sejam descobertas, tanto por meio de investidas contra o colaborador, visando intimidá-lo, quanto por articulações “políticas” que segundo consta são promovidas pelo representado SILVAL, no sentido de blindar a organização e ocultar seus crimes.

Cito alguns atos indicativos do perigo concreto à instrução processual e, por consequência, à aplicação da Lei penal:
As mensagens juntadas aos autos, acrescidas das oitivas do colaborador JOÃO BATISTA ROSA comprovam as constantes investidas de alguns dos representados com o fim único e exclusivo de que os crimes por eles praticados não venham à tona.

Com efeito, as mensagens estão materializadas nos autos por meio de prints de conversas por whatssapp e indicam que o grupo político liderado por SILVAL DA CUNHA BARBOSA está cercando, intimidando e sufocando o empresário e colaborador JOÃO BATISTA.

Esse colaborador, por sua vez, declarou-se temeroso pela sua segurança e de seus familiares, inclusive porque, além das mensagens materializadas nos autos, foi abordado por terceiras pessoas, que lhes transmitiram vários “recados” dos membros do bando criminoso.

Uma dessas pessoas chegou a ir à casa do colaborador para lhe avisar que seu telefone estaria “grampeado”.

Em outro contexto, a organização criminosa fez questão de cientificar o colaborador que já sabia que o mesmo estaria entabulando uma delação premiada, na clara intenção de demonstrar seu poder de obter informações sigilosas e intimidar o empresário.

Há também notícias de que o empresário foi insistentemente abordado, até por terceiros, na tentativa da organização de forçá-lo a reunir-se com eles. O colaborador relata que já foi abordado inclusive na rua, pelo investigado PEDRO NADAF.
(...)
Assim, resta claro que o forte poder político e a facilidade de acesso que ambos ainda detêm na administração pública estadual tem possibilitado que a organização continue perseguindo seus objetivos, que atualmente visam obstar que os crimes sejam descobertos.

Os autos revelam claramente que a organização criminosa está em plena atividade, procurando obstar as investigações administrativas da CPI, que resultariam na descoberta das ações criminosas executadas.

Para tanto, procura a todo custo cooptar o empresário JOÃO BATISTA ROSA, para que não revele todo o ocorrido, seja oferecendo ajuda nas eventuais defesas administrativas, ou “plantando” documentos e criando situações nos órgãos públicos cuja influência ainda se mantém, no caso da antiga SICME. (ex: objeto do Mandado de Segurança ID 944169 –2ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Capital);

JOÃO BATISTA ROSA também trouxe aos autos prova (gravação) de conversa em que PEDRO NADAF se compromete a arcar com eventual prejuízo, desde, claro, que o esquema não fosse revelado. Essa conversa foi gravada pelo próprio empresário em 19/08/2015, por volta das 15:00hs:
“(...)
JOÃO: agora o duro é o seguinte, eu fico imaginando o seguinte, isso aqui (…), que você imagina o seguinte se eles cancelarem isso aqui, né! Por causa (…), simplesmente por não ter, por não ter feito corretamente, né! Se eles cancelarem isso aqui, minha empresa quebra, se você (…), nós abrimos mão de crédito de dois milhões e meio, nós pagamos para você em torno de dois milhões e meio, nós usamos oito milhões e meio, mais ou menos isso
NADAF: de incentivo?
JOÃO: de incentivo, mas se eles pegarem esses oito milhões e meio e aplicarem multa e aplicar correção, isso vai para quinze milhões, quebra a minha empresa que nunca mais (…)
NADAF: (…), não tem ninguém lá em cima?
JOÃO: não, não ninguém
NADAF: se der problema, eu, deixa que eu pago isso aí, tá bom? (...)”

Além disso, a mensagem via whatssapp na qual PEDRO envia a JOÃO BATISTA um link sobre uma reportagem que se refere ao esquema como um caso de polícia, denota claramente sua intenção de impondo medo ao colaborador, referentemente ao que poderia acontecer, caso as irregularidades fossem reveladas.

Daí, a necessidade da decretação da custódia preventiva como único meio capaz de tutelar a livre produção de provas e impedir que os agentes criminosos destruam ou manipulem provas e ameacem testemunhas, ou seja, de que comprometam a instrução criminal e a busca da verdade real.”

Outro forte motivo que me levou à decretação da prisão preventiva de PEDRO JAMIL NADAF naqueles autos é o fato de que até aquele momento o mesmo ocupava o cargo de Presidente da FECOMÉRCIO, entidade que detém grande poder político e econômico neste Estado, o que aumenta ainda mais o grau de periculosidade da organização criminosa, eis que estende seus tentáculos até a cúpula de boa parcela da esfera privada mato-grossense.

Outrossim, ainda que atualmente não mais exerça tal cargo, é certo que ainda conta com grande prestígio e tem conhecimentos e ligações políticas suficientes para beneficiar-se disso.

Além disso, já demonstrou que se utiliza do cargo que ocupa para obter vantagem ilícita, mediante a criação de ardis dentro da administração pública, visando angariar fundos para a organização e blindar seus principais componentes.”
Argumenta que a decisão proferida naqueles autos faz referência à convicção da julgadora, formada nos autos em que é réu (ID 417527), que ainda pendem de julgamento, o que consiste, segundo sua ótica, em prejulgamento e pré-condenação.

Fala que, embora o réu Marcel não tenha sido mencionado naquela decisão, já se sente também condenado, haja vista que a acusação central é a da existência de uma organização criminosa. Assim, se a magistrada refere-se a Silval da Cunha Barbosa e Pedro Jamil Nadaf naqueles autos, certamente já tem convicção quanto a participação de Marcel, o que resultaria na antecipação da condenação, mesmo antes de esgotado todo o trâmite processual.

Diz que a magistrada se utilizou de trecho da decisão que decretou a prisão de Pedro Nadaf em que faz referência à possível coação praticada em desfavor de João Batista Rosa, ignorando que, em juízo, o mesmo teria declarado que não foi ameaçado.

Afirma que na decisão proferida nos autos ID 426057 (em que Marcel, o ora excipiente, não é parte), esta magistrada fez a seguinte afirmação “SILVAL DA CUNHA BARBOSA e seu braço direito, PEDRO JAMIL NADAF, já foram presos (e assim ainda permanecem) durante a Operação “SODOMA”, deflagrada pela Polícia Civil de Mato Grosso, pela prática de peculato, organização criminosa e extorsão.”

Segundo sua ótica, a expressão “e assim anda permanecem” indica “um triunfalismo próprio de quem se orgulha do feito heroico, a vitimar ainda mais qualquer possibilidade, remota que fosse, de imparcialidade da autoridade judiciária.”

Aponta que, na decisão que decretou a prisão preventiva de SILVAL DA CUNHA BARBOSA e PEDRO JAMIL NADAF, fiz referência a evidências de que a organização criminosa está em pleno funcionamento, ao invés de declarar que havia apenas indícios, já que a convicção era oriunda de provas colhidas longe do contraditório. Assim, entende que o juízo age apenas buscando comprovar a tese acusatória, sem a imparcialidade necessária.

Requereu o reconhecimento da suspeição com a remessa dos autos ao substituto legal para a renovação dos atos processuais até agora praticados, eis que entende devam ser anulados, desde a decretação das prisões preventivas, com a imediata colocação em liberdade do excipiente.

A exceção veio acompanhada de procuração com poderes especiais e documentos (fls. 26/98).

É O BREVE RELATO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

A exceção é tempestiva, porque foi interposta na primeira oportunidade que coube à parte falar nos autos. A parte está regularmente representada e a procuração tem poderes especiais.

RECEBO-A, porém, INACOLHO-A, por entender improcedentes as razões nela aduzidas.

As argüições não procedem.

Realmente, tramita neste juízo a Ação Penal, oriunda da apelidada “Operação Sodoma”, em que são réus SILVAL DA CUNHA BARBOSA, PEDRO JAMIL NADAF, MARCEL SOUZA DE CURSI e outros, sob o número 22746-25.2015.811.0042 e ID 417527.

Referida ação versa sobre a acusação ministerial de terem os réus composto organização criminosa e, unidos nesse propósito, terem manipulado em seu favor a concessão de benefício fiscal a JOÃO BATISTA ROSA, mediante a exigência de pagamento de propina, em quantia superior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

Tal quantia, distribuída em vários pagamentos efetuados pela vítima João Batista, foram rastreadas e localizadas em contas bancárias ligadas a PEDRO JAMIL NADAF. Além disso, dois colaboradores declararam o envolvimento de FRANCISCO DE ANDRADE LIMA FILHO como intermediário da lavagem de dinheiro decorrente da propina, o qual teria apontado SILVAL DA CUNHA BARBOSA como o líder e um dos seus principais destinatários.

Nesse contexto, MARCEL SOUZA DE CURSI, ora excipiente, é apontado como sendo o mentor da ação criminosa, eis que, profundo conhecedor das regras tributárias estaduais, teria propositalmente dificultado o recebimento de créditos que pertenceriam a JOÃO BATISTA, no intuito de compeli-lo a aderir aos propósitos da organização.

Além disso, MARCEL teria insistentemente procurado a vítima JOÃO BATISTA, no intuito de promover atos que dificultariam a descoberta da trama criminosa. Tais contatos, que também foram mantidos entre PEDRO JAMIL NADAF e JOÃO BATISTA ROSA, estão registrados nos autos, mediante conversas pelo aplicativo whatssapp e filmagens/gravações, promovidas pela própria vítima, com auxílio da Polícia civil.

Tal ação penal se encontra com instrução encerrada, apenas pendente o interrogatório de um dos réus (SILVAL).
Tramita, também, outra ação penal, oriunda da chamada “Operação Seven”, em que os fatos são completamente diversos, assim como os atos praticados, só remanescendo alguns dos personagens da primeira trama: PEDRO JAMIL NADAF, FRANCISCO GOMES DE ANDRADE LIMA FILHO e SILVAL DA CUNHA BARBOSA.

Nos autos referentes à Operação Seven é que decretei novamente a prisão preventiva de PEDRO JAMIL NADAF E SILVAL DA CUNHA BARBOSA (dentre outros), utilizando-me, em parte, de dados obtidos na primeira instrução.

Tal feito, contudo, sequer se refere à pessoa de MARCEL SOUZA DE CURSI, de modo que a exceção de suspeição, embora proposta por este, aproveitaria apenas a SILVAL e PEDRO. Assim, tenho que a presente Exceção de Suspeição, a princípio, nem sequer mereceria análise. Faço-o, no entanto, para espancar de vez qualquer dúvida que esteja assombrando o espírito do jurisdicionado quanto à lisura de seu julgamento.

MARCEL sequer foi alvo do decreto de prisão contra o qual ora se insurge. Nem menção à sua pessoa há na decisão objurgada, de modo que é forçoso reconhecer que a interposição desta Exceção tem intuito meramente protelatório e visa tão-somente tumultuar o andamento processual.

Ainda que tal não fosse, se fizéssemos um esforço capaz de acompanhar o raciocínio oblíquo do excipiente, não haveria suspeição a reconhecer.

Ora, o argumento central da oposição é que esta magistrada já teria prejulgado o réu MARCEL SOUZA DE CURSI, eis que afirmei, quando da decretação da prisão preventiva (de terceiros), que havia evidências da existência de uma organização criminosa. Insurge-se, pois, de não ter utilizado o termo “indícios”, já que tal convicção seria oriunda de fatos trazidos aos autos longe do contraditório.

Primeiramente, volto a registrar que a decisão não faz referência à pessoa de MARCEL. O fato de ter afirmado que há evidências da existência de organização criminosa, por si só, não indica que tenha afirmado que MARCEL a compõe.
Em segundo lugar, assinalo que utilizei o termo evidências não apenas pela similaridade que detém com o termo indícios, mas também porque, ao contrário do que afirma o excipiente, quando da decretação da prisão preventiva de SILVAL BARBOSA e PEDRO NADAF havia elementos suficientes para fazê-lo, inexistindo motivos plausíveis para a irresignação.
Aponto, ainda, para o fato de ter o Excipiente maliciosamente arguído que esta magistrada, ao decidir pela decretação das prisões preventivas, deixou de levar em consideração as declarações da vítima JOÃO BATISTA ROSA em juízo, quando da decretação das prisões. Ocorre que o decreto prisional data de 28 de janeiro de 2016, enquanto que JOÃO BATISTA ROSA só foi ouvido em juízo um dia depois, ou seja, em 29 de janeiro. Essa circunstância foi propositalmente falseada pelo Excipiente, no único afã de classificar de parcial a magistrada.

De toda sorte, com relação ao que tenha ou não dito a vítima JOÃO BATISTA, é certo que valoração das provas é problema de mérito, que não pode ser enfrentado em sede de Exceção de Suspeição, muito menos nestas condições, em que o Excipiente faz um malabarismo grotesco na intenção de fazer prosperar uma tese absurda de que, referindo-me a outros personagens, SILVAL e PEDRO, estaria eu prejulgando MARCEL.

O juiz só pode ser afastado da direção do processo, ou seja, só haverá exceção ao princípio do Juiz Natural, quando a isenção do julgador restar manifestamente comprometida por alguma das hipóteses antiéticas indicadas no texto legal (artigo 254 CPP) em regime “numerus clausus”.

Dispõe o artigo em referência:

O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

Trata-se, em primeiro lugar, de enumeração taxativa, e não meramente exemplificativa, e isto porque o imperativo do Juiz Natural deve sobrepor-se aos interesses das partes, prestando-se exatamente a garantir que não haja manipulação do juiz em favor de quem quer que seja.

Na verdade, e contrariamente à sustentação do excipiente, as causas excepcionais que autorizam a recusa do julgador exprimem exatamente criteriosas exceções ao princípio do Juiz Natural, e não autorização para que referido axioma seja casuisticamente neutralizado ao bel prazer da parte.

Veja-se, a propósito:

PENAL. PROCESSO PENAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO JUIZ DA CAUSA. SENTIMENTO DE PARCILAIDADE INEXISTENTE OU SITUAÇÃO DE PREJULGAMENTO QUE NÃO PROCEDE. INOCORRÊNCIA DE EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. IMPROCEDENTE O PEDIDO. DECISÃO UNÂNIME. I - Inocorre a suspeição do juiz quando não demonstrada a incidência das hipóteses taxativamente previstas no art. 254 do Código de Ritos, pois nelas não se pode inserir simples situação de desconfiança ou sentimento de parcialidade atribuídos aos juiz da causa. Ademais, um possível pré-julgamento da magistrada do feito não se enquadra nas hipóteses elencadas no artigo supramencionado. II - E, pois, in casu, não há que se falar em suspeição da MM. Juíza da Vara Única da Comarca de Cumaru, por possível antecipação de juízo de valor, máxime porque inexiste qualquer fundamento legal para tê-la como suspeita.

Nesse sentido: PENAL. PROCESSUAL PENAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MAGISTRADO. ART. 254 DO CPP. HIPÓTESES TAXATIVAS. PARCIALIDADE DO JUIZ NÃO DEMONSTRADA. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO REJEITADA.1. "Em tema de suspeição do magistrado não podem ser alegadas pelas partes outras causas que não as estritamente enumeradas na lei (art. 254 do Código de Processo Penal)." (RT 508/404). Rol taxativo. 2. A excipiente não indica, na sua petição inicial, qualquer das hipóteses elencadas no art. 254, do CPP, razão pela qual não se justifica o acolhimento da presente exceção de suspeição. Precedentes desta Corte. 3. Ausência de caracterização de inimizade capital ou qualquer sentimento capaz de afastar a imparcialidade do magistrado para o julgamento da causa. 4. Exceção de suspeição improcedente.III - Exceção de suspeição improcedente. Decisão unânime. (TJ-PE - ES: 858420118170540 PE 0008224-93.2011.8.17.0000, Relator: Nivaldo Mulatinho de Medeiros Correia Filho, Data de Julgamento: 24/08/2011, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 162).

Em segundo lugar, a intenção da lei é de enumerar as situações em que possa faltar ao julgador o necessário juízo de natureza ética (credor, amigo íntimo, inimigo capital, conselheiro, herdeiro, interessado etc).

Assim, arguída causa de suspeição não prevista em lei, em que a parcialidade desta julgadora é defendida com recurso à imaginação fantasiosa do excipiente, rigorosamente não se poderia admitir sequer o processamento da exceção.

De qualquer maneira, não pode nem deve esta juíza se declarar suspeita, fora das hipóteses indicadas na lei processual penal, simplesmente porque o réu resolveu manipular a seu favor os fundamentos de decisão que sequer lhe diz respeito, na clara tentativa de protelar a instrução do processo, anular o que já foi produzido e tentar escolher quem o julgará.

Assim, não se tratando de condução funcional antiética capaz de fazer presumir a quebra da parcialidade, deve prevalecer a vinculação desta magistrada à ação penal em que é réu.

Assim, é IMPROCEDENTE a argüição de suspeição, motivo pelo qual REJEITO-A e, uma vez que já fora autuada em apartado pela Secretaria, determino seja encaminhada à superior instância, para reapreciação, sem suspensão da tramitação da ação penal, nos moldes do que determina o Código de Processo Penal e a melhor jurisprudência:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PREFEITOS MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÃO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA AFASTADA. I - Não há que se falar em perpetuação da jurisdição relativamente a inquérito policial. Sendo sido arquivado inquérito em uma unidade da federação, é possível a instauração de outro, em outra unidade, ainda que para investigação de fatos similares, perante o juízo federal desta última. Incompetência que se afasta. II - Ausência de previsão legal para suspensão do processo-crime até decisão na exceção de suspeição proposta, por não se tratar da hipótese do art. 102 do CPP. III - Não havendo investigação relativamente a prefeitos nem mesmo de servidores públicos municipais, afasta-se a pretensão do reconhecimento da competência originária desta Corte para processo e julgamento das ações penais. IV - Ordem que se denega. (TRF-1 - HC: 23192 MT 2006.01.00.023192-4, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/08/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 17/11/2006 DJ p.42 - grifei).

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. A oposição de exceção de suspeição não tem o condão de interromper o trâmite da ação penal, não havendo previsão legal para tanto. (TRF-4 - HC: 41419 PR 2009.04.00.041419-3, Relator: GUILHERME BELTRAMI, Data de Julgamento: 20/01/2010, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 27/01/2010 - grifei).

Intimem-se. Cumpra-se.

Cuiabá, 22 de fevereiro de 2016.

SELMA ROSANE SANTOS ARRUDA

JUÍZA DE DIREITO

* Fonte: Levi Freire Junior, blog pessoal
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