Imprimir

Notícias / Entrevista da Semana

Corregedor acredita que PEC 505 é aberração jurídica e pode criar juízes de ladrões de galinha

Da Redação - Katiana Pereira

O corregedor-geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargador Sebastião de Moraes Filho, teceu críticas à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 505/2012, que prevê o fim da aposentadoria obrigatória para magistrados em conflito com a lei.

Em entrevista ao Olhar Jurídico, o corregedor afirmou que a proposta nada mais é que “chover no molhado” e um fruto do julgamento do Mensalão.

Moraes acredita ainda que a matéria, considerada por ele uma aberração jurídica, pode interferir psicologicamente nos magistrados, ou torná-los meros juízes de “ladrões de galinha”. O corregedor crê ainda que a PEC deve ser rejeitada.

Outro ponto polêmico levantado na entrevista é a precariedade das unidades prisionais de Mato Grosso. Fator que de acordo com o corregedor transforma as instituições em uma “universidade do crime”. “Tenho dados que mostram que 87% dos nossos ‘reeducandos’ - e coloque esse nome em aspas - voltam a cometer crime porque não recebem um tratamento digno, adequado”, enfatizou.

“Mato Grosso está descumprindo tratados internacionais. A Justiça e o Ministério Público devem falar a mesma língua para resolver esta situação”, pontuou o corregedor.

Confira os principais trechos da entrevista.

Olhar Jurídico: A Câmara Federal pode aprovar A PEC 505/2012, que tem como objetivo abolir a aposentadoria compulsória para aqueles magistrados  que praticam desvios de conduta e crimes dentro da magistratura. Como o senhor avalia essa proposta?

Corregedor Sebastião Moraes: “Isso é chover no molhado. Já existe isso. Há um equívoco fora de série nessa proposta. O juiz apenas não pode perder a função de forma administrativa, mas se ele fizer algo errado, se estiver contra a lei, se tiver ação penal contra o juiz, existe a pena principal, que é uma condenação a reclusão e a outra é a perda do cargo público. Apenas querem regulamentar uma pena que já existe. Estão tentado regulamentar de uma forma administrativa. E eu sou totalmente contra”.

Olhar Jurídico: Porque o senhor é contra a proposta?

Corregedor Sebastião Moraes
: “Sou contra porque isso viola a independência do juiz. Juiz que poder ser aposentado de forma administrativa perde a celeridade para julgar, porque sua cabeça já está a prêmio, quando for julgar casos importantes que envolvem inúmeras pessoas, pessoas importantes, influentes. Isso nada mais é que um fruto do ‘Julgamento do Mensalão’. Muitas de nossas leis são casuísticas. Entendo que a pretensão dessa também é. Mas com certeza essa lei não será aprovada. Não acredito na aprovação de tamanha aberração jurídica”.

Olhar Jurídico: O senhor acredita que a PEC 505/2012, se aprovada, poderá interferir nas decisões dos magistrados?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“A vitaliciedade do magistrado é a pilastra mestra para que ele tenha independência pessoal e possa julgar de acordo com o seu convencimento, independente da importância do julgamento e da parte, se ela é mais ou menos importante no contexto social. Aprovando essa PEC, vamos transformar os magistrados em juízes de ladrões de galinha. Isso pode interferir de forma psicológica na atuação dos magistrados. O magistrado que estiver com julgamentos de envolvem grandes cultos econômicos e que envolve determinada pessoa influente, psicologicamente ele já vai se sentir ameaçado, e a decisão muitas vezes deixará de ser o que ele realmente entende e iria decidir. Vai afetar sim no livre entendimento do juiz”. 

Olhar Jurídico: O conselheiro do TCE Antonio Joaquim divulgou uma nota dizendo que a juíza Célia Regina Vidotti não possui competência para julgá-lo. Uma vez que uma decisão deste porte exige foro qualificado por prerrogativa de função pública, conforme determina a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN, artigos 26 e 27), que também se aplica aos conselheiros. Qual a opinião do corregedor nesse caso?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Eu não posso comentar sobre a decisão da juíza, se está certa outra está errada. Eu digo que respeito profundamente o posicionamento de cada magistrado. Até porque, o que pode ser hoje de uma forma, a jurisprudência pode entender mais pra frente de outra forma. A  justiça não é petrificada, que é sempre da mesma maneira.

Olhar Jurídico: Qual o posicionamento da Corregedoria do Tribunal neste caso?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“A juíza tem sim o direito e o dever de julgar com o seu livre convencimento. E isso está previsto no artigo 131 do Código Penal, que reza sobre o livre convencimento do magistrado, desde que dê as suas razões de decidir. E por isso a decisão da magistrada deve ser respeitada e não contestada pela imprensa e nem contestada de outra forma. Não pode haver uma forma de recurso feito pela imprensa. Compete àquele que viu o seu direito lesado, que viu um desacerto na decisão da magistrada, ingressar com recurso no órgão competente. Por isso que a Constituição Federal também prevê o principio do contraditório, da ampla defesa e todos os recursos necessários. Se o ilustre conselheiro se sentiu prejudicado com a decisão da juíza, tem ele sim o direito de se defender. Mas para isso deve requerer os recursos necessários no Tribunal de Justiça. Ate que tenha o posicionamento final do SupremoTribunal Federal. Mas criticar decisão de juiz esse corregedor não faz. Respeito a cultura, a dignidade e a independência de todos os juízes desse Estado”.

Olhar Jurídico: Qual o papel atual da Corregedoria?

Corregedor Sebastião de Moraes:
Fazemos o que determina o nosso regimento interno. Temos que fiscalizar os juízes; a prestação judicial; o andamento dos processos; e eventualmente apurar alguma denúncia de falhas, possivelmente cometidas pelos magistrados. Recebemos as denúncias, se for o caso de arquivar fazemos isso. Se tiver que dar prosseguimento, nós continuamos com a investigação.

Olhar Jurídico: O senhor entende que corregedorias que focam na punição estão equivocadas?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Respeito o posicionamento todos os meus antecessores. Cada cabeça, uma sentença e todos que passaram antes de mim são pessoas dignas, corretas. Pessoas que têm muito mais cultura do que eu. Mas entendo que a Corregedoria de Justiça, antes de ser um órgão punitivo, deve ser um órgão de consulta, aprimoramento para magistrados novos. Entendo que o corregedor deve ser o 'paizão' dos juízes e [deve] dar um puxão de orelha, aplicando as sanções quando necessário”.

Olhar Jurídico: Quantas reclamações a Corregedoria recebe?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Estamos recebendo poucas reclamações. Eu conclamei com a OAB para que os advogados se sensibilizassem e parassem que procurar a corregedoria para reclamar de tudo, pois os magistrados têm coisas mais importantes para fazer. Além do mais, não podem usar a corregedoria como se fosse um órgão recursal. Aqui não é o lugar discutir se decisão judicial está certa ou errada. A corregedoria não entra no enfoque jurisdicional e sim no enfoque meramente administrativo.

Olhar Jurídico: Como os advogados devem proceder então com as reclamações?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Se é problema judicial, se resolve com recurso judicial. Para isso nós temos as câmaras cíveis, câmaras criminais, tribunal pleno e câmaras reunidas. É aí que os recursos devem cair e não na corregedoria. Muitos advogados desavisados ou até incompetentes, podemos assim dizer, vêm até a corregedoria dizendo que determinados juízes cometeram injustiças. Ora... injustiça, resolvemos com Justiça. E não é a corregedoria que se faz a Justiça. Justiça é feita com decisões judiciais. Através dos órgãos competentes desse tribunal.

Olhar Jurídico: Como funciona a fiscalização extrajudicial?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Existe essa fiscalização e nós temos o departamento competente para isso. Todos os anos nós fazemos a fiscalização de cartório. Só que o corregedor dos cartórios não é o corregedor do Tribunal. O corregedor nato dos cartórios são os diretores dos Fóruns. São eles que fazem a verificação extrajudicial. Nós apenas funcionamos como um órgão recursal. O que o diretor decidir, compete a parte reclamada recorrer à Corregedoria de Justiça. Eu não posso ir aos cartórios e fiscalizar. Apesar de ser de uma escala superior isso seria usurpação do poder do órgão competente.

Olhar Jurídico: O senhor entende que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) invade a competência dos tribunais de origem ao avocar os procedimentos contra juízes, ao invés de esperar o tribunal decidir?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Desde que previsto no regimento interno do CNJ, e esse regimento foi aprovado, então eles estão dentro do princípio da legalidade e nesse caso eu não posso ir contra a legalidade, uma vez que eu também sou legalista.

Olhar Jurídico: Sobre a interferência do CNJ em relação à situação do deputado estadual José Riva (PSD), considerando que há suspeição sobre os magistrados que atuaram nos processos contra o parlamentar. Qual o posicionamento da corregedoria sobre a questão?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Não existe nenhuma suspeita contra os magistrados, eles são livres para julgarem de acordo com o seu convencimento e com as provas dos autos. Desde que tenham as razões pelo qual decidir. Ao deputado José Riva deve sim ser dado o contraditório, a ampla defesa, os recursos necessários, até porque ninguém pode ser condenado sem o trânsito de julgado da sentença.

Olhar Jurídico: Até onde deve ir os recursos impetrados?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Até que esse processo chegue a última instância e esgote o último recurso, todo réu é considerado inocente. Ele tem sim o direito de ingressar com exceção de suspeição, se perceber que algum juiz não está se portando de forma adequada, sendo parcial e não dando oportunidade de defesa. Está assegurado o pedido de suspeição para que, se necessário, seja afastado esse magistrado e o processo deve ser julgado por um substitutivo legal. É o principio de que ninguém pode ser julgado sem o direito legítimo de defesa. De outro modo seria um tribunal de exceção. Esse direito se chama incidente processual de suspeição”.

Olhar Jurídico: O que acontece quando existe um pedido de suspeição sobre algum magistrado? 

Corregedor Sebastião de Moraes:
“O incidente para suspeição de magistrado trava o processo até que esse incidente seja julgado e determinado se esse processo continua com esse juiz ou será nomeado outro. Essa é uma questão constitucional também. Se essa questão for violada, fere outro principio constitucional, o principio de juiz natural. Acontece assim: se o processo foi distribuído para aquele juiz, é aquele juiz que deve julgar. Se afastado por suspeição, só depois de nomeado outro juiz o processo volta a andar. E não é só reclamar do juiz e pronto, senão seria muito fácil e iriam viver escolhendo juiz”.

Olhar Jurídico: Temos percebido uma grande atuação do senhor em ações que visam melhorar o sistema carcerário no Estado. Pode falar um pouco sobre esse assunto?

Corregedor Sebastião de Mores:
Está na minha competência essa situação. Não tenho nenhum constrangimento em dizer que as nossas prisões violam tratados internacionais. Lamentavelmente os presos são chamados de ‘reeducandos’. Acontece que esse sistema não reeduca nada. Lá [nas instituições prisionais] simplesmente deve ser anotado como uma universidade do crime. O cidadão que entra é preso hoje dificilmente vai sair recuperado”.

Olhar Jurídico: Quais os números dessa situação?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Eu tenho dados que mostram, que 87% dos nossos reeducandos voltam a cometer crimes. Voltam porque não recebem tratamento digno, nem material, nem psicológico e muito menos médico. A alimentação também não é adequada. Tem situações em que para se dormir nos presídios é preciso que dez fiquem em pé, para que outros dez possam dormir. Tem que fazer revezamento”.

Olhar Jurídico: Os sobre os trabalhos para os reeducandos?

Corregedor Sebastião de Moraes:
“Reeducando não é só pra ficar segregado. Ele tem sim que exercer as atividades laborais, até porque mente desocupada é oficina do diabo. Já pensou um preso que não faz nada ele vai pensar em que? Só em cometer mais crimes, em se vingar... Ao contrario de nós, em países de primeiro mundo apenas 6% voltam a cometer crimes. Então devemos também dar um tratamento religioso, ecumênico para essas pessoas. Sei de tudo isso e sei do sofrimento desses presos. O preso também tem dignidade , que deve ser respeitada. E o Estado é responsável por isso. Pensam que preso não dá voto, realmente ele não vota. Mas, as suas famílias sim!”.

Olhar Jurídico: O senhor  instituiu no âmbito das unidades prisionais do Estado o programa “Remição pela Leitura na Prisão”. Fale um pouco sobre esse projeto:

Corregedor Sebastião de Moraes: O projeto atende ao disposto na Lei de Execuções Penais no que se refere à assistência educacional aos reeducandos custodiados nas respectivas unidades. A assistência educacional é um dos alicerces para a reinserção dos reeducandos na sociedade, sendo dever do Estado propiciar condições de desenvolvimento intelectual no sistema carcerário. A Lei de Execução Penal, em seu artigo 11, estabelece uma série de medidas assistenciais destinadas a recuperar o condenado para devolvê-lo à sociedade em perfeitas condições de convivência".
Imprimir