A juíza Edna Ederli Coutinho, do Núcleo de Inquéritos Policiais (Nipo), converteu a prisão temporária em preventiva dos policiais militares da Rotam Jackson Pereira Barbosa e Ícaro Nathan Santos Ferreira, acusados de intermediarem o assassinato do advogado Renato Nery, executado a tiros em julho de 2024 enquanto chegava em seu escritório na capital. Em decisão proferida no último dia 13, a magistrada considerou o risco de reiteração delitiva, uma vez que ambos ostentam diversas passagens, incluindo execução de pena por porte ilegal e ações por homicídio. Eles são acusados também de integrarem grupo de mercenários responsável por executar, sumariamente, supostos criminosos em Cuiabá e Várzea Grande.
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O risco de que, soltos, eles pudessem voltar a delinquir, somado à gravidade da execução do advogado, foram destacados pela magistrada para justificar a manutenção da prisão.
Jackson Pereira Barbosa cumpre pena por condenação pela pratica de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, bem como responde a ação por homicídio qualificado (no âmbito da Operação Simulacrum) e figura investigado em inquérito militar por participar da execução e da obstrução do assassinato de Nery.
Ícaro Nathan Santos Ferreira responde a ação por homicídio qualificado (por quatro vezes e uma vez tentada – também no contexto da Simulacrum), organização criminosa, a outro processo por homicídio qualificado (por uma vez e três vezes tentada).
Na avaliação da juíza, Jackson e Ícaro, assim como o também agente da rotam Heron Teixeira Pena Vieira, e outros investigados policiais militares (Jorge Rodrigo Martins e Leandro Cardoso), foram presos e denunciados em conjunto na “Operação Simulacrum”, que investigou inúmeras execuções praticadas por policiais militares no ano de 2022.
Em síntese, os denunciados praticaram ação do tipo “fuzilamento”, mediante disparos de armas de fogo de grosso calibre, atuando em bando caracterizado pelo objetivo de expurgar supostos criminosos, identidade de propósitos, mediante divisão de tarefas, com motivação torpe, emprego de recurso que dificultou a defesa dos ofendidos e em atividade típica de grupo de extermínio.
“Desta forma, os antecedentes e a conduta social dos representados, demonstram que o ímpeto criminoso e a ousadia despendida na conduta, não será contida com medidas cautelares diversas da prisão, pois, em liberdade, os representados encontrarão os mesmos estímulos para a recalcitrância. Destarte, a conversão da prisão temporária em prisão preventiva encontra respaldo na necessidade de garantia da ordem pública, ante a gravidade concreta do delito e a retiração delitiva dos investigados, para evitar que o agente persista na prática criminosa e para acautelar o meio social”, decidiu Edna Ederli.
Nesta quarta-feira (25), a dupla foi denunciada pelo Ministério Público. Acusação foi assinada pelo grupo de quatro promotores de Justiça que atuam no caso: Élide Manzini de Campos, Rinaldo Segundo, Rodrigo Domingues e Samuel Frungilo.
Ícaro e Jackson responderão pelos crimes de homicídio qualificado por promessa de recompensa, meio que resultou perigo comum, e recurso que dificultou a defesa da vítima, com aumento de pena pela idade da vítima (72 anos), fraude processual qualificada, abuso de autoridade, e integrar organização criminosa.
O advogado Renato Nery foi assassinado a tiros no dia 5 de julho. A motivação do crime está atrelada a uma disputa de 12 mil hectares de terras, avaliados em mais de R$ 40 milhões. O casal mandante do crime, Cesar Sechi e Julinere Goulart, está preso. Segundo o promotor, eles compõem o “núcleo de comando”, que agiu contrariado pela vitória de Nery na briga fundiária. Julinere confessou que tramou a execução depois de não aguentar mais seu marido reclamar que Nery havia roubado suas terras. Jackson, por sua vez, mora no mesmo condomínio que o casal, em Primavera. Foi então que ele se inseriu na trama.
As investigações concluíram que Jackson e Ícaro intermediaram o assassinato, sendo o primeiro como o principal intermediário entre o casal mandante, e o núcleo executor composto pelo também agente militar Heron Teixeira e o seu caseiro, Alex Cardoso. Foi Jackson que ofereceu o “serviço” a Heron mediante R$ 200 mil.
Além de oferecer a grana pela cabeça de Nery, a mando do casal, Jackson também repassou informações cruciais aos executores: como o endereço do escritório, horários de deslocamentos e detalhes da empreitada.
Ícaro, também da Rotam, forneceu a arma usada na execução: uma Glock adaptada, modelo G17, calibre 9mm, automatizada para disparos em rajada. Ele a entregou a Heron no próprio batalhão, em Cuiabá. Importante ressaltar que a arma em questão e as munições eram da PM, o que, para os promotores, evidenciou uma estrutura criminosa dentro da corporação.
Além disso, Ícaro agiu como intermediador financeiro: Jackson lhe entregou dois envelopes com R$ 40 e R$ 50 mil, vivos, e ele repassou o montante a Heron em notas de duzentos e cem reais no bairro Chapéu do Sol, Várzea Grande, depois da execução.
Para os promotores, a utilização da arma automática em plena via pública, em horário comercial, configurou a qualificadora de perigo comum.
Além da intermediação, a dupla se articulou para obstruir as investigações. Jackson manteve contatos via WhatsApp e vídeo com advogados de defesa de Heron, monitorando ativamente o curso das investigações e buscando garantir o silêncio dele através de questões financeiras.
Seis dias após o assassinato de Nery, em 12 de julho, na Avenida Contorno Leste, capital, outros quatro policiais envolvidos na trama assassinaram Walteir Lima Cabral, além da tentarem homicídio contra Pedro Elias Silva e Jhuan de Oliveira. O confronto forjado, onde a pistola Glock usada no crime foi "encontrada", foi uma forma que o grupo encontrou para livrar da arma e desviar as investigações.
Além disso, Jackson e Ícaro concorreram ativamente para o crime de abuso de autoridade, utilizando-se do aparato estatal e da condição de agentes da segurança pública para criar uma narrativa falsa e responsabilizar terceiros inocentes, no caso as vítimas do confronto forjado.