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MPF aciona Funai e Incra por normativa que permite grilagem em terras indígenas

Da Redação - Vinicius Mendes

O Ministério Público Federal (MPF) acionou judicialmente a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em razão da ilegalidade, da inconvencionalidade e da inconstitucionalidade da Instrução Normativa n. 09/2020, editada pela Funai em 16 de abril. A normativa representa retrocesso na proteção socioambiental, incentiva grilagem de terras e conflitos fundiários, além de restringir indevidamente o direito dos indígenas às suas terras.

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A ação civil pública (ACP), com pedido de liminar em tutela de urgência, requer, entre outros pontos, que a Funai mantenha ou inclua no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), no prazo de 24 horas, além das terras indígenas homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas. 

O MPF requer o mesmo quanto às terras indígenas do estado de Mato Grosso em processo de demarcação nas seguintes situações: área formalmente reivindicada por grupos indígenas; área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça); e terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados. A multa por descumprimento, solicitada pelo MPF, é de R$ 100 mil reais por dia.

O MPF, assim que houve a publicação da IN 09/2020, encaminhou uma recomendação à presidência da Funai para que a normativa fosse anulada e, ao Incra, para que não a cumprisse. A recomendação, assinada por 49 procuradores e procuradoras da República de 23 estados da federação, não foi acatada pelos órgãos citados. Com isso, o MPF ajuizou a referida ACP.

Conforme o texto da ação civil pública, a IN 09/2020 da Funai “viola a publicidade e a segurança jurídica ao desconsiderar por completo terras indígenas delimitadas, terras indígenas declaradas e terras indígenas demarcadas fisicamente, além das interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas em isolamento voluntário”.

O texto da ACP é assinado por oito procuradores e procuradora da República, sendo quatro destes do Grupo de Trabalho (GT) Demarcação da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF) e quatro atuantes com a matéria da 6CCR/MPF em Mato Grosso.

Vícios

Os vícios a que a IN 09/2020 incorre são pontuados no texto da ACP. Para os procuradores, a normativa, entre outros aspectos, contraria o caráter originário dos direitos dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação e cria indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, em flagrante ofensa ao artigo 231, parágrafo 6º, da Constituição, cuja aplicabilidade se impõe inclusive aos territórios não demarcados. 

Também contraria a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não resistindo ao controle de convencionalidade, além de violar os princípios da publicidade e da legalidade.

A Convenção 169 da OIT também assegura que os povos indígenas interessados devem ser consultados previamente, de forma livre e informada, todas as vezes que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente, o que não ocorreu no caso em tela.

Outro apontamento feito na ação é que a IN 09/2020 representa retrocesso na proteção socioambiental, incentivando a grilagem de terras e os conflitos fundiários, fatos estes que aumentam sensivelmente a vulnerabilidade dos povos indígenas nesse momento de crise sanitária em razão da pandemia da covid-19. Além disso, também “(...) configura comportamento contraditório, vedado pela tutela da confiança e pelo dever de boa-fé”.

Riscos e prejuízos decorrentes da IN 09/2020

O estado de Mato Grosso já está correndo significativos riscos socioambientais com a publicação da IN 09/2020, devido ao expressivo número de terras indígenas existentes em seu território e que, com a nova normativa, estarão ainda mais desprotegidas e vulneráveis a grilagem, exploração de recursos naturais, conflitos fundiários e danos socioambientais.

Uma nota técnica elaborada conjuntamente pelo Instituto Centro de Vida (ICV), pela Operação Amazônia Nativa (Opan), pela Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) e pela International Rivers, aponta que existem atualmente, em Mato Grosso, 116 territórios indígenas em todas as fases de regularização, incluindo as 29 terras reivindicadas, ou seja, aquelas requeridas pelos indígenas, mas que ainda não tiveram os estudos de reconhecimento iniciados.

“Vê-se, portanto, que, só no estado de Mato Grosso, com a aplicação da IN/Funai/N.9, mais de 2.400.000ha de territórios tradicionais deixarão de ser considerados terra indígena, sendo retirados do Sigef e ocultados do sistema de gestão fundiária. Proprietários de imóveis rurais que estiverem sobrepostos com todo esse território indígena, que, vale dizer, é bem imóvel da União, poderão obter declarações do Sigef sem essa informação, criando um incomensurável risco não só para os indígenas e para o meio ambiente, como, também, para os negócios jurídicos que envolvam tais bens”, ressalta o MPF no bojo da ACP.

Pedidos do MPF - Por meio da ACP, além do que já foi exposto acima, o MPF requer, também, que a Funai considere, na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites, além das terras indígenas homologadas, terras dominiais indígenas plenamente regularizadas e reservas indígenas, as terras indígenas do estado de Mato Grosso em processo de demarcação sob pena de multa de R$ 500 mil por ato contrário à decisão.

O Incra também deverá levar em consideração, no procedimento de análise de sobreposição realizada pelos servidores credenciados no Sigef, as terras indígenas do estado de Mato Grosso em processo de demarcação, nas situações indicadas pelo MPF, sob pena de multa no valor de R$ 500 mil por procedimento. E, como gestor do Sigef, o Incra deverá providenciar, no prazo de 24 horas, os meios técnicos necessários para o imediato cumprimento da decisão judicial, com pena de multa diária de R$ 100 mil. Atribui-se à causa o valor de R$1 milhão.
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