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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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A discriminação de idosos no mercado de trabalho e as iniciativas legislativas para combatê-la

Autor: Carla Reita Faria Leal e Solange de Holanda Rocha

12 Jan 2024 - 08:00

Em 27 de outubro de 2023, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados dos dados colhidos no Censo 2022, com destaque para o aumento significativo da população idosa no contingente populacional do país.

Os números retratam que a população idosa com 60 anos ou mais de idade chegou a 32.113.490 (15,6%), um aumento de 56,0% em relação a 2010, quando era de 20.590.597 (10,8%). O índice de envelhecimento, considerando-se a população com 60 anos ou mais, chegou a 80,0 em 2022, com 80 pessoas idosas para cada 100 crianças de 0 a 14 anos. Em 2010, o índice de envelhecimento correspondia a 44. Este índice reflete uma média no Brasil, uma vez que há Estados, a exemplo do Rio Grande do Sul (115,0) e do Rio de Janeiro (105,9), onde o número de idosos ultrapassou o número de crianças de 0 a 14 anos.

Segundo Izabel Marri, gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, a base da pirâmide etária no Brasil foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos, principalmente a partir dos anos 1990. Essa redução ocorreu de forma mais acentuada nas regiões Sul e Sudeste, onde o envelhecimento populacional é mais visível. Por outro lado, ainda há maior número de pessoas jovens no Norte e Nordeste, enquanto que o Centro-Oeste apresenta uma estrutura intermediária, com uma distribuição etária próxima da média brasileira.

O Censo 2022 também aponta que a população feminina está aumentando de forma constante no Brasil nas últimas décadas. Atualmente há cerca de 104,5 milhões de mulheres e 98,5 milhões de homens (uma diferença de 6 milhões). Os analistas do IBGE explicam que há uma explicação histórica para o maior número de mulheres na população. Na faixa até os 24 anos de idade, os homens ainda são maioria. A partir desse estágio, as mulheres ficam à frente em razão da sobremortalidade masculina decorrente de causas externas, como mortes violentas e acidentais que vitimam principalmente homens jovens. Significa dizer que, em regra, as mulheres vivem mais.

O IBGE também analisou os dados com base na população acima de 65 anos, visto que, embora a legislação brasileira, por meio do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n.º 10.741/2003) adote a idade de 60 anos ou mais para definir quem é considerado idoso, o corte de 65 anos ou mais foi utilizado para manter comparabilidade internacional e com outras pesquisas que utilizam essa faixa etária, como de mercado de trabalho. Os dados divulgados retratam o Brasil como um país mais envelhecido e mais feminino.

Como consequência desse processo de transição demográfica, a Reforma da Previdência aprovada pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 estabeleceu o aumento da idade mínima para aposentadoria das trabalhadoras vinculadas ao Regime Geral de Previdência Social, sob gestão do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de 60 anos, de forma gradativa a contar de 2020, até chegar aos 62 anos em 2023. Além disso, houve alterações na média dos salários de contribuição para cálculo do benefício, o que acarretou redução significativa no valor das aposentadorias.

A maior expectativa de vida e a redução da renda dos aposentados são fatores que contribuem para a permanência ou o retorno de pessoas idosas ao mercado de trabalho. Neste contexto, o Estatuto da Pessoa Idosa, que já previa na sua redação original a criação pelo Poder Público de programas de profissionalização especializada para idosos, foi alterado pela Lei n.º 14.423 de outubro de 2022 para estabelecer programas de estímulo às empresas privadas para admissão de pessoas idosas.

Seguindo essa tendência, o Estado de Mato Grosso editou uma lei estadual, sancionada no final de setembro de 2023 (Lei n.º 12.261/2023), que cria política pública de incentivo e educação tecnológica para a terceira idade, denominada Terceira Digital, com o objetivo de promover a inclusão digital e de capacitar os mato-grossenses com mais de 60 anos para utilização de novas tecnologias.

No Congresso Nacional, há um projeto de lei em tramitação que cria benefício fiscal para empresas que empreguem pessoas idosas. Nas justificativas do projeto apresentado no Senado Federal, são citados estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que denunciam uma rejeição de trabalhadores mais experientes, ou seja, alertam para o ageísmo, termo originado da palavra idade (age) em inglês, que se refere à discriminação de pessoas por causa do avanço da idade. As pesquisas da OIT alertam que esse fenômeno atinge as mulheres antes dos homens, em termos comparativos de idade, e manifesta-se, por exemplo, no desprezo pela fala dessas profissionais, pela sua exclusão em atividades mais complexas ou de grande importância para as empresas.

Acredita-se que esse tipo de preconceito não condiz com as descobertas da ciência. Há estudos científicos relacionados com a saúde humana que visam combater a ideia de que o envelhecimento implica no declínio gradual de habilidades cognitivas. Estudo recentemente publicado na Revista de Ciências da Universidade de Harvard nos Estados Unidos revela que, apesar de algumas funções cognitivas se deteriorarem com a idade, como a memória de trabalho entendida como o processo mental de armazenamento temporário para processamento de informações, outras funções melhoram, a exemplo da chamada orientação, que envolve a mudança de atenção para um determinado local no espaço, e a inibição executiva, que impede informações que distraem ou sejam conflitantes, o que permite à pessoa idosa seja mais focada no que é importante no trabalho.

Tudo isso contribui para que as corporações possam perceber, independentemente de incentivos financeiros, a importância de manter profissionais mais experientes em seus quadros e proporcionar novas oportunidade no trabalho para as pessoas idosas, cuja expectativa é de viver cada vez mais, de forma ativa e saudável.
 
Carla Reita Faria Leal, membro do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT; Solange de Holanda Rocha, Professora e Procuradora Federal em Mato Grosso
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