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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Sobre a PEC 37

A instituição Policial Civil e Federal do Brasil encontra-se em rota de colisão com os Ministérios Públicos Estaduais e Federal. Mais uma vez e por um motivo que de republicano não tem nada.

Delegados de Polícia, de um lado, Promotores de Justiça e Procuradores da República de outro, travam uma batalha política sem precedentes na longa e, nem sempre, harmoniosa convivência que o sistema de justiça criminal brasileiro os impõe.

A denominada Polícia Judiciária sempre foi o ator principal quando se fala em investigação criminal, é dela, sem nenhuma dúvida, a atribuição originária nesse campo, mas não exclusiva, tanto que vários outros órgãos e instituições, públicos e particulares, o fazem, e o produto desse trabalho, se idôneo, pode dar lastro a uma acusação no âmbito judicial.

Assim, os procedimentos administrativos disciplinares, os procedimentos fiscais levados a cabo pelos agentes fazendários, os inquéritos civis públicos, as tomadas de contas especiais dos Tribunais de Contas e tantos outros procedimentos a cargo de autoridades administrativas permitem que deles se inicie uma acusação. Até mesmo as provas coletadas pelo particular (documentos, declarações, exames médicos, etc.), que instruem uma  representação são capazes de dar ensejo a uma ação penal – é o que estabelece, por exemplo, a Lei n.º 4.898/65, conhecida como lei do abuso de autoridade.

Com a PEC 37, apropriadamente conhecida como PEC da Impunidade, os Delegados de Polícia do Brasil querem que os órgãos policiais tornem-se os únicos detentores da prerrogativa de investigar crimes de um modo geral. Esse desejo, se consagrado com a aprovação da malsinada PEC, tornaria o trabalho de uma gama muito vasta de servidores públicos imprestável para fins criminais, pois tudo aquilo que investigassem deveria ser investigado novamente pela polícia para permitir uma persecução penal em juízo.

Não bastasse o custo desse descalabro, que decorreria da necessidade de um retrabalho e de um aumento incomensurável do efetivo das policias, pode-se dizer que as coisas ficariam muito mais fáceis para os criminosos, uma vez que o retrabalho, agora triplo, tornaria a prova cada vez mais distante, já que isso exigiria, também, um tempo considerável e quanto mais distante do crime, mais frágil se torna a prova. A PEC 37 poderia ser chamada, também,
de PEC da Burrice.

Essa PEC, a bem da verdade, vai contra a implantação de sistema punitivo mais eficiente e menos oneroso para a sociedade, pois a complexidade das relações sociais no mundo atual exigem, cada vez mais, a especialização dos
profissionais que atuam na investigação e repressão a condutas criminosas que, por sua vez, também se tornam cada mais complexas.

Basta vermos o intrincado sistema tributário nacional, a exigir um grande número de profissionais altamente gabaritados para assegurar não apenas a arrecadação de impostos, mas a competitividade nos diversos setores da economia, diante de um mercado cada vez mais competitivo, com praticas comerciais agressivas, onde quem deixar de recolher um tributo leva uma imensa vantagem sobre o seu concorrente. Ainda no âmbito econômico, as práticas criminosas como o dumping, a cartelização, a lavagem de dinheiro, exigem uma estrutura estatal própria para monitorar o mercado, trocando
informações com agências congêneres de vários países. Os órgãos que fiscalizam o respeito ao meio ambiente, também reprimem administrativamente as ofensas contra ele que, no mais das vezes, caracterizam crime, e esse
trabalho pode levar à imposição de uma sanção penal.

Não precisamos da Polícia Judiciária para investigar todos os tipos de crime até porque isso seria impossível, seja em função do elevado custo, seja porque o poder público já dispõe de órgãos e agências especializadas que fazem e podem continuar fazendo esse mesmo serviço, até com mais eficiência que as próprias Polícias Judiciárias, porque são especialistas. Na verdade, o que precisamos não é entregar para a Polícia Judiciária a exclusividade da investigação criminal, mas fortalecer as instituições existentes, e com poder de polícia, para investigar cada vez melhor.

O objetivo PEC 37 vai muito além da alegada necessidade de uma investigação imparcial ou de melhorias nas condições de trabalho das nossas polícias, as pessoas que a gestaram não trabalharam com qualquer objetivo republicano, pois o que pretendem é proteger-se ou proteger alguém próximo, impedindo a atuação das instituições que se dispõem a combatê-las, se valendo de um discurso mentiroso e de pessoas que se acostumaram a agir como o rebanho que segue o vaqueiro, mesmo quando é levado para o abatedouro.

Ao Ministério Público não é necessário atribuir, expressamente, o poder de investigar crimes, apenas garantir que continuará a fazê-lo sempre que entender necessário e isso somente acontecerá, com toda certeza, quando
alguém não cumprir a sua obrigação.


Doutor Célio Wilson de Oliveira é promotor de Justiça em Mato Grosso e foi Secretário de Justiça e Segurança Pública no período janeiro de 2003 a dezembro de 2006.
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