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Terça-feira, 15 de julho de 2025

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MERCENÁRIOS DO 'GOL BRANCO'

“Só pensa em matar”; “tá dando divergência”: diálogos revelam que PMs se organizaram para obstruir assassinato de Nery; confira

Foto: Reprodução

“Só pensa em matar”; “tá dando divergência”: diálogos revelam que PMs se organizaram para obstruir assassinato de Nery; confira
“Acabei de trocar tiro aqui”; “o cara tomou disparo no peito, e o filho da puta não morreu”; “eu acho que deve tá dando divergência em nosso depoimento"; "Ele só pensa em matar, matar, matar": relatório forense feito nos celulares dos agentes da Rotam que forjaram um confronto, em que mataram uma vítima e tentaram contra outras duas, para acobertar o assassinato do advogado Renato Nery, em Cuiabá, constituiu a prova técnica necessária para o Ministério Público reforçar o pedido de prisão e oferecer denúncia contra eles.


Leia mais: Denunciados pelo MP: policiais que forjaram confronto para acobertar assassinato de Nery integram grupo de extermínio 'Gol Branco'

Assinada nesta quarta-feira (11) pelo promotor Henrique Pugliesi, a acusação aponta que Jorge Rodrigo Martins, Wailson Alessandro Medeiros Ramos, Wekcerlley Benevides de Oliveira e Leandro Cardoso, policiais militares da Rotam, integravam um grupo de extermínio chamado “Gol Branco”.

Foi no contexto deste grupo de WhatsApp que o relatório encontrou os diálogos em questão, os quais foram usados pelo promotor na denúncia. Vale lembrar que Leandro Cardoso e Jorge Rodrigo já são denunciados no âmbito da Operação Simulacrum, que investiga justamente um grupo de “mercenários” formados por militares.

As investigações revelaram que os policiais teriam forjado um confronto policial para ocultar a arma usada no assassinato de Nery e alterar a cena do outro crime, o que gerou contradições, indicando que se tratou de uma simulação feita para justificar a posse da pistola Glock, calibre 9mm, número de série VPL521, e fazer crer que pertenceria aos " tais criminosos" que entraram em confronto com eles.

O relatório feito no celular Xiaomi Poco X6 de Wailson demonstrou os elementos de prova cruciais para caracterização dos crimes imputados ao grupo:  homicídio consumado, homicídio tentado, organização criminosa, obstrução da justiça, falsidade ideológica, abuso de autoridade e porte ilegal de arma de fogo.

Uma foto do advogado Renato Nery foi encontrada salva no dispositivo no dia 6 de julho de 2024, apenas um dia após ele ser assassinato, o que evidenciou que o grupo tinha conhecimento prévio do crime e possível envolvimento direto. Também foram encontradas pesquisas sobre a morte de Renato em 2025, demonstrando interesse continuado no caso.

Os áudios encontrados no aparelho são comprometedores. Num dos diálogos, Wailson chegou a afirmar categoricamente: "Acabei de trocar tiro aqui nega!", seguido de "Acabei de trocar tiro tá?". No dia seguinte, ele revelou detalhes técnicos sobre ferimentos causados ao interlocutor: “cara tomou um disparo na porra do peito, transfixou, deu Hemotórax que é sangue né, drenaram o sangue dele, o filho da puta não morreu!".

Em outra conversa, causou espanto no promotor a naturalidade como eles banalizavam as vidas que ceifaram: “mas tá bom, tá de boa, mas tem aquela coisa, todo confronto tem alguém morto, eu estou de boa, falei para os caras, pedi desculpa pela cagada de pau, mas acho que não foi cagada de pau não!". A declaração, para Henrique, demonstra a “naturalização da violência letal e a consciência de que perseguições policiais devem resultar em mortes”.

Foi no celular de Leandro Cardoso, réu na Simulacrum, que o relatório encontrou o grupo “Gol Branco”, criado no dia 12 de julho de 2024, seis dias após a morte de Nery e o dia em que eles forjaram o confronto que ceifou Walteir Lima Cabral, e feriu Pedro Elias Silva e Jhuan de Oliveira, na Avenida Contorno Leste, em Cuiabá. Inicialmente chamado “Ocorrências Rotam”, o grupo tinha como participantes justamente os quatro denunciados.

No grupo, eles conversavam claramente em como poderiam combinar versões para obstruir a Justiça, no intuito de escamotear o real objetivo do confronto: acobertar o assassinato de Nery fazendo crer que a arma usada para o executar era das vítimas do “confronto”.

Nas conversas, há orientações explícitas sobre os depoimentos que eles deveriam prestar: “sempre conforme o B.O., entendeu? O B.O. tá ali, dá uma olhada de novo”, o que demonstrou a coordenação para manter versão uniforme baseada no Boletim de Ocorrência que eles próprios confeccionaram. Essa preocupação com as versões se expressou na mensagem: “nada, eu acho que deve tá dando divergência em nosso depoimento [...] "porque essa porra ele filmou tudo, ah nosso depoimento, pó".

O promotor ainda juntou o diálogo que revelou os sentimentos sórdidos do grupo e a banalização à vida, com a naturalização da violência letal supostamente praticada. No grupo, os militares comentaram sobre o ímpeto de pessoa identificada como “15” em cometer execuções sumárias: assassinar. "O 15 está demais esse ano", "Ele não para", "Ele só pensa em matar, matar, matar".

Tais conversas, para Pugliesi, demonstra que os quatro, em liberdade, podem embaraçar a colheita de provas, intimidar testemunhas, destruir evidências e articular versões que comprometam a busca pela verdade real, especialmente considerando que há indícios de envolvimento de outros agentes nos fatos investigados.

Diante disso, pediu que a Justiça decrete a prisão preventiva do grupo, o qual foi solto no final de maio por ordem do juiz Ney Gaíva, da 14ª Vara Criminal de Cuiabá, que lhe concedeu liberdade provisória mediante cautelares.

Na decisão, o juiz diz que embora os fatos narrados na denúncia sejam graves — inclusive pela suposta participação de agentes públicos no cometimento dos crimes — “não há, nesta fase do processo, qualquer elemento novo ou fato superveniente que demonstre risco atual decorrente da liberdade dos acusados”.

O promotor, porém, pediu à 7ª Vara que os prenda, pois “a prisão preventiva se justifica ainda para assegurar a aplicação da lei penal, diante do risco concreto de evasão do distrito da culpa. A gravidade dos crimes, cujas penas máximas somadas ultrapassam 30 anos de reclusão, e a condição dos investigados, conhecedores dos mecanismos de investigação e das eventuais falhas do sistema, configuram circunstâncias que potencializam o risco de fuga”.
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