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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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O controle do uso do banheiro por empregados e a violação à dignidade humana

Autor: Carla Reita Faria Leal e Maria Eduarda Vieira De Lamonica Freire

22 Dez 2023 - 08:00

Em uma ação trabalhista proposta em uma das Varas do Trabalho de Osasco/SP, o empregado narrou que alguns meses após a sua contratação a sua empregadora,  a empresa Shopper instalou uma catraca com uso da digital dos empregados para o acesso aos banheiros, não tendo à época justificado a finalidade do controle. O objetivo, segundo o autor da ação, era de vigiar o tempo de permanência no local pelos empregados, o que configuraria abuso de poder.
 
Em sua defesa, a empresa afirmou que a medida adotada era uma precaução contra a propagação da COVID-19, visando evitar aglomerações. Logo, segundo a empresa, os funcionários tinham a liberdade de utilizar o banheiro conforme sua necessidade, sem restrições de tempo, e não havendo qualquer intenção de controlar o acesso a tal local.
 
No entanto, o juízo da 3ª vara do Trabalho de Osasco rejeitou a justificativa relacionada à pandemia, alegando que a empresa utilizou uma suposta preocupação sanitária como pretexto para invadir a privacidade dos empregados, buscando aumentar a produtividade, mesmo que para isso fossem adotados métodos questionáveis.
 
Para tanto, entendeu o juízo que estavam evidenciados a prática de ato ilícito pela reclamada, o nexo causal entre a conduta patronal e o dano alegado pelo reclamante e a lesão à sua esfera moral subjetiva, cuja constatação decorre de uma presunção natural, já que são prováveis e razoavelmente deduzíveis o sofrimento íntimo, o constrangimento e a situação degradante e vexatória à que se submeteu o empregado.
 
Partindo dessa constatação, a sentença condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 ao ex-empregado. Como fundamento, ressaltou o texto da sentença que: "Não se revela aceitável, sob qualquer hipótese, que o poder diretivo do empregador avance sobre questões sensíveis como o livre uso de sanitários, impondo, aos empregados, excessiva vigilância - inclusive sob o fraco argumento de preocupação com questões sanitárias".
 
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região compartilhou da mesma perspectiva ao rejeitar o recurso interposto pela empresa, asseverando que, se a verdadeira preocupação fosse controlar a disseminação do vírus, a empresa poderia ter implementado outras medidas de proteção menos invasivas, como o rodízio de trabalhadores e o teletrabalho, em vez de instalar catracas na entrada do banheiro.
 
Em agosto de 2023, por meio de uma decisão monocrática, o Ministro José Roberto Pimenta, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), negou seguimento ao recurso da empresa contra a decisão do TRT que manteve a sua condenação no caso em comento. O ministro argumentou que a empresa ultrapassou os limites do seu poder diretivo e desrespeitou normas de proteção à saúde, uma vez que a restrição ao uso do banheiro por meio de catracas com biometria impede os empregados de atenderem necessidades fisiológicas básicas, o que pode resultar até mesmo no surgimento de doenças.
 
Em caso análogo mencionado pelo Relator, o TST aplicou o mesmo entendimento, sob o argumento de que a limitação ao uso do banheiro por determinação do empregador acarreta constrangimento e exposição a risco de lesão à saúde do empregado, ao comprometer-lhe o atendimento de necessidades fisiológicas impostergáveis. Ademais, o direito à satisfação das necessidades fisiológicas constitui direito humano fundamental, primário e básico, dada a condição biológica do ser humano. De intuitiva percepção, assim, que o livre exercício do direito natural à excreção é insuscetível de restrições ou condicionamentos.
 
Apesar da tentativa da empresa de submeter o caso à análise do colegiado, alegando a falta de comprovação da restrição ao uso do banheiro, o colegiado decidiu de forma unânime que, conforme a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, esse tipo de controle viola a dignidade dos trabalhadores e configura um ato ilícito. Portanto, o dano moral sofrido pelo empregado é considerado indenizável.
 
 Esperamos que decisões como essas tenham efeito pedagógico, não só para a empresa ré, mas também para aquelas que desrespeitam e violam os direitos fundamentais de seus empregados.
 
Carla Reita Faria Leal e Maria Eduarda Vieira De Lamonica Freire são membros do grupo de pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.
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