Sentença proferida pela Vara Especializada em Ações Coletivas da Comarca de Cuiabá julgou parcialmente procedente uma ação movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra José Antunes de França, a Assembleia Legislativa (ALMT) e o Estado de Mato Grosso. A ação questionava a legalidade da estabilidade e posterior efetivação do servidor José Antunes de França no serviço público estadual sem a devida aprovação em concurso público.
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A ação teve origem em um inquérito civil que investigou a notícia de que o servidor teria se tornado estável na ALMT mediante o Ato nº 1833/2001 sem preencher os requisitos constitucionais exigidos. O Ministério Público narrou que o servidor foi nomeado para cargo comissionado em 1999 e, antes mesmo da estabilidade extraordinária, foi enquadrado em cargo de carreira e beneficiado com progressões.
O MPE alegou falsidade na averbação de tempo de serviço de período anterior na Prefeitura Municipal de Porto dos Gaúchos, que sequer existiu segundo o próprio município e o INSS. Além disso, sustentou que o tempo como vereador em Castanheira não poderia ser considerado para fins de estabilidade.
Conforme o MP, o tempo de serviço anterior à Constituição Federal de 1988 não poderia ser aproveitado por diversas razões: a inexistência do serviço público em Porto dos Gaúchos, o fato de o período como vereador não servir para estabilidade, o tempo não ser ininterrupto, e o ingresso e permanência na ALMT terem ocorrido em cargo comissionado.
O autor da ação argumentou que a “imoralidade, a má-fé e a perfídia neste caso são evidentes”, violando princípios como legalidade e moralidade administrativa. Pediu a declaração de nulidade do Ato nº 1833/2001 que concedeu a estabilidade, da Portaria nº 419/01 e do Ato nº 590/03 que o enquadraram em cargos de carreira, e demais atos de progressão e incorporação salarial sem concurso público, solicitando ainda a perda do cargo e declaração de vacância.
No mérito, a análise da vida funcional do servidor José Antunes de França revelou que ele foi contratado em 1999. Portanto, ele não estava em exercício há pelo menos cinco anos contínuos na data da promulgação da Constituição Federal. Além disso, a decisão fundamentou, com base em precedente do TJMT, que é inviável a cumulação de tempo de serviço prestado a entes federados distintos para adquirir a estabilidade.
Apesar de declarar a nulidade dos atos de estabilidade e efetivação, a decisão judicial fez uma ressalva importante quanto aos seus efeitos. O juízo considerou que a ação civil pública foi ajuizada cerca de 15 anos após o primeiro ato declarado nulo (Ato nº 1833/01), e a situação fática inconstitucional perdurou por mais de 23 anos até a presente data. Durante esse extenso período, a Administração Pública manteve-se inerte.
Nesse contexto, a sentença aplicou o Artigo 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que exige que a decisão de invalidação indique suas consequências e condições para regularização proporcional, equânime e sem prejuízos anormais ou excessivos aos atingidos. Também invocou o Artigo 8º do Código de Processo Civil, que determina ao juiz atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade.
O juízo ponderou os princípios da Segurança Jurídica, da Proteção da Confiança e da Dignidade da Pessoa Humana. Entendeu que, diante de tamanho transcurso de tempo e da inércia do Estado, a boa-fé do servidor deve ser presumida. Os atos, mesmo nulos, geraram benefícios e vantagens que foram incorporados ao patrimônio jurídico do servidor ao longo de décadas. A implementação imediata dos efeitos da invalidação, sem qualquer modulação, acarretaria ônus excessivo ao servidor.
Considerando que o servidor contribuiu para o regime próprio de previdência por mais de 35 anos com expectativa de benefício, e que sua idade avançada e condição de aposentado tornam a ruptura abrupta do vínculo um ônus excessivo, o juízo decidiu pela modulação dos efeitos.
Assim, a sentença, embora tenha declarado a nulidade dos atos que concederam a estabilidade e a efetivação sem concurso, com fulcro nos princípios e dispositivos legais mencionados, reputou concretizada a estabilização dos efeitos dos atos nulos, mantendo-se o vínculo funcional do servidor requerido com o Estado de Mato Grosso até a data da implementação de sua aposentadoria. A decisão expressamente vedou a prática de novos atos viciados, como a concessão de nova progressão na carreira. A aposentadoria do servidor ocorreu recentemente, conforme apresentado nos autos.