O juiz Gilberto Lopes Bussiki, da 9ª Vara Cível de Cuiabá, autorizou a liberação imediata de R$ 2.1 milhões em favor da idosa Wilma Therezinha Destro Fernandes, idosa de 87 anos, no âmbito de uma disputa por terras que já dura mais de quatro décadas, travada contra o advogado Renato Nery, assassinado em julho de 2024, na capital, e Luiz Salesse. A decisão foi proferida no último dia 3 de junho.
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O magistrado deferiu parcialmente pedido de Wilma, determinando a liberação de R$ 2.194.985,99 depositados pelo arrendatário R.S.S., referente à renda adiantada do contrato de arrendamento da fazenda de 2 mil hectares, para o ano-safra 2025/2026. A quantia corresponde à participação do espólio do advogado Renato Nery, que foi excluído do processo após reconhecer judicialmente a validade de acordo anterior e renunciar ao direito sobre o qual a ação se baseava.
A exclusão do espólio de Nery resultou na inutilização da contestação que havia sido apresentada por ele, além da perda de objeto dos embargos de declaração pendentes. Para o juiz, a manutenção do bloqueio integral dos valores seria desproporcional, uma vez que já não existe controvérsia sobre a parcela correspondente à cota anteriormente atribuída a Nery.
O magistrado também considerou a idade avançada de Wilma e sua situação de vulnerabilidade social e econômica como fatores determinantes para a concessão do alvará judicial, citando dispositivos que estabelecem prioridade de tramitação e decisões para pessoas com mais de 60 anos.
A ordem se insere em uma longa e complexa disputa envolvendo milhares de hectares no município de Novo São Joaquim, avaliados em centenas de milhões de reais. O litígio opõe a família de Wilma aos advogados Renato Nery (assassinado em 2024) e Luiz Carlos Salesse, acusados de se apropriar indevidamente das terras. Os dois atuaram como fiéis depositários da área e, segundo a defesa da idosa, arrendaram e venderam partes da propriedade sem prestar contas.
Após a morte de Nery, Salesse passou a reivindicar percentual maior sobre a área. Atualmente, o processo ainda discute os percentuais de direito entre os litisconsortes remanescentes. A liberação determinada refere-se apenas à parte incontroversa do espólio de Nery, que deixou de integrar a ação judicial.
Enquanto aguarda o desfecho definitivo da disputa, Wilma sustenta que sua família foi lesada durante décadas e que apenas busca o cumprimento do acordo firmado em 2022, que lhe garantiria mais de 3 mil hectares. Os valores liberados, segundo a decisão, têm natureza alimentar e devem ser entregues de forma imediata à idosa ou a seu procurador.
Assassinado em luta por terras
Em depoimento prestado no curso das investigações sobre o assassinato do advogado Renato Nery, a empresária e produtora rural Julinere Goulart Bastos confessou que ela e o marido, Cesar Jorge Sechi, atuaram como mandantes do crime, ocorrido em julho de 2024, em Cuiabá. Segundo Julinere, o marido manifestava com frequência intenção de matar o advogado, motivado pela perda de uma propriedade rural que o casal atribuía a Renato.
A empresária contou que Cesar chegava constantemente em casa embriagado, dizendo que o advogado “teria tomado suas terras” e que precisava ser morto. Ao ser questionada sobre os motivos do crime, Julinere respondeu que sentia raiva de Renato e o culpava pela perda da fazenda. No entanto, ela afirmou que, apesar de ter dado a ordem ao policial militar Jackson Pereira Barbosa para matar o advogado, teria recuado da decisão.
Durante o depoimento, visivelmente abalada e em prantos, Julinere disse ainda que era alvo de extorsão por parte de Jackson, a quem descreveu como perigoso e ligado a diversos homicídios. Afirmou que tinha medo de morrer caso contasse tudo o que sabia. Além de Jackson, a empresária declarou ter sido extorquida em R$ 400 mil por Fabiano Sechi, sobrinho de seu marido. Ela não conseguiu explicar os detalhes da situação, alegando estar emocionalmente abalada.
Julinere também mencionou os nomes de Roberto Zanoni e Valdeci como possíveis autores intelectuais do homicídio, embora tenha afirmado não conhecer com precisão a participação deles ou de outros envolvidos. No decorrer do depoimento, recebeu uma ligação de seu advogado e passou a não responder mais às perguntas. Afirmou que contaria tudo na delegacia, o que não se concretizou: permaneceu em silêncio durante o interrogatório formal.
A juíza responsável por autorizar a última fase da Operação que investiga o crime destacou que Julinere só teria sido alvo de extorsão por policiais se, de fato, tivesse algum envolvimento no crime, circunstância que ainda será apurada. A autoridade policial também confirmou a existência de um bilhete de cobrança relacionado ao suposto pagamento pela execução do advogado, endereçado a Cesar Sechi.
Prisão e contexto do crime
Julinere e Cesar Sechi, moradores de Primavera do Leste, foram presos no dia 9 de maio, durante nova fase da investigação conduzida pela Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A operação é um desdobramento da “Office Crime – O Elo”, deflagrada em abril. A juíza Edna Coutinho, do Núcleo de Inquéritos Policiais de Cuiabá, prorrogou a prisão temporária do casal. O processo corre sob sigilo.
As investigações apontam que o casal contratou intermediários para repassar a arma do crime aos executores. De acordo com a Polícia Civil, Julinere e Cesar são os mandantes do homicídio, motivado por uma disputa de cerca de 800 hectares de terras avaliadas em mais de R$ 40 milhões, localizadas em Novo São Joaquim (MT).
A disputa judicial pela posse da Fazenda Atlântida se estendia havia anos. O casal acusava Renato Nery de falsificar documentos para obter, de forma fraudulenta, a posse da área. Em contrapartida, Nery também moveu ação contra os Sechi, questionando a legalidade das escrituras atribuídas ao espólio de Dorvalino Sechi. Em setembro de 2024, após o assassinato, foi firmado um acordo judicial reconhecendo a posse da terra em nome de Nery.
O assassinato ocorreu em 5 de julho de 2023, em frente ao escritório de Renato Nery, em Cuiabá. Ele foi alvejado por disparos de arma de fogo e morreu horas depois no hospital. A arma utilizada foi uma pistola Glock G17, adaptada para tiro automático, fornecida por um policial militar da inteligência da Rotam, segundo apurado pela polícia.
No decorrer das investigações, o policial militar Heron Teixeira confessou envolvimento no homicídio e declarou que o pagamento pelo crime foi dividido com um caseiro. A quantia acordada teria sido de R$ 200 mil, mas apenas R$ 150 mil teriam sido pagos até o momento.
A Polícia Civil segue na fase final da investigação, reunindo provas técnicas e testemunhais para o encerramento do inquérito e eventual denúncia formal dos envolvidos.