Enquanto aliados do presidente Michel Temer (PMDB) avançam no Congresso sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, que prevê a reforma da previdência, populares tomam as ruas no país e o debate é posto à mesa: afinal, é inevitável que o trabalhador pague por uma suposta crise econômica? As mudanças são profundas: idade mínima para aposentadoria a partir dos 65 anos, sendo 49 anos de tempo de contribuição; igualdade entre homens e mulheres, trabalhadores do campo e da cidade e o fim da aposentadoria especial de professores e policiais militares. Nada parece tão grave, afinal, em Brasília a PEC tem fluído com rapidez, sendo prevista aprovação até em junho deste ano. Na televisão, é vendida como remédio amargo para uma conta que não fecha. O empresariado, enquanto isso, se cala.
Para o especialista Jonas Albert Schmidt, a PEC é uma “fraude” e tira nas costas dos poderosos, que somente em Mato Grosso sonegam milhões ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a responsabilidade por uma crise financeira forjada por cálculos manipulados.
Schmidt advoga desde 2003. Antes atuou como funcionário público no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e dedica-se há 14 anos à previdência pública. Fez mestrado na área na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com temporada em Coimbra, Portugal, e desde 2015 compõe a Comissão do Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT), onde assumiu, no ano passado, a vice-presidência. Ele conversou com
Olhar Jurídico e explicou detalhadamente os problemas apresentados por este projeto. A primeira parte desta entrevista você
confere aqui.
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“A reforma da previdência é a sentença de morte do trabalhador, o desmonte dos direitos sociais. A OAB-MT é a defensora da cidadania e é o momento de divulgar em prol do trabalhador brasileiro, encabeçamos a ideia, pois vemos que, da forma como o governo quer impor (a reforma) não pode ser. Em nosso debate temos grupos de vários segmentos sociais, representantes de todas as classes, magistrados, professores, trabalhadores de siderúrgicas, enfim. Criamos uma frente para criar essa emenda substitutiva (à proposta pelo Estado hoje)”.
E a atual configuração do Congresso?
“Fiquei preocupado com Rodrigo Maia quando ele ganhou a eleição para presidência da Câmara, dizendo que quer um congresso reformista. Isso não é bom para o trabalhador, pois quando se fala em congresso reformista subentende-se um congresso que irá aceitar a reforma como está. Infelizmente o governo tem maioria para aprovar isso”.
Então a reforma da previdência será aprovada?
“A reforma será aprovada, espero apenas que não seja da forma como esperam, do jeito que está. Espero que todas as entidades e a OAB-MT consigam evitar”.
O que resta fazer?
“Pois é, tenho até uma teoria sobre isso. Porque que o Brasil recebe as reformas da previdência de forma tão passiva? Veja que desde 1998 não tivemos grandes manifestações. A previdência é uma coisa tão distante de nossa cultura e realidade. As pessoas pensam: ‘ah, eu não vou me aposentar hoje, não preciso me preocupar com previdência’ e quem já aposentou pensa: ‘ah, já estou aposentado mesmo...tanto faz’. O Brasil não passou por grandes calamidades ou guerras, nada que justifique nos preocuparmos com o dia de amanhã. O brasileiro nesse ponto é um pouco imediatista. Não temos esta cultura previdenciária, cultura de pensar a previdência, pensar o futuro, a velhice, a inatividade. Parece algo tão distante, mas não é. Por isso não vemos clamor social sobre essa pauta”.
E a imprensa?
“A grande mídia comprou a ideia do déficit. Ora, basta você fazer uma pesquisa no fluxograma de caixa do INSS que você descobre que esse déficit é questionável, pois você tem uma arrecadação de valor tal, um chamado ‘gasto’ no valor tal e há uma sobra ali. Porque a grande mídia comprou essa ideia? Porque é uma questão ideológica. Você convence a população a aceitar uma reformar dessas, pois, se você sai na rua e procura um trabalhador e perguntar se você é a favor da reforma ele diz: ‘sim, pois se não, não darão conta de pagar o benefício’. Isso já está implementado na consciência deles, a ideia de que existe uma crise e que se não houver reforma, não haverá previdência. A ideia jogada nas pessoas foi essa. Crise financeira, somada à ‘crise no sistema’, o déficit, aí você cria o terror e diz: ‘se você não fizer isto, não terá aposentadoria’. É uma formula simples de se convencer. Mas imagina se jogássemos os verdadeiros dados da previdência na grande mídia e mostrássemos que 30% do arrecadado o governo desvincula para usar no que bem entender, que o governo não cobra dívidas milionárias, que existem isenções fiscais bilionárias neste páis. O trabalhador se questionaria: ‘porque eu quem devo pagar essa conta? Porque o grande empresário não paga?’.
Fale mais sobre isso:
“Ora, só em Mato Grosso temos empresas que devem milhões para o INSS, milhões! Não estou falando de pequeno empresário, dono de mercadinho, estou falando de grandes empresários, grandes corporações, que sonegam, que não pagam. É muito comum na sociedade brasileira o patrão pagar 'tanto', mas na carteira de trabalho constar menos, as pessoas não tem noção disso. Ela pensa: ‘ah, minha carteira consta R$ 1.500,00 mas eu ganho R$ 5 mil’. Ah, interessante! Não paga imposto de renda, mas também vai se aposentar com este pouco que está contribuindo, por causa do seu patrão que não quer pagar o valor total lá. É uma mudança cultural. É uma questão calamitosa...”.
E quando a questão da previdência deverá se encerrar?
“A ideia é aprovar a PEC até junho. É uma reforma feita a toque de caixa, imagina. Mudar a vida de toda a sociedade de uma hora para outra. Claro, isso porque a partir do segundo semestre vamos começar a falar em campanha eleitoral 2018, aí esqueça o debate...”.
O governo Temer está promovendo uma fraude?
“É uma fraude, não deixa de ser. Vamos falar o bom português, é uma fraude, não eleitoral, mas trata-se de um discurso fraudulento, para convencer. Imagina se mostrássemos à população que a previdência não precisaria ser mudada da forma como está sendo se o governo fosse para outro lado, cobrasse de quem deve, parasse de desvincular 30% da receita. Pense, se apenas os grandes empresários pagassem o que devem, nem mesmo a Desvinculação de Receitas da União (DRU) seria tão impactante. Enfim, não é o trabalhador quem deve pagar essa conta, não é mesmo!”, encerra.
Manifestações:
O último dia 15 de março foi marcado por manifestações em todo o Brasil. Em Cuiabá, além de uma passeata que reuniu estudantes, trabalhadores, sindicatos e sindicatos sociais, Agências bancárias na região central de Cuiabá abriram suas portas com duas horas de "atraso". O atendimento ao público se iniciou apenas às 13h, visto a adesão dos bancários da Capital mato-grossense ao Dia Nacional de Paralisação Contra as Reformas da Previdência e Trabalhista. Em Brasília, milhares se reuniram às ruas e no Congresso, incluindo representantes do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE) e da OAB-MT.