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O BARATO QUE SAI CARO

Substituir casas de albergado por tornozeleiras a condenados por crimes gera economia ao erário, avalia Estado

24 Abr 2016 - 15:25

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Ilustração

Exemplo de um modelo de tornozeleira eletrônica usado atualmente

Exemplo de um modelo de tornozeleira eletrônica usado atualmente

O comentário nas redes sociais feito no início deste ano pela promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues reacendeu a polêmica sobre as audiências de custódia. O fato vai ao encontro de um estudo de caso sobre a situação do reeducando J.C.D.S, de 43 anos, acusado de tentar estuprar uma estudante de 21 anos em plena luz do dia no centro de Cuiabá, em janeiro deste ano. A apuração revela como uma seqüência de lacunas e falhas de segurança pelas autores públicas permitem um homem preso há 11 anos estivesse gozando de total autonomia. A apuração aponta que, por questões de economia, o estado desativou suas casas de custódia, substituindo-as por tornozeleiras eletrônicas, vida em plena liberdade e aluguel de casas, mesmo estando, o liberto, desempregado.


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O Fato:


O caso que chocou a população mato-grossense ocorreu às 5h40 da tarde da última terça-feira e contou com dois momentos distintos. No primeiro, a estudante M.C. da S. sofreu a abordagem verbal violenta ainda e foi molestada, mas conseguiu escapar. No entanto, enquanto procurava uma equipe da Polícia Militar, nas imediações da Praça Ipiranga, se deparou novamente com o criminoso. Mais uma vez foi agredida verbalmente. Ela reage a socos, o agressor cai no chão e é imobilizado por populares e posteriormente encaminhado, algemado, às autoridades. Mas como foi possível um preso estar solto e à luz do dia se envolver um escândalo como esse?

Fundação Nova Chance:

A Fundação Nova Chance (FUNAC), órgão vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) do Governo do Estado de Mato Grosso, admitiu a liberdade assistida a J.C.D.S, de 43 anos. À ele foi permitida a possibilidade de atuar como gari, mediante parceria da fundação com a Secretaria de Serviços Urbanos da Prefeitura da Capital, a partir da filosofia de que o trabalho reinsere o homem na sociedade. J.C. "ficou recluso durante quase onze anos, quando ganhou o direito de concluir a pena em regime semi-aberto”, explica Cintia Nara Selhorst, presidente do FUNAC, que o recebeu em junho de 2015.

Em nota, a FUNAC denuncia que “Cuiabá não possui casas de albergados”, uma responsabilidade do Estado de Mato Grosso. A casa deveria ser a unidade responsável pela estadia do reeducando.

Se J.C. estivesse em uma “casa de albergado” não teria opção, não tendo, como conseqüência, autonomia para decidir onde mora. Todavia, a ausência o permitiu que tivesse liberdade suficiente para decidir onde morar. Em contrapartida, como medida cautelar, deveria usar uma tornozeleira eletrônica, e retornar para sua residência em horário determinado, sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), a quem recorremos para obter respostas.

SEJUDH:

A SEJUDH informa que: “Com o advento das tornozeleiras eletrônicas, o estado deixou de custear o abrigo de recuperandos que progridem para o Regime Semi Aberto, gerando assim economia para o erário. Com isso, as casas de albergado do Estado foram desativadas, dando a liberdade para os recuperandos ficarem próximos a seus familiares, quando for o caso, atendendo determinação da Lei de Execuções Penais (LEP), que foca no processo de reintegração social completa do recuperando, e um dos princípios desta ressocialização é permitir ao recuperando o retorno ao convívio social”.

Todavia, como o próprio FUNAC informa. J.C. não possuía familiares em Cuiabá, não se enquadrando portanto, no caso acima.

Albergues da Prefeitura:

Sem casas de albergado do Estado, J.C. viveu em albergues da Prefeitura Municipal e atuou como gari, em parceria do órgão com a FUNAC. Ou seja, esteve, ainda que indiretamente, temporariamente, sob responsabilidade do executivo municipal.

“A Prefeitura de Cuiabá esclarece que J.C.D.S. foi usuário dos serviços de abrigamento no período de 27 de maio a 05 de junho de 2015 e deixou o albergue Manoel Miraglia porque pernoitou fora, sem a autorização devida. Além dessa unidade, J.C.D.S freqüentou o albergue do Porto no período de 29/06 a 25/07, e só deixou a unidade por iniciativa própria, pois havia conquistado autonomia financeira”.

Posteriormente, J.C. foi demitido do cargo de gari em dezembro de 2015, por excesso de faltas. Entretanto, mesmo sem o motivo pelo qual a liberdade lhe foi apostada, isto é, o trabalho, J.C. continuou solto.

“Foi comunicado à fundação sobre o desligamento de J.C. do quadro de servidores do município”, afirma a prefeitura de Cuiabá.

Agora, sem emprego e fora da responsabilidade, ainda que indireta, da prefeitura, J.C. segue alugando casa própria, tendo apenas uma tornozeleira eletrônica para relembrá-lo que cumpre regime semi-aberto, como foi possível manter sua autonomia financeira e sua existência nas cidades?

FUNAC:

Questionado se a Fundação havia recebido o comunicado da prefeitura e, por quais motivos manteve-o solto, a FUNAC questiona e aponta que a prefeitura expediu notificação com 36 dias de atraso:

“Faltar ao trabalho não é crime”, portanto, “J.C. não transgrediu, que eu tenha conhecimento, nenhum requisito que motivasse sua reclusão”. Ainda, explica: “Recebemos a notificação da Secretaria de Serviços Urbanos (da Prefeitura) do desligamento do recuperando no dia 20 de janeiro, embora seu desligamento tenha ocorrido em 15 de dezembro e antes de encaminhar a informação ao Juiz, sempre buscamos entender as razões de seu desligamento, que muitas vezes está relacionado com o uso de drogas [...] Mas, não sei se este é o caso de J.C”, diz. Conclui. “O recuperando que sai para cumprir pena no regime semi-aberto ou aberto deve apresentar-se ao Juiz uma vez ao mês e a decisão de mantê-lo cumprindo pena neste regime mais brando ou privado de liberdade leva em conta vários fatores, no entanto é uma decisão exclusiva do judiciário”.

Advogado avalia:

Para este tipo de caso, a medida cautelar da tornozeleira eletrônica funciona? O advogado Ricardo Spinelli, em entrevista oferecida à Olhar Jurídico no fim de 2015, avalia o recurso da medida cautelar. “A tornozeleira irá apenas fiscalizar os passos, via sistema de monitoramento, que visualizará por GPS os locais aonde a pessoa vai. Se vai impedir novos crimes? É complicado falar, pois um sistema eletrônico não é capaz de prevenir novas ações criminosas, mas reduz, pois você pode monitorar, visualizar, dentro de um espaço territorial onde a pessoa percorre. Por exemplo, em um crime onde a pessoa percorre determinadas dependências e agora você monitora que a pessoa continua a freqüentar aquelas dependências, então você consegue visualizar que o sistema é eficaz, para que ele não possa contatar determinadas pessoas, dependendo da localização. Não dá para dizer que isso vai impedi-lo de cometer outros crimes. A tornozeleira é apenas um controle, uma fiscalização dos locais aonde ele vai, para prevenir futuros crimes”, conclui.

Contraditório:

A vítima da tentativa de estupro informa que J.C. não estava usando tornozeleira eletrônica no momento do ataque. Recorrendo ao Boletim de Ocorrência (B.O), lavrado pela Polícia Militar no dia do ataque, não há qualquer informação de que um objeto eletrônico estivesse, à revelia, inserido no tornozelo do homem. Dúvidas cujos esclarecimentos virão dentro de um mês, quando vítima, meliante e a Polícia se encontrarão para prestarem depoimentos.

A promotora:

A promotora Lindinalva Rodrigues avalia, em conversa com Olhar Direto: “As pessoas que estão sendo liberadas, autores de furtos e roubos, com problemas com álcool e drogas, estão sendo devolvidas da mesma forma que foram presas, desestimulando o trabalho do Ministério Público e da Polícia. Do jeito que está, não dá segurança à sociedade, a lei proíbe a internação compulsória, mas eles não vão se tratar por contra própria”.
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