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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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Companheiro não é herdeiro necessário segundo o STJ

O processo que questiona o testamento deixado por Gugu Liberato tem gerado polêmica e discussões jurídicas relevantes, chamando a atenção de juristas, institutos, doutrinadores e advogados que lidam com o direito das famílias e sucessões. As decisões nesse caso têm surpreendido a comunidade jurídica do país.
 
A mais recente decisão polêmica foi proferida em junho de 2022 pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que o convivente em união estável não é herdeiro necessário. Portanto, o testamento feito por Gugu Liberato, que beneficia seu sobrinho, irmã e filhos, respeitou a parte legítima ao excluir a companheira.
 
No Brasil, 50% dos bens pessoais são reservados para os herdeiros necessários, listados no artigo 1.845 do Código Civil, que são os descendentes, ascendentes e cônjuges.
 
No entanto, em 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal, em uma decisão também polêmica e amplamente debatida, equiparou os conviventes em união estável às pessoas casadas, declarando inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, com efeitos "erga omnes".
 
O STF foi assertivo ao declarar a inconstitucionalidade desse artigo, pois ele ia contra os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade de constituir famílias e afetividade.
 
No entanto, em minha opinião, que está alinhada com a do professor Flávio Tartuce, a decisão do STF deixou pendente a questão de incluir ou não o convivente como herdeiro necessário no artigo 1.845 do Código Civil, o que gera uma questão complexa no direito das sucessões com inúmeras consequências.
 
É importante ressaltar que a decisão do STF não deixou claro se o artigo 1.845 do CC deve ser aplicado aos conviventes em união estável. A maioria dos operadores do direito interpreta os votos prevalecentes, especialmente o do relator do primeiro processo, como uma evidente aplicação do artigo 1.845 do CC aos conviventes.
 
Alguns juristas que entendem que as regras previstas nos artigos 1.846 a 1.849 do CC/2002 não se aplicam aos conviventes em união estável justificam isso pela falta de previsão expressa da decisão declaratória de inconstitucionalidade do STF, além de considerar que a decisão declaratória é apenas "erga omnes" e não vinculante.
 
Após seis anos de interpretação e aplicação dos direitos dos conviventes como herdeiros necessários, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Terceira Turma, decidiu no caso de Gugu Liberato que o convivente não é herdeiro necessário.
 
Essa decisão do STJ representa um retrocesso e coloca em risco a segurança jurídica dos direitos dos conviventes em união estável, novamente distinguindo-os das pessoas casadas nas questões hereditárias. Isso pode resultar em restrições à doação e ao testamento.
 
A decisão declaratória do STF deixou várias dúvidas e brechas, conforme apontado pelo professor Flávio Tartuce em um artigo escrito para a coluna do Migalhas. Algumas delas incluem: (A) se o convivente deve ser incluído no artigo 1.974 do Código Civil, para fins de revogação de testamento, caso também se inclua o cônjuge; (B) se o convivente tem o dever de colacionar os bens recebidos antecipadamente (artigos 2.002 a 2.012 do CC), sob pena de sonegação (artigos 1.992 a 1.996), caso isso também seja reconhecido ao cônjuge.
 
Talvez a Terceira Turma do STJ tenha decidido não considerar o convivente como herdeiro necessário por entender que o STF não decidiu sobre essa questão.
 
Enfim, os conviventes devem estar atentos e buscar orientação de um especialista em Direito das Famílias e Sucessões para planejar de forma mais segura a sucessão hereditária.
 
Ana Lucia Ricarte – Advogada Familiarista
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