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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Estatuto Único do Advogado Público

Uma profícua discussão sobre a advocacia pública foi pautada na mídia. Lamentavelmente, a discussão pública não está sendo mediada pela Ordem dos Advogados do Brasil. À míngua de interlocutores imparciais que representem a advocacia mato-grossense, associações digladiaram-se, cada qual a defender interesses de classe.

O envio do projeto de lei criando a categoria de analista jurídico agudizou o embate sobre funções, amplitude e subordinação entre advogados públicos. Num Estado que abre mão da própria procuradoria para licitar a cobrança de uma dívida bilionária, alguma coisa está errada. Muito errada. Precisamos refletir sobre o suporte (ou a falta dele) que o governo tem dado aos advogados públicos.

Antes de ingressarmos na polêmica que dividiu opiniões, é preciso deixar duas balizas muito claras que norteiam a minha análise:

1) a advocacia pública previne danos ao erário: os advogados e consultores que operam no poder público são acionados e protegem o nosso patrimônio principalmente das aventuras dos administradores; 2) para cumprir o mister de autocontrole público, os advogados precisam de garantias funcionais e independência. É essa independência institucional que repele eventuais conluios políticos com gestores mal intencionados.

Daí uma conclusão prévia: em qualquer setor da advocacia pública, são os próprios colegas quem devem indicar a administração que lhes é superior.

Basicamente, a discussão gravita em torno da constitucionalidade da ‘consultoria jurídica’, no âmbito estadual mato-grossense e da participação dos consultores nas autarquias e fundações. A associação dos procuradores elenca uma série de julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade emanadas do Supremo Tribunal Federal, pelos quais afirmou-se o monopólio das procuradorias estaduais, por meio de profissionais concursados com a atribuição técnica específica.

A lógica não deixa de ser legítima, legal e recomendável, mas é contrastada com a realidade. A realidade que denuncia um Estado débil e incapaz de dar uma resposta jurídica a todas as demandas internas por meio de uma única procuradoria, até porque é preciso considerar as autarquias e fundações.

É que aos Estados é lícita a manutenção de consultorias paralelas à própria procuradoria. Mas há uma condição: desde que, até a data da promulgação da Carta Magna, já houvesse órgãos especializados. Do contrário, qualquer tentativa de estabelecer consultorias ao largo da estrutura constitucionalmente prevista está vedada.

Ademais, a realidade de crise jurídica interna demanda uma resposta imediata, porque dezenas de técnicos, analistas, consultores denunciam publicamente a absoluta incapacidade da Procuradoria Geral assumir a emissão de pareceres para todas as licitações, processos previdenciários e administrativos em geral. Tanto é assim que o governo mato-grossense passou o maior atestado de desconfiança institucional ao movimentar-se para repassar a bilionária cobrança de dívidas para empresas privadas e não para a própria Procuradoria Geral.

Não é inteligente o debate sobre capacidade técnica, preparo jurídico. Até porque há, em todos os setores, advogados mais ou menos qualificados, de acordo com os estudos que empreendem, havendo hipóteses de incorporações aos quadros públicos de pessoal que nem sequer foi concursado, por ocasião da promulgação da Constituição de 1988. E também não é inteligente acirrar os ânimos de classes que lutam por fortalecimentos setoriais, combatidos pela ótica centralizadora das procuradorias. Sustentam os procuradores que a descentralização jurídica abre espaço para a corrupção. Lembremos que as procuradorias são controladas politicamente em suas representações superiores por meio de indicações do próprio chefe executivo, fato que precisa ser reformado imediatamente para ser coerente esse postulado.

A solução é preciso ser alcançada com mediação. Particularmente, entendo que a única via de realização de uma advocacia pública forte, independente e harmônica entre administração direta, indireta, funcional e autárquica, que reconheça o trabalho de analistas jurídicos e de tantos outros profissionais seja a elaboração de um Estatuto Único da Advocacia Pública Mato-Grossense. Esse diálogo não deve primar pela busca de poder de grupos, em detrimento da harmonia geral. Qualquer legislação que não seja fruto do diálogo será questionada com chances de ser fulminada pela inconstitucionalidade.

É preciso suplantar interesses setoriais, lobbys classistas e promover um debate amplo, honesto e imparcial, sem influências políticas partidárias que mais atrapalham a comunicação. A advocacia pública mato-grossense não pode ser trampolim para pretensões políticas pessoais e não pode abdicar ao diálogo para sufragar uma disputa que só desgasta os advogados públicos e beneficia o político oportunista que está interessado no voto nas próximas eleições e não em resolver uma difícil equação jurídica.

Eduardo Mahon é advogado.

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