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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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Futebol e sistema eleitoral

Não se fala mais de outra coisa, depois das manifestações nas ruas, que não seja “reforma política”, muito embora a pauta das manifestações não seja essa. Pelo menos não originalmente. Vejo com muita reserva qualquer alteração atual no nosso sistema político, isto em razão do temor que tenho de decisões de afogadilho. Não há nada pior do que o processo legislativo a toque de caixa. Portanto, não me sinto nada confortável com a ideia de congressistas se obrigarem a votar de tal ou qual maneira para, oportunisticamente, agradar o grito dos manifestantes.

Não que o sistema político brasileiro seja perfeito e não reclame reparos. Longe disso! O que vejo como salutar, todavia, é o debate marcado pela reflexão, pelo estudo e pela razão. A paixão é inimiga de qualquer escolha racional. A par disso, o que ninguém consegue entender, até mesmo porque poucos se preocupam e se perguntam, é: a quem interessa, hoje, esse debate?

Tomo como exemplo a discussão que o Conselho Federal da OAB suscitou no Supremo Tribunal Federal com o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que visa à proibição do financiamento de campanha por pessoas jurídicas, isto é, empresas.Quem se beneficiará com isso? Os que já detêm o poder, por certo.É óbvio, afinal, não se fazem campanhas sem recursos. E é preciso sim, e, por sinal, bastante, de dinheiro para se montar um contra-ataque da oposição, ou das oposições, à atual agremiação detentora do poder, isso, evidentemente, envolvendo a propaganda e a ampla publicidade inerentes à campanha eleitoral.

Não convence o argumento, daqueles que são contra a doação por pessoas jurídicas, de que empresas não detém capacidade eleitoral passiva, isto é, não podem ser votadas, logo, não deveriam contribuir aos partidos e candidatos. Costumo dizer que esses “teóricos da igualdade” fazem “ficção da ficção”, isto é, subvertem o sentido da abstração que a pessoa jurídica é detentora para, com isso, leva-la às ultimas consequências, alguns chegando ao ponto de dizer que as empresas não deveriam votar porque não são seres humanos. É claro, como se elas – pessoas jurídicas – se levantassem pela manhã e, sozinhas, tomassem banho, se alimentassem, fossem ao cinema, enfim, prescindissem de pessoas humanas na composição de seu quadro societário. Um desencontro lógico.

Em outras palavras: as empresas se compõem de pessoas, de seres humanos pensantes e votantes, não havendo qualquer óbice razoável para que contribuam nas campanhas eleitorais, até mesmo porque muitas pessoas jurídicas levantam bandeiras totalmente legítimas, como é o caso da Natura que, ao financiar maciçamente a campanha de Marina Silva, em nome da sustentabilidade (há bandeira melhor do que essa?), fez de sua candidatura a vencedora no Distrito Federal, contra o hegemônico PT, o qual detém o poder central da Federação desde 2003.

Muito pior é o argumento, que parte da presunção de má-fé, no sentido de que as empresas doam para as campanhas já pensando em burlar a legislação de licitação para recuperar, e com lucro, o dinheiro investido. É como se não houvesse mecanismos e ferramentas de controle dos certames nesse país...Vem-me à mente a teoria do fim do mundo e os seus teóricos de irremediável pessimismo. Se algo deve ser mudado é a forma de atuação dos mecanismos de controle nos certames licitatórios, a exemplo dos Tribunais de Contas, do Ministério Público, do próprio cidadão que com seu título de eleitor pode propor ação popular visando nulificar ato lesivo ao erário, dentro tantos outros.

Há, ainda, as ações e representações do microssistema eleitoral que, convenhamos, são hábeis o suficiente para controlar a arrecadação e os gastos ilícitos de campanha, inclusive com previsão de multas pesadas às empresas que doam acima do limite legal permitido, até mesmo lhes sendo possível sofrer proibição de contratar com o poder público.Com a redução da liberdade de atuação plena nas campanhas eleitorais, que para a oposição me parece possível apenas com recursos suficientes para uma ampla propaganda e marketing eleitoral, apenas os reis (detentores de poder) e seus amigos, contando com a ampla visibilidade pela atuação pública sempre captada pelos holofotes da mídia, lograriam êxito nas urnas.

E, se lamentavelmente essa ADI do Conselho Federal da OAB passar, certamente o futebol se tornará mais democrático que o sistema eleitoral, porque lá, nos campeonatos da vida, os times contam com aportes financeiros para selecionar os melhores jogadores e, com isso, propiciar uma disputa equânime e justa. Nas eleições, embora o dinheiro não deva servir para selecionar candidatos, serve, e muito bem, para propiciar o debate equitativo, com ampla margem de discussão nos meios permitidos de propaganda, viabilizando aos recém-chegados ao debate eleitoral a oportunidade de discutir párea a páreo com os que ali já se encontram já há algum tempo. Espero que, democraticamente, o eleitor se sobreponha ao torcedor, o voto ao grito de gol, e a urna à bola. Ah, é claro, no país do futebol.

Rodrigo Cyrineu é advogado.

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