A Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) iniciou a varredura nos aparelhos eletrônicos e dados da produtora rural Julinere Bentos, acusada de ser a mandante, ao lado do marido Cesar Sechi, do assassinato do advogado Renato Nery, executado a tiros em julho de 2024 em Cuiabá. Autoridade policial concluiu que, no ano passado, ela teria movimentado R$ 70 milhões nas suas contas bancárias, bem como realizado transferências expressivas ao policial militar Jackson Pereira Barbosa, que teria intermediado o crime e comprado uma Mercedes-Benz com o dinheiro da trama.
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A quebra no sigilo dos dados dos envolvidos é fundamental para desvendar todas as motivações do crime. A principal hipótese até o momento é que Julinere e Cesar perderam uma disputa judicial para Nery, referente a terras em Novo São Joaquim, avaliadas em mais de R$ 30 milhões. O casal está preso desde maio deste ano.
De acordo com a apuração do
Olhar Jurídico, a varredura, que ainda não foi concluída e nem encaminhada às ações penais sobre o caso, identificou que Julinere transferiu valores para Jackson Pereira Barbosa na época da execução.
Preso desde abril, Jackson é acusado de ser o responsável por estabelecer a ponte entre o casal e os executores, o também militar Heron Teixeira e seu caseiro, Alex Queiroz – ambos encarcerados e já pronunciados ao júri pelo assassinato.
Em março de 2024, meses antes do assassinato, Jackson comprou uma Hilux e uma Mercedes-Benz. Nesses veículos, segundo as investigações, ele teria se encontrado com Heron para estabelecer os planos da execução. Dias após comprar a Mercedes, a polícia identificou que ele recebeu R$ 15 mil de Julinere.
Ainda de acordo com quebra de sigilo, Julinere teria movimentado R$ 70 milhões em suas contas. O montante significativo levantou suspeitas na investigação, uma vez que não condiz com a capacidade declarada da produtora e levanta a hipótese de lavagem de dinheiro em torno do assassinato.
O Ministério Público (MPE) aponta que o assassinato do advogado se organizou em quatro núcleos de operação: comando, intermediação, operacional e de obstrução.
Segundo os promotores da denúncia, o casal mandante integra o “núcleo de comando”, que agiu contrariado pela vitória de Nery na briga judicial por terras de valores milionários, situadas em Novo São Joaquim.
A motivação, conforme as provas colhidas pelas investigações, e segundo os promotores, seria de fato a disputa por mais de 800 hectares avaliados em mais de R$ 30 milhões. Após mais de 20 anos de litígio, Nery obteve êxito na ação judicial, o que culminou no inconformismo por parte de Julinere e Cesar, os quais alegam veementemente que o advogado lhes tomou as terras.
Em junho, em depoimento informal junto ao delegado que presidiu as investigações, Julinere chegou a confessar a autoria do homicídio por não aguentar mais ouvir Cesar reclamar que Nery havia “tomado suas terras”. Em outras ocasiões, ela também externava a indignação contra Nery e a animosidade que tinha contra ele, chegando, inclusive, a ameaça-lo de morte. Em sede judicial, porém, ela voltou atrás e negou a confissão.
Cesar Jorge Sechi também desempenhou papel crucial na função de mentor intelectual do crime, viabilizando o dinheiro para a empreitada. Segundo as investigações, foi Cesar que pagou R$ 200 mil ao militar Jackson Barbosa, que atuou como intermediário entre o casal e o núcleo executor – liderado pelo também policial e agente da Rotam, Heron Teixeira.
Após o assassinato de Renato Gomes Nery, em outubro, Jackson afirmou que ainda não havia recebido o pagamento de Cesar para repassar a Heron e Alex Queiroz (responsável por puxar o gatilho). Diante disso, Jackson fez uma nota de cobrança à Cesar, a qual seria entregue a ele por Heron. Na carta estava a solicitação do pagamento dos R$ 200 mil via PIX.
Heron acondicionou o bilhete em envelope com a seguinte identificação: "aos cuidados de Cesar Jorge Sechi" e o entregou na portaria do condomínio residencial onde Cesar morava, o que, segundo acusação, demonstrou cabalmente o conhecimento e a autoria de Sechi no crime.
Responsável por estabelecer a ponte entre os mandates e o executor, o agente da Rotam Heron Teixeira Pena Vieira lidera o Núcleo de Intermediação e segue preso. Foi ele que, segundo a denúncia, negociou valores, repassou ordens e garantiu que as determinações do casal fossem cumpridas.
Heron teria atuado junto com terceiros, recebendo a encomenda em dinheiro do homicídio para contratar o executor e proceder com as ações de monitoramento e providenciando os meios materiais, como o esconderijo, a arma e a motocicleta. Foi na sua chácara, em Várzea Grande, que os envolvidos instalaram o “QG” do assassinato.
Contratado por Heron para ser o caseiro da chácara, o civil Alex Roberto de Queiroz Silva integraria o Núcleo Operacional, sendo ele o encarregado por monitorar e efetivar o homicídio, disparando a rajada de tiros 9mm que ceifou a vida de Nery. Queiroz confessou a execução e segue preso. Ele e Heron já foram pronunciados ao Tribunal do Júri.
Por fim, para escamotear os reais envolvidos na execução e embaraçar as investigações, quatro militares denunciados integram o núcleo de obstrução. Eles são acusados de serem os responsáveis pela ocultação posterior da arma do crime mediante sua inserção em contexto forjado, e por outras ações destinadas a dificultar as investigações.