O casal se divorcia. Os filhos, habituados ao acolhimento familiar, passam a dividir a casa com o pai. Subitamente, a relação entre os menores e a mãe esfria, a convivência diminui e os encontros se tornam raros. A mãe vira um corpo estranho e os menores, moeda de troca parental. O que está acontecendo?
Longe das soluções fáceis dos "psicólogos" de programa de auditório, a prática deve ser abordada em letras jurídicas, precisamente no Artigo 2º da Lei 12.318 de 2010:
Alienação Parental.
A prática não é crime, mas é abominável e traz consequências graves à integridade familiar e ao psicológico dos menores. E mais: "constitui abuso moral e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental", explica o advogado Fabiano Rabaneda. Ao
Olhar Jurídico, o especialista esclarece pontos importantes sobre a síndrome que silenciosamente destrói lares em todo o país.
Leia mais:
TJ ordena que juiz pare de algemar réus em audiências: 'coação ilegal' a idosos e mulheres
O que é a Alienação Parental?
Eu divido a alienação parental em dois contextos: (1) objetivo e (2) subjetivo. Como dizer que determinado ato é alienação parental? No contexto objetivo (que é seguir a letra da lei), por exemplo, a Lei 12.318/10 – que dispõe sobre a alienação parental – exemplifica como sendo alienação parental mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. É um requisito objetivo: mudou para domicilio distante – e isto é mais comum do que se imagina – é caracterizado alienação parental. Por outro lado, se tratarmos de contextos subjetivos, como por exemplo a de realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, é necessário um conjunto probatório que muitas das vezes é difícil de coletar.
Quem pode promover Alienação Parental e quem normalmente a sofre?
Eu tenho severas restrições quando alguém afirma que as mulheres são alienadoras. Isto é uma acusação desprovida de embasamento científico. Tanto o homem quanto a mulher podem promover a alienação parental. Habitualmente, quem detém maior convivência tem maiores chances da prática, afinal, o genitor que se encontra com reduzida convivência tem menos chance de submeter suas vontades. Ocorre que tenhos casos em que mesmo com esta restrição de convivência, o genitor pratica, desqualificando e dificultando o exercício da autoridade parental.
Cite um exemplo:
Uma criança que passa o final de semana com um pai extremamente permissivo, que não sabe impor limites para a criança/adolescente, ele pratica alienação parental, já que a parte que realmente educa é vista como sendo a pessoa má da relação. Uma criança ou um adolescente não consegue distinguir com plenitude o que é melhor para si, por isto existe o sistema protetivo. Imagine aquele paizão de final de semana levando o filho no burgão.... batata frita... e na casa da mãe é só brócolis.... óbvio que a criança vai preferir o pai. Quando esta preferência extrapola a razoabilidade, quando começa a interferir na relação e convivência daquele que está sendo afetado, posso dizer que há alienação parental.
Em que situações é mais comum a prática da Alienação Parental?
Sem querer, normalmente tanto o genitor ou genitora praticam de certa forma atos que possam a desqualificar o outro. Comentários do cotidiano, brigas do casal que são assistidas pelos filhos, reclamações costumeiras, tudo isto cria nos filhos um sentimento de raiva, ódio e afastamento. Imagine que numa relação saudável já existem discussões sobre isto ou aquilo. Numa relação conturbada, onde as partes se violentam de forma emocional, certamente que a incidência é maior...
Como age esse alienador?
A Lei da Alienação, seguindo exemplo de outras contemporâneas, fixou exemplos claros do que pode ser considerado alienação: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Isso tudo causa graves consequências ao menor...
Quem pratica tem que entender que ao ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
A alienação parental pode ocorrer de forma involuntária?
Sim! Muitas vezes quem pratica não sabe que está praticando, já que é tomada por um sentimento egoísta de achar que aquele outro não é qualificado o suficiente para dividir o filho. Devemos nos lembrar que uma pessoa é formada pela metade dos cromossomos de um e metade do outro. A ciência ainda não encontrou um meio de mudar isso e por isso que as escolhas devem ser feitas com responsabilidade.
A prática de alienação parental no Brasil tem aumentado ao longo dos anos?
O direito de família tem evoluído muito. Antes tínhamos um sistema patriarcal/patrimonialista. Hoje vivemos o coletivo, de inclusão, de novas tendências e busca pela felicidade como direito social. Normal que casos de alienação estejam em mais evidência, uma vez que passamos por entender as nuances destas condutas. Há muito por estudar e muito por crescer.
Avós também sofrem com a alienação parental?
Sofrem e também praticam! O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece o direito à família extensa. São aquelas pessoas fora do núcleo da família natural – composta pelo pai, mãe e irmãos. Severamente são situações que devem ser combatidas.
Advogado Fabiano Rabaneda
Quais providências legais os pais podem tomar?
Eu sempre digo que a justiça não é o fim, é o meio. Pelo meio que se conquista resultados. Primeiramente o diálogo é o melhor caminho, contando com a ajuda de profissionais multidisciplinares como os companheiros psicólogos. Se não houver a possibilidade, o judiciário tem ferramentas poderosas advindas do direito sistêmico nas oficinas de constelação familiar. Outros métodos alternativos de soluções de conflito nos ajudam muito, como a oficina de pais e os sistemas da mediação familiar. Em último caso, há sentença que aplica penalidades severas, podendo o praticante da alienação parental ser suspenso ou destituído do poder familiar.
Avós também podem acionar a justiça por alienação parental, correto?
Sim, o embasamento é legal: considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com estes.
Visitas aos pais e avós por menores (que sofrem alienação parental e eventualmente alegam não querer visitá-los) são obrigatórias? Como o juiz, MP e advogados intervém neste tipo de caso onde o menor alega “não querer ver pai ou mãe” por falta de afeto?
Crianças e adolescentes são sujeitos de direito e devem receber proteção da família, da sociedade e do estado. Substancialmente, o acompanhamento multidisciplinar busca fornecer ferramentas para que o alienado possa transpor as barreiras e retomar o convívio. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso e os advogados que trabalham cotidianamente com a matéria, até mesmo pela especialização a que se propõem, conhece dos métodos e sabem o que devem pedir ao judiciário. O foco, lembro, é a criança. Sempre.
Alienação parental é crime? Quais as conseqüências legais para quem pratica alienação parental?
Alienação em si não é crime, mas é crime a injúria, a calúnia, a denunciação caluniosa – que é mover um processo sabendo não ter crime só para afastar o convívio da parte. Lutamos todos os dias para que pontes sejam construídas e que a parte que pratica a alienação parental possa reconhecer que está prejudicando a criança/adolescente. Inevitável é seguirmos para uma sentença de mérito, quando os métodos alternativos não produzem efeitos.
O que então acontece?
Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental, esta última, pode culminar pela destituição do poder familiar em caso de risco.
O menor (ao cabo do processo) pode pedir acompanhamento psicológico à Justiça ou ao Estado no geral? Quais os direitos de quem sofre alienação?
Dos clientes que atendemos, este acompanhamento é sugerido desde o primeiro atendimento. Não é atribuição do advogado ou do promotor interferências psicossociais nas partes. O encaminhamento é feito para que os profissionais multidisciplinares possam conduzir a minimização dos danos e correções necessárias para retomar o convívio. O poder judiciário dispõe de profissionais gabaritados, através dos núcleos psicossociais, de forma gratuita e com eficácia comprovada no atendimento à população.