A desembargadora Marilsen Addario, do Tribunal de Justiça (TJMT), manteve o afastamento do ex-prefeito de Sorriso Dilceu Rossato da administração dos grupos Safras e Randon. A ordem se estende à família de Rossato e seu sócio, Pedro Moraes Filho. Em decisão proferida no último dia 14, a magistrada constatou os mesmos indícios de confusão patrimonial e desvios de recursos para negar pedido de reconsideração feito pelo clã Rossato, que buscava atuar em modelo de cogestão nas recuperações judiciais dos grupos.
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No mês passado, a desembargadora havia determinado o afastamento imediato dos administradores e sócios controladores e a nomeação de um interventor judicial, devido a indícios de confusão patrimonial e possíveis desvios de recursos.
O clã Rossato solicitou a reconsideração da medida, alegando a necessidade de assinatura do termo de compromisso pelo interventor, a comprovação de sua capacidade técnica para o agronegócio e a adoção de um modelo de cogestão com a nomeação de um observador judicial (watchdog).
Examinando o pleito, contudo, Marilsen decidiu concedê-lo em partes: manteve o afastamento dos administradores, mas deferiu o pedido para que o interventor assine o termo de compromisso em dez dias, esclarecendo que a capacidade técnica será avaliada no plano de trabalho.
Confusão patrimonial, divórcio forjado e terras milionárias a preço de banana
No dia 4 de setembro, diante da constatação de que o ex-prefeito de Sorriso Dilceu Rossato e sua família estariam dissolvendo o patrimônio do Grupo Safras e do Grupo Randon, ambos em recuperação judicial para tentar renegociar dívidas bilionárias, a desembargadora Marilsen decidiu afastá-los, bem como decretou a indisponibilidade dos respectivos bens.
Desde que entrou em recuperação judicial, em abril deste ano, o Grupo Safras entrou em meio a uma série de problemas para renegociar o passivo de R$ 1.7 bilhão – principalmente ações dos credores que acusavam o conglomerado de não cumprir diversas obrigações contratuais. Agora, a acusação é bem mais grave e evidencia possível rede de ocultação e desvios supostamente arquitetada por Rossato e o clã ligado a ele.
Dentre as principais acusações examinadas pela desembargadora está a informação de que o clã passou a buscar formas de se livrar de quitar o passivo bilionário incluído na recuperação. A integralização patrimonial entre os envolvidos chamou atenção da magistrada, uma vez que foram apresentadas informações significativamente discrepantes sobre os bens.
A Bertuol Indústria de Fertilizantes, responsável pelo recurso que pede a derrubada das recuperações, apresentou documentos que, em novembro de 2023, Dilceu e Cátia, e seus dois filhos, constituíram a sociedade empresária limitada Agro Rossato Ltda, ocasião em que fora integralizada ao capital social de cinco fazendas (Fazenda Joia, Fazenda Carol, Fazenda Carol, Fazenda Carol, Fazenda Rio do Mel) e dois imóveis urbanos, totalizando 4.172,329 hectares de área rural e 4.000 metros quadrados de área urbana.
Contudo, conforme laudo de avaliação realizado por Oficial de Justiça, apenas a Fazenda Joia foi avaliada em R$ 86 milhões, ao passo que, na integralização, a mesma propriedade foi avaliada em apenas R$ 70 mil. Para a desembargadora, essa manobra representa situação de “extrema gravidade, com fortes indícios de ocultação e fraude”, o que pode culminar em sérios prejuízos aos credores.
Somando o total de todas as fazendas, a perícia chegou ao valor de R$ 433 milhões, o dobro do que Dilceu e Cátia atribuíram na escritura do divórcio forjado, em R$ 288,6 milhões.
O divórcio “fake” foi constatado a partir das declarações à Receita Federal e a integralização das empresas. A separação foi formalizada em agosto de 2024 e, mesmo assim, declararam no imposto de renda a exploração conjunta das fazendas, bem como firmaram contrato de composse rural em janeiro de 2024, compareceram juntos à hipoteca da Fazenda Rio do Mel em fevereiro e assinaram, em agosto, opção de venda de participações do Núcleo Safras em favor do Núcleo Artesanal-Flow.
Diante da situação, a magistrada então resolveu pelo afastamento do clã das administrações. A medida foi tomada após análise de documentos que apontam indícios de que Rossato, Pedro e a família constituíram o fundo de investimento Bravano FIDC, exatamente para receber de volta os valores que deveriam ser quitados aos credores, uma vez que seus principais acionistas são Dilceu e Pedro.
Ainda conforme o processo, o Bravano teria adquirido títulos do Grupo Safras com deságio expressivo. Além disso, o fundo ajuizou execuções extraconcursais contra a própria Safras e deliberou sua liquidação antecipada, transferindo créditos e garantias aos cotistas — os mesmos que controlam, ao mesmo tempo, as empresas devedoras.
O processo ainda questiona a legalidade da separação patrimonial entre os grupos Safras e Randon. Documentos apresentados indicam que sócios Dilceu e Pedro, ligado às empresas, declararam participações de R$ 25 milhões e R$ 25,13 milhões, respectivamente, no Bravano FIDC sem comprovação da origem dos recursos.
A transferência de valores significativos para contas pessoais de membros da família Randon Rossato, posteriormente utilizados no pagamento de despesas do Grupo Safras, também foi examinado pela magistrada. Essa movimentação levantou dúvidas sobre a alegada autonomia entre os grupos empresariais, sobretudo porque o real patrimônio que deveria ser renegociado foi completamente dissolvido para, posteriormente, ser devolvido ao clã familiar.
Além da Fazenda Joia, também foram transferidas para a Agro Rossato a Fazenda Rio do Mel, a Fazenda Tropical, a Fazenda Laranjal e a Fazenda Carol, todas situadas em Mato Grosso. Em fevereiro de 2024, a Fazenda Rio do Mel foi dada em garantia hipotecária no valor de R$ 64 milhões para cobrir dívidas das empresas Safras Armazéns Gerais, Safras Agroindústria, Safras Indústria e Comércio de Biocombustíveis e RD Comércio e Representações. Para a magistrada, essas operações revelam confusão patrimonial entre os grupos e contradizem a alegação de independência entre eles, os quais apontaram que teriam se divorciado.
A decisão também destacou movimentações financeiras que reforçam a suspeita de ausência de separação entre os grupos. Extratos bancários indicam que valores contratuais de R$ 3,43 milhões da Engelhart CTP foram transferidos para a conta pessoal de Caroline Randon Rossato, filha de Dilceu Rossato e Cátia Regina Randon. Parte desses recursos, no total de R$ 141,2 mil, foi usada para pagar a folha de salários de funcionários das empresas do Grupo Safras.
Entre as medidas cautelares, a Justiça decretou a indisponibilidade de bens e ativos das sociedades do Grupo Safras e dos empresários individuais ligados ao Núcleo Randon. Também foi determinada a expedição de ofícios ao Tribunal de Justiça de São Paulo, para suspender execuções extraconcursais em trâmite nas varas cíveis da capital paulista, e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para suspender a liquidação antecipada do Bravano FIDC.
Por fim, a desembargadora revogou a decisão que havia deferido o processamento da recuperação judicial do Núcleo Randon. A perícia já designada no processo foi mantida, mas agora ampliada para todas as empresas e pessoas físicas envolvidas, incluindo o Grupo Safras. O interventor nomeado deverá se manifestar sobre a aceitação do cargo, e seus honorários serão definidos levando em conta a complexidade do caso e a capacidade financeira das empresas em recuperação.