Olhar Jurídico

Sábado, 19 de julho de 2025

Notícias | Criminal

DISPUTA POR 12 MIL HECTARES

Pistola rajada, envelopes de dinheiro e assassinato: dupla da Rotam que intermediou execução de Nery é denunciada

Foto: Reprodução

Na colagem, Ícaro e Jackson.

Na colagem, Ícaro e Jackson.

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE) denunciou Jackson Pereira Barbosa e Ícaro Nathan Santos Ferreira, policiais militares da Rotam que intermediaram o assassinato do advogado Renato Nery, executado a tiros em julho de 2024, enquanto chegava em seu escritório na capital. Acusação foi feita nesta quarta-feira (25), assinada pelo grupo de quatro promotores de Justiça que atuam no caso: Élide Manzini de Campos, Rinaldo Segundo, Rodrigo Domingues e Samuel Frungilo. 


Leia mais
Comando, intermediação, operacional e obstrução: os núcleos organizados por empresários e PMs para assassinar Nery


A dupla, que teve a prisão preventiva decretada, foi acusada pelos crimes de homicídio qualificado por promessa de recompensa, meio que resultou perigo comum, e recurso que dificultou a defesa da vítima, com aumento de pena pela idade da vítima (72 anos), fraude processual qualificada, abuso de autoridade, e integrar organização criminosa.

O advogado Renato Nery foi assassinado a tiros no dia 5 de julho. A motivação do crime está atrelada a uma disputa de 12 mil hectares de terras, avaliados em mais de R$ 40 milhões. O casal mandante do crime, Cesar Sechi e Julinere Goulart, está preso. Eles compõem o “núcleo de comando”, que agiu contrariado pela vitória de Nery na briga fundiária. Julinere confessou que tramou a execução depois de não aguentar mais seu marido reclamar que Nery havia roubado suas terras. Jackson, por sua vez, mora no mesmo condomínio que o casal, em Primavera do Leste. Foi então que ele se inseriu na trama.

As investigações concluíram que Jackson e Ícaro intermediaram o assassinato, sendo o primeiro como o principal intermediário entre o casal mandante, e o núcleo executor composto pelo também agente militar Heron Teixeira e o seu caseiro, Alex Cardoso. Foi Jackson que ofereceu o “serviço” a Heron mediante R$ 200 mil.

Além de oferecer a grana pela cabeça de Nery, a mando do casal, Jackson também repassou informações cruciais aos executores: como o endereço do escritório, horários de deslocamentos e detalhes da empreitada.

Ícaro, também da Rotam, forneceu a arma usada na execução: uma Glock adaptada, modelo G17, calibre 9mm, automatizada para disparos em rajada. Ele a entregou a Heron no próprio batalhão, em Cuiabá. Importante ressaltar que a arma em questão e as munições eram da PM, o que, para os promotores, evidenciou uma estrutura criminosa dentro da corporação.

Além disso, Ícaro agiu como intermediador financeiro: Jackson lhe entregou dois envelopes com R$ 40 e R$ 50 mil, vivos, e ele repassou o montante a Heron em notas de duzentos e cem reais no bairro Chapéu do Sol, Várzea Grande, depois da execução.

Quem puxou o gatilho na manhã do dia 5 de julho foi o caseiro de Heron, Alex Roberto de Queiroz Silva (já denunciado), que se posicionou em frente ao escritório de Nery e efetuou sete disparos em modo rajada (automático) direcionados à sua cabeça, surpreendendo-o e dificultando sua defesa.

Para os promotores, a utilização da arma automática em plena via pública, em horário comercial, configurou a qualificadora de perigo comum.

Além da intermediação, a dupla se articulou para obstruir as investigações. Jackson manteve contatos via WhatsApp e vídeo com advogados de defesa de Heron, monitorando ativamente o curso das investigações e buscando garantir o silêncio dele através de questões financeiras.

Seis dias após o assassinato de Nery, em 12 de julho, na Avenida Contorno Leste, capital, outros quatro policiais envolvidos na trama assassinaram Walteir Lima Cabral, além da tentarem homicídio contra Pedro Elias Silva e Jhuan de Oliveira. O confronto forjado, onde a pistola Glock usada no crime foi "encontrada", foi uma forma que o grupo encontrou para livrar da arma e desviar as investigações.

Além disso, Jackson e Ícaro concorreram ativamente para o crime de abuso de autoridade, utilizando-se do aparato estatal e da condição de agentes da segurança pública para criar uma narrativa falsa e responsabilizar terceiros inocentes, no caso as vítimas do confronto forjado.

Vale lembrar que a dupla é ré em outa ação, proveniente da Operação “Similacrum”, acusada de integrar um grupo de mercenários responsável por execuções sumárias em Cuiabá e Várzea Grande.

Diante disso, ambos foram denunciados pelo Ministério Público, que requereu o recebimento da acusação e que eles sejam submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Mandantes e obstrutores

Além da dupla, outros quatro policiais militares — Jorge Rodrigo Martins, Wailson Alessandro Medeiros Ramos, Wekcerlley Benevides de Oliveira e Leandro Cardoso — foram denunciados pelo Ministério Público. Segundo o promotor Henrique Pugliesi, eles pertencem a um grupo de extermínio chamado “Gol Branco” e forjaram o confronto armado para encobrir o crime.

A arma usada — uma pistola Glock 9mm, nº de série VPL521 — foi a mesma empregada no homicídio e pertence à Polícia Militar de Mato Grosso, especificamente ao Batalhão da ROTAM. As munições recolhidas na cena também eram da corporação. Os denunciados integram o núcleo de obstrução, responsável por ocultar a arma e alterar a cena do crime, sendo acusados de homicídio consumado, homicídio tentado, organização criminosa, obstrução da Justiça, falsidade ideológica, abuso de autoridade e porte ilegal de arma.

Outro núcleo da organização era liderado pelo tenente da ROTAM Heron Teixeira, responsável pela intermediação entre os mandantes e os executores. Ele teria repassado ordens, negociado valores e garantido a execução do crime, com apoio de seu caseiro, Alex Queiroz, incumbido de monitorar a vítima e efetivar o homicídio.

Mensagens extraídas de celulares demonstram que os policiais articulavam versões combinadas para os depoimentos em um grupo de WhatsApp chamado “Gol Branco”, evidenciando preocupação com contradições e o fato de estarem sendo filmados. Em um dos áudios, Wailson Ramos expressa naturalização da violência letal, afirmando: “Sempre conforme o B.O., entendeu? O B.O. tá ali, dá uma olhada de novo”. Outro trecho revela inquietação com divergências: “Nada, eu acho que deve tá dando divergência em nosso depoimento”.

Apesar da gravidade, os quatro policiais foram soltos no fim de maio por decisão do juiz Francisco Ney Gaíva, da 14ª Vara Criminal de Cuiabá, mediante medidas cautelares como apresentação de relatórios trimestrais, recolhimento domiciliar noturno e proibição de contato com vítimas e testemunhas.

O promotor, no entanto, solicitou à 7ª Vara Criminal a prisão preventiva dos denunciados, com base nos novos áudios, no uso do aparato estatal para fins criminosos e na reincidência de dois dos envolvidos, que já haviam sido citados na “Operação Simulacrum”, deflagrada para desarticular um grupo de extermínio formado por militares.

Outro lado

À reportagem, a defesa de Jackson, patrocinada pelos advogados Renato Carneiro e Leonardo Dornelles Sales informou que recebeu a denúncia com perplexidade:

"A motivação apontada — suposta disputa de terras — é absolutamente inexistente e desmentida por provas constantes nos próprios autos. Causa ainda mais estranhamento o fato de que, após quase um ano de investigação, a Polícia Civil tenha concluído por homicídio com duas qualificadoras, enquanto o Ministério Público, em menos de três dias de análise dos autos, oferece denúncia por crimes diversos e mais graves, incluindo organização criminosa, fraude processual e homicídio triplamente qualificado. Jackson não participou dos fatos e sua inocência será demonstrada no curso do processo".
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet