O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) anulou a cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), exigida pelo Município de Cuiabá, sobre a diferença entre o valor dos imóveis integralizados ao capital social da empresa e o novo valor venal arbitrado unilateralmente pelo Fisco Municipal. Em julgamento realizado no último dia 17, por unanimidade, a 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo acatou pedido feito pela Saad Melo Investimentos e Participações Ltda.
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No caso que originou a decisão, a empresa havia integralizado seis imóveis pelo valor de R$ 1,79 milhão, correspondente ao que constava na declaração de imposto de renda do sócio. O Fisco, contudo, avaliou unilateralmente os mesmos imóveis em R$ 3,64 milhões, cobrando ITBI sobre a diferença de R$ 1,85 milhão.
A decisão, proferida em recurso de apelação sob relatoria do desembargador Luiz Pereira Marques, entendeu que a prática é ilegal por violar o direito de defesa do contribuinte, ao presumir a existência de valor excedente sobre base de cálculo arbitrada exclusivamente pela Fazenda Pública, sem respaldo em regular processo administrativo, para, indevidamente, afastar a regra imunizante do ITBI sobre a transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital.
O acórdão alinhou-se ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema Repetitivo nº 1113 e fez uma distinção crucial em relação ao Tema de Repercussão Geral nº 796 do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Cindy Schossler Toyama, advogada tributarista do escritório FCS Advogados e uma das responsáveis pelo caso, a decisão favorável é a primeira do TJMT e abre um importante precedente para empresas que realizam planejamento societário e patrimonial envolvendo a integralização de imóveis.
A advogada explica a situação de forma prática. “No caso, a prefeitura ignorou o valor real usado na operação, que consta na declaração de imposto de renda do sócio integralizador, para, de forma unilateral, arbitrar um novo valor para os imóveis e lançar o ITBI sobre a diferença, alegando que a imunidade tributária não cobriria esse suposto excedente, com base em uma interpretação equivocada do Tema 796 do STF”.
A especialista detalha os argumentos técnicos que levaram à vitória. “Nossa tese provou que a situação era completamente diferente da analisada pelo STF no Tema 796, pois a totalidade do valor dos imóveis foi destinada à integralização do capital social, sem que houvesse qualquer valor excedente destinado à formação de reserva de capital. Além disso, a exigência era nula porque o município não pode arbitrar previamente uma base de cálculo com respaldo em valor de referência estabelecido unilateralmente, sem a instauração de um processo administrativo que garanta o contraditório e a ampla defesa, como já pacificou o STJ no Tema Repetitivo 1113”.
Sobre os desdobramentos, Toyama comenta: “O acórdão do TJMT, alinhado ao STJ, deixa claro que a prefeitura não pode usar um 'valor de referência' ou 'pauta fiscal' para definir a base de cálculo do ITBI de forma automática e impositiva. A decisão foi unânime, o que confere ainda mais força ao precedente e serve de alerta para outras administrações municipais que adotam essa prática ilegal”.
No nicho de planejamento patrimonial, a decisão é fundamental. “Muitas empresas, especialmente as familiares, utilizam a integralização de imóveis ao capital social como uma ferramenta lícita para organizar o patrimônio. A tese vencedora protege essas operações, pois reafirma que a imunidade de ITBI prevista na Constituição Federal é a regra nesses casos. A tributação sobre um valor 'excedente', discutida no Tema 796 do STF, só ocorre se, de fato, houver uma sobra de valor destinada à reserva de capital, o que não aconteceu neste caso, onde 100% do valor dos imóveis foi convertido em capital social”, completa a advogada.
O que as empresas devem fazer agora?
A especialista do FCS Advogados oferece conselhos práticos para as empresas que pretendem realizar operações semelhantes:
“Ao realizar a integralização de imóveis, certifique-se de que o contrato social e os registros contábeis demonstram claramente que o valor do bem foi totalmente convertido em capital social, sem sobras para outras contas, como reserva de ágio. É fundamental que a empresa tenha como comprovar que o valor utilizado na operação é legítimo, como a Declaração de Imposto de Renda (DIRPF) do sócio que transferiu o bem, conforme permite a legislação federal (Lei nº 9.249/95).”
“Caso a prefeitura realize uma cobrança baseada em avaliação unilateral, sem abrir um processo administrativo para discussão, a empresa deve buscar judicialmente a anulação do débito, pois a jurisprudência é francamente favorável ao contribuinte.”, orienta.
“Essa vitória não beneficia apenas a empresa envolvida, mas fortalece a segurança jurídica para todos que investem no país. Ao garantir que as regras tributárias sejam aplicadas de forma justa e transparente, sem avaliações arbitrárias, o Judiciário promove um ambiente de negócios mais estável e competitivo, incentivando o planejamento patrimonial lícito e a redução de custos para as empresas”, conclui.