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“A comunidade LGBT não pode mais esperar”, diz advogado sobre criminalização da homofobia

Da Redação - Vinicius Mendes

O Supremo Tribunal Federal (STF) retornou, nesta quinta-feira (23), o julgamento sobre a criminalização de condutas discriminatórias contra a comunidade LGBT, enquadrando-as como crime de racismo. Até o momento, seis dos 11 ministros votaram pelo enquadramento.
 
O julgamento ainda não foi finalizado, tem previsão de retorno para o próximo dia 5 de junho. Mas as entidades e defensores dos direitos LGBT comemoraram a decisão. O presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB Mato Grosso, o advogado Nelson Freitas, acredita que os cinco votos restantes serão no mesmo sentido. Ele afirmou que a comunidade LGBT necessita de medidas deste tipo e não de projetos de lei como o que tramita no Senado, que prevê a criminalização da homofobia, mas abre exceção para manifestações em templos religiosos.
 
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O julgamento do STF foi iniciado no último mês de fevereiro, mas acabo sendo suspenso, já com quatro votos a favor do enquadramento de homofobia e transfobia como crime de racismo. Nesta quinta-feira (23) a pauta voltou a julgamento, tendo mais dois ministros votando a favor, formando maioria. O julgamento deve ser concluído após o voto dos cinco ministros restantes.
 
A iniciativa do STF veio em decorrência da omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema. Na última quarta-feira (22) Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou  um projeto que criminaliza a homofobia, mas com uma determinação de que a regra não vale para templos religiosos.
 
Por causa da tramitação do projeto o Legislativo buscou impedir a continuação do julgamento do STF, mas como ainda não houve sanção, os ministros decidiram continuar com a votação, para garantir o direito à comunidade LGBT. A medida foi comemorada por entidades e diversos integrantes da comunidade LGBT.
 
Ao Olhar Jurídico o presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-MT, o advogado Nelson Freitas, falou sobre o julgamento, fez críticas ao projeto de lei que tramita no Senado e explicou a necessidade da comunidade LGBT de políticas públicas que promovam a igualdade social.

Leia a entrevista na íntegra:
 
Olhar Jurídico - Na votação desta quinta-feira (23) o STF formou maioria para enquadrar homofobia e transfobia na lei de racismo. O julgamento ainda não foi encerrado, então na prática nada ainda foi decidido, correto?
 
Nelson Freitas - Nós já comemoramos a vitória de ontem porque já temos a maioria, então politicamente não creio que haverá mudança de votos. Eu li uma matéria que dizia que a bancada evangélica do Congresso Nacional está pedindo bom senso ao STF neste julgamento
 
Olhar Jurídico – Qual é o argumento?
 
Nelson Freitas - Houve uma manifestação no sentido de que o Congresso já estava tomando as medidas cabíveis, buscando impedir o julgamento. Os ministros, ao fundamentarem, justificaram que a mora já existe e que o fato de hoje eles resolverem legislar a respeito não apaga esta mora. E também que, diante da situação em que o país se encontra, nada garante que esta lei que começou a tramitar no Senado, aprovada na CCJ, vai ser promulgada no final, porque há um rito a ser respeitado até que a lei seja sancionada, com assinatura do presidente.
 
Olhar Jurídico – Há alguma esperança de que o projeto de lei que tramita seja sancionado?
 
Nelson Freitas - Nada garante que neste percurso esta lei será sancionada. O presidente da República, nós temos total ciência de que ele não é a favor da pauta, então isso pode representar que ele se negue a sancionar, ou que não passe na votação dentro do Senado ou na Câmara, porque ele foi aprovado só pela comissão.
 
Como muito bem foi relatado no julgamento, foi de lá [Congresso Nacional] que partiu o pedido de impeachment, por quebra de decoro dos ministros que haviam que já haviam proferido os quatro votos favoráveis nos julgamentos anteriores. Então isso demonstra que no Congresso Nacional e também no poder executivo a pauta não é bem quista, e isso causa um certo temor, tanto nos ministros quanto na comunidade LGBT que se posicionou pedindo que a votação acontecesse
 
Olhar Jurídico – O senhor acredita então que o projeto de lei foi aprovado na comissão apenas na tentativa de barrar o julgamento do STF?
 

Nelson Freitas - Existe toda uma estratégia política por trás disso, as coisas não acontecem desta forma, mas os ministros estão muito firmes no posicionamento de que realmente o STF precisa finalizar este julgamento. Porque já existe uma mora de 30 anos, desde que a Constituição Federal foi promulgada em 1988, e durante todo este tempo o Congresso Nacional se movimenta, mas propositalmente para com o andamento dos projetos. Então eles não tem interesse, eles só movimentam no momento em que o STF diz que vai se posicionar,
 
Olhar Direto – Qual é a real necessidade da comunidade LGBT por uma decisão como esta do STF?
 
Nelson Freitas - A comunidade LGBT não pode mais esperar, porque os números de discriminação e violência contra essa comunidade, contra essa minoria, como tanto se fala, só aumenta. De 2016 para 2018 nós tivemos um aumento de mais de 60% na violência contra LGBT, só de janeiro a março deste ano, esses são números aqui de Mato Grosso, nós já tivemos 30 crimes de LGBTfobia, três destes foram homicídio. E estes números tendem a ser maiores.
 
O que acontece é que, hoje, o LGBT tem medo da forma como vai ser recebido dentro da delegacia, porque ele pode chegar lá e receber mais discriminação. Há um despreparo muito grande do Poder Público em acolher o LGBT, em como tratar o LGBT, principalmente pelo que já vem sofrendo de violência e discriminação, que machuca muito. Pra se ter uma ideia, a tendência de um LGBT cometer suicídio é cinco vezes maior do que de um heterossexual.
 
Olhar Jurídico – A defensora pública Kelly Cristina, que atua no Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual (CMADS), citou, em entrevista ao Olhar Jurídico, casos de apenados LGBT que cumpriam pena na ala arco-íris, do Centro de Ressocialização da Capital, ao serem soltos cometeram suicídio, pois não souberam lidar com a discriminação...
 
Nelson Freitas - O reeducando, quando cumpre uma pena, tem uma finalidade de ressocializar. Só que o sistema penitenciário brasileiro é falido, ele não consegue cumprir esta missão. Então na hora que o reeducando cumpre a pena e sai, quem tem interesse em se ressocializar, a comunidade não recebe. Agora imagina a situação do reeducando LGBT, ele sofre uma dupla discriminação.
 
Olhar Jurídico – O senhor acredita que muitas pessoas ainda vêem a homossexualidade como uma doença?
 

Nelson Freitas - A orientação sexual é uma questão do homossexual consigo mesmo, não interfere em nada na vida do vizinho ao lado. A homossexualidade, a identidade de gênero, não são patologias, o Conselho Federal de Psicologia já afirmou. Não é uma doença para que seja tratada dessa forma, mas é assim que, culturalmente, as pessoas vêem a comunidade LGBT. É uma questão cultural. Em que pese, existe um movimento totalmente ao contrário, tentando mostrar que ser um LGBT é a coisa mais normal do mundo.
 
Olhar Jurídico – Esta discriminação também interfere nas oportunidades dadas a LGBT correto?
 
Nelson Freitas - O LGBT pra se inserir no mercado de trabalho tem uma dificuldade imensa, tirando as áreas que são mais vanguardistas. A área do direito, por exemplo, é muito conservadora, para um advogado LGBT se inserir no mercado de trabalho é uma dificuldade imensa. Nós da Comissão estamos estudando métodos para conseguir desenvolver ações de inserção do advogado LGBT no mercado de trabalho, porque é o escritório que não quer contratar, é o cliente que não quer fechar um contrato com um advogado LGBT, como se isso diminuísse a capacidade profissional daquele ser humano
 
Olhar Jurídico – O julgamento do STF trata sobre o enquadramento da homofobia e transfobia como crime de racismo. Acredita que esta é a solução?
 
Nelson Freitas - No caso eles vão equiparar, porque na Lei de racismo, o racismo tem um conceito muito mais amplo do que uma discriminação por cor. No rol da lei já tem tipificados todos os crimes que serão enquadrados como LGBTfobia.
 
Com esta decisão agora estaremos tratando de crimes contra a honra, não está sendo colocada como, por exemplo, crime de feminicídio. Nós não entramos no campo da violência física, esta discussão ainda vai ter que continuar
 
Olhar Jurídico – Já existe um movimento para tratar disso? Da violência?
 
Nelson Freitas - O projeto de lei da deputada Erika Kokay (PT-DF)  aborda a questão da violência. É inadmissível que pessoas morram em decorrência da orientação sexual. Quando a gente fala de morte por LGBTfobia, estamos falando que aquela pessoa morreu por ter uma orientação sexual ou identidade de gênero diferentes, não por latrocínio ou outro crime violento.

É inadmissível que uma sociedade que apóie o combate, a discriminação contra a mulher, contra o negro, contra intolerância religiosa, exclua um determinado grupo, porque este grupo é igual, não tem diferença.
 
Olhar Jurídico – Com a conclusão do julgamento do STF, sendo determinado o enquadramento da homofobia e transfobia como crime de racismo, como avalia qe será o reflexo disso?
 
Nelson Freitas - A lei e a pena tem um caráter pedagógico acima de tudo, então fazemos uma analogia com a lei do bafômetro, porque houve uma redução muito grande nos casos de direção sob influencia de álcool. Ainda existe quem dirija embriagado, mas houve uma queda nestes números, em razão do caráter pedagógico, porque a pessoa quando bebe, pensa duas vezes  antes de pegar no volante.
 
A gente entende que é a mesma situação com a comunidade LGBT, as pessoas vão começar a repensar antes de agir, antes de incitar ódio, antes de praticar uma violência. Isso só reafirma o espaço do LGBT na sociedade, e o respeito que ele deve ter. Nós acreditamos que os reflexos serão muito positivos, isso é senso comum dentro da comunidade LGBT, mas a luta vai continuar.
 
Olhar Jurídico – Como será a continuidade desta luta?
 
Nelson Freitas - Nós vamos sim ter que discutir políticas públicas e sociais voltadas para a inserção social da comunidade LGBT. E aí eu falo, nós lutamos pelo direito de igualdade, mas você precisa tratar de forma desigual quem já é tratado de forma desigual pela sociedade, para igualar o tratamento, então a gente está falando de equidade
 
Nós fomos colocados no lugar de minoria pela sociedade, e nós queremos ser tratados de forma igual. Eu preciso chegar ao mesmo nível de respeito e de espaço que um heterossexual tem dentro da sociedade.
 
Olhar Jurídico – Uma particularidade do projeto de lei que tramita no Senado, sobre a criminalização da homofobia, é a exceção para templos religiosos. Como senhor avalia isso?
 
Nelson Freitas - Esta exceção aos templos religiosos não é vista com bons olhos, porque hoje os maiores incitadores de ódio contra a comunidade LGBT estão nos templos religiosos. Nós entendemos que a partir do momento que uma opinião oprime alguém, não é opinião, é um crime. O fato de uma crença oprimir um determinado grupo ultrapassa o limite da liberdade de crença, já atinge o principal princípio da Constituição Federal, que é o direito à vida. E quando falamos de direito à vida não é porque a igreja manda matar ou algo assim, é porque ela coíbe, diante de suas atitudes, que esse grupo viva de forma plena a sua vida
 
Olhar Jurídico – No caso, o senhor não é contra as opiniões, correto?
 
Nelson Freitas - Eles têm o direito de achar que é pecado, todo mundo tem direito a uma opinião, mas a gente precisa ter uma tolerância. Se eles querem considerar a homossexualidade como um pecado, eles tem o direito de achar, o que eles não podem é incitar o ódio, da forma como eles incitam, que consequentemente gera toda esta discriminação e violência que a comunidade LGBT sofre. Isso ultrapassa o limite da liberdade religiosa. Então excluir os templos é excluir quem inicia a cadeia de discriminação.
 
Olhar Jurídico – Neste sentido, quem defende os direitos LGBT está mais do lado dos termos que estão sendo julgados no STF certo?
 
Nelson Freitas - Para nós não é interessante o projeto de lei. Vimos com bons olhos a questão do senado ter buscado avançar no assunto, é justo e até exemplar, mas há esta ressalva da exclusão dos templos religiosos
 
Olhar Jurídico – Como atua a Comissão da Diversidade Sexual da OAB-MT?
 
Nelson Freitas - A comissão vem com um trabalho inclusivo. Nós já somos umas das comissões que mais tem ações sendo desenvolvidas em três meses de trabalho, participamos ativamente das ações praticadas pela OAB, acabamos de fazer a semana de combate à LGBTfobia, com diversas ações. A comissão começou a desenvolver um trabalho em frentes de ações, nós temos que desenvolver um trabalho social e um trabalho institucional.
 
A instituição OAB tem um peso muito grande dentro da sociedade, então a partir do momento que uma comissão desta instituição começa a atuar perante a sociedade a visão e até o respeito a este determinado grupo começa a mudar. A OAB tem portas abertas nos três poderes, em razão do peso que representa na sociedade, então nada mais justo que uma instituição como essa atue sim na defesa deste determinado grupo, assim como já atua em defesa dos outros grupos, é o mínimo que se pode fazer.
 
Olhar Jurídico – Como é esta frente de trabalho social?
 
Nelson Freitas - Social é no sentido de agir perante à sociedade. Discutir políticas de inclusão social na sociedade, discutir e promover ações de combate à LGBTfobia, fiscalizar, como na ala arco-íris do presídio por exemplo, para saber se aquele determinado grupo vai conseguir ser inserido na sociedade, nós fizemos uma ação com eles, a ação arco-íris, como primeira ação da semana de combate à LGBTfobia, para garantir o mínimo de dignidade a eles.
 
Olhar Jurídico – E a frente de trabalho institucional?
 
Nelson Freitas - Nesta o foco é nos aproximar o advogado LGBT. Nós não temos noção de números ou estatísticas da advocacia LGBT de Mato Grosso. Não se quais são os maiores enfrentamentos deste grupo, quais são os tipos de discriminação que sofrem, quantos advogados LGBT temos no Estado de Mato Grosso, mas eu preciso saber de tudo isso. Preciso mostrar a ele que há uma instituição que está aqui para ampará-los, porque a OAB é a casa dos advogados, independente da orientação sexual ou identidade de gênero deles.
 
Só que a advocacia é conservadora, é uma profissão heteronormativa, então existe um receio muito grande, daquele advogado que prefere não se posicionar com relação à sua orientação sexual, porque não sabe qual vai ser o tratamento que irá receber. Então a partir do momento em que há uma comissão que está desenvolvendo um trabalho voltado para eles, eles se sentem amparados.
 
Olhar Jurídico – Só advogados atuam na Comissão da Diversidade Sexual?
 
Nelson Freitas - A comissão, assim como a OAB, que é uma casa da sociedade, todo cidadão tem voz dentro da instituição, então eu quero convidar, quem tiver interesse, mesmo que não seja advogado, que queira somar e tenha sensibilidade à luta da comunidade LGBT, que queira assumir um comprometimento a se juntar a nós da Comissão, para que possamos fortalecer o trabalho e as ações desenvolvidas, dando mais visibilidade para essa comunidade que tanto sofre esta opressão e essa desvalorização. Nossas reuniões acontecem toda segunda terça-feira útil do mês, às 11 horas da manhã na OAB.
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