O Ministério Público (MPE) denunciou os quatro militares da Rotam envolvidos no assassinato do advogado Renato Nery e na execução de Walteir Lima Cabral, além da tentativa de homicídio contra Pedro Elias Silva e Jhuan de Oliveira. Assinada nesta quarta-feira (11) pelo promotor Henrique Pugliesi, a acusação aponta que Jorge Rodrigo Martins, Wailson Alessandro Medeiros Ramos, Wekcerlley Benevides de Oliveira e Leandro Cardoso integravam um grupo de extermínio chamado “Gol Branco”. Eles estão soltos desde o final de maio, por ordem do juiz Francisco Ney Gaíva, da 14ª Vara Criminal de Cuiabá.
Leia mais
Organização criminosa e crime de “mando”: simulação de confronto por agentes da Rotam indica que assassinato de Nery foi “encomendado”
As investigações revelaram que os policiais teriam forjado um confronto policial para ocultar a arma usada no assassinato de Nery e alterar a cena do outro crime, o que gerou contradições, indicando que se tratou de uma simulação feita para justificar e fazer crer que a pistola pertenceria aos "tais criminosos" que entraram em confronto com eles.
O advogado Renato Nery foi morto a tiros no dia 5 de julho, em frente ao seu escritório, em Cuiabá. A motivação do crime está atrelada a uma disputa de terras em mais de R$ 40 milhões. O casal mandante do crime, Cesar Sechi e Julinere Goulart está preso. Segundo o promotor, eles compõem o “núcleo de comando”, que agiu contrariado pela vitória de Nery na briga fundiária.
Os quatro denunciados integram o núcleo de obstrução, responsável especificamente pela ocultação posterior da arma do crime mediante sua inserção em contexto forjado, e por outras ações destinadas a dificultar as investigações. Eles são denunciados pelos crimes de homicídio consumado, homicídio tentado, organização criminosa, obstrução da justiça, falsidade ideológica, abuso de autoridade e porte ilegal de arma de fogo.
Já o Rotam Heron Teixeira lidera o núcleo de intermediação e operacional responsável por estabelecer a ponte entre os mandantes e o executor, negociando valores, repassando ordens e garantindo que as determinações fossem cumpridas, junto ao seu caseiro, Alex Queiroz, incumbido por realizar o monitoramento da vítima e efetivar o homicídio.
Seis dias após a execução de Nery, em 12 de julho, na Avenida Contorno Leste, capital, os quatro policiais assassinaram Walteir e tentaram contra Pedro e Jhuan, que ficaram feridos. A perícia apontou que a arma usada para matar Nery foi encontrada com as vítimas, o que levantou suspeitas sobre a atuação dos policiais.
O elo crucial entre os casos é que a pistola Glock, calibre 9mm, número de série VPL521, usada no "confronto", foi a mesma arma utilizada no homicídio de Nery, e os disparos contra ele foram efetuados em rajada. Além disso, as munições recolhidas na cena do crime do advogado pertenciam à Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, especificamente ao Batalhão da ROTAM, ao qual os denunciados pertenciam.
Análises forenses de celulares comprovaram a coordenação para a falsificação de depoimentos através de um grupo de WhatsApp "Gol Branco", onde os PMs expressavam preocupação com divergências nas versões e o fato de seus depoimentos estarem sendo filmados.
Áudios de Wailson Ramos ainda revelam uma "naturalização da violência letal" e a crença de que confrontos devem resultar em mortes.
Diante disso, o promotor pediu à 7ª Vara Criminal que decrete a prisão preventiva dos denunciados, justificada pela gravidade dos crimes, o uso do aparato estatal para fins criminosos, e o histórico de reiteração criminosa de dois dos investigados, anteriormente envolvidos na "Operação Simulacrum" – que desbaratou grupo de extermínio composto por militares.
No final do mês passado, o juiz juiz Francisco Ney Gaíva, da 14ª Vara Criminal de Cuiabá, concedeu liberdade provisória aos quatro policiais. Eles foram soltos mediante o cumprimento das seguintes medidas cautelares: apresentação de relatório trimestral das atividades laborais, com escalas de serviço; proibição de manter contato com vítima e testemunhas por qualquer meio; recolhimento domiciliar noturno, das 20h às 6h, e nos dias de folga, salvo por motivo de força maior ou em caso de comprovado trabalho.
Na decisão, o juiz diz que embora os fatos narrados na denúncia sejam graves — inclusive pela suposta participação de agentes públicos no cometimento dos crimes — “não há, nesta fase do processo, qualquer elemento novo ou fato superveniente que demonstre risco atual decorrente da liberdade dos acusados”.
Apesar disso, o promotor Henrique Pugliesi apontou fatos novos ao juízo criminal, quais sejam, os áudios em que os quatro agentes conversam sobre o caso, demonstrando preocupação com as investigações, bem como combinam os respectivos depoimentos e banalizam, com naturalidade, as práticas de violência letal que cometeram. "Sempre conforme o B.O., entendeu? O B.O. tá ali dá uma olhada de novo", demonstrando coordenação para manter versão uniforme baseada no Boletim de Ocorrência. A preocupação com divergências é expressa na mensagem: "Nada, eu acho que deve tá dando divergência em nosso depoimento", diz trecho da denúncia, a qual o Olhar Jurídico obteve acesso.