Dois processos judiciais envolvendo disputas por terrenos em Cuiabá e Várzea Grande levantaram suspeitas da conexão de um perito judicial e Vallus Agrícola. A reportagem teve acesso a documentos que mostram que o engenheiro agrônomo Robson Luiz Marques de Moura, responsável por perícias em ações judiciais, recebeu mais de R$ 39 mil em sua conta pessoal da Vallus, que sequer era parte em um dos processos, para realizar um laudo em uma batalha travada por um dos sócios da Ginco. Inclusive, a juntada do comprovante de pagamento feito pela Vallus foi assinada pelo advogado Marcelo Souza de Barros, que defende a parte ré no caso. Marcelo foi condenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à perda do cargo de juiz, no âmbito do “Escândalo da Maçonaria”.
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O pagamento dos R$ 39 mil corresponde a 50% do valor da perícia realizada no caso movido pelo sócio Ginco Urbanismo,
Osvaldo Tamura, referente a uma área às margens da rodovia Emanuel Pinheiro.
Segundo a defesa de Tamura, o laudo de Robson apresentou contradições e respostas inconclusivas, além de indicar sinais de posse em locais que, na verdade, estavam fora da área litigiosa. Foi contestada, então, a imparcialidade do engenheiro e apresentada impugnação ao laudo, apontando que os vestígios mencionados seriam de divisões internas de pastagem e não de ocupação real.
Segundo os autos, Fernando Pereira da Rocha, defendido pelo ex-juiz Marcelo Souza, teria invadido a propriedade que seria de Tamura desde 2007. Para isso, segundo a defesa, Fernando Rocha tentou fazer uma estrada no local sem a autorização do legítimo proprietário, sob a alegação de ter adquirido a área de terceiros. Além disso, que, em 2022, Pereira utilizou-se de uma permissão aberta em favor de José Rosa.
Ainda conforme a petição inicial, em dezembro de 2007, Osvaldo Tamura (da Ginco) adquiriu as propriedades de matrículas 21.457 e 73.350, que pertenciam ao Banco América do Sul, as quais são denominadas Estância Alterosa e Gleba Condungo. Na época, a aquisição foi feita mediante a arrematação dos imóveis no leilão promovido pelo Zukerman Leilões, sendo a Estância Alterosa componente do lote 044 e a Gleba Condugo relativa ao lote 018.
No caso da Gleba, a empresa confrontou com o imóvel de José Rosa que, posteriormente, invadiu a área adquirida por Osvaldo Tamura. No entanto, após uma decisão judicial, houve um acordo entre as partes e Tamaura teve a posse das duas propriedades reconhecidas. “Na oportunidade, o ilustre 2º JUÍZO AGRÁRIO DA CAPITAL homologou a transação judicial e, no mesmo dia, fora certificado o trânsito em julgado, em razão da desistência do prazo recursal. O acordo, basicamente, consistiu no reconhecimento de cada parte das devidas”, cita trecho da inicial.
Fernando Pereira da Rocha, em outubro de 2023, conseguiu emplacar a realização de um laudo no local e, então, o engenheiro Robson Luiz Marques foi até o imóvel para fazer a primeira perícia. No laudo, encaminhado a 2ª Vara Cível Especializada em Direito Agrário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), ele afirmou que foi possível comparar vestígios de cerca, com demarcações encontradas em imagens de satélite do ano de 2009, que demonstram cercamento entre as áreas da disputa.
Segundo o engenheiro, também foi observada a existência de uma estrada de servidão administrativa (um direito real sobre coisa alheia, exercido pelo Poder Público, que permite a utilização de propriedade privada para fins de interesse público) presente na matrícula 73.350, que daria acesso a José Rosa, possuidor anterior da posse da matrícula 94.055. Tal estrada é contestada pela defesa de Tamura, alegando que a mesma teria sido descolada para ser inserida nas matrículas.
O laudo aponta que existem 22 hectares de áreas em excesso entre as matrículas, e que esse excesso existe pelo fato de que as descrições das matrículas geram um espaço entre suas confrontações. “Esse excesso teve como possuidor o sr. Osvaldo Tetsuo Tamura, que entrou em acordo com o Sr. José Rosa e o formalizou em 2014, através do acordo judicial presente nos autos. Diante disso, já existia um contrato datado do ano de 2010 entre o sr. Cleize Williamar dos Santos (posseiro da área do sr. José Rosa) e o Fernando Pereira da Rocha, no qual o sr. Cleize faz a promessa de venda dessa área ao Fernando, contrato esse também presente nos autos”, afirma o perito.
A defesa de Osvaldo Tamura, por sua vez, pediu a impugnação do laudo, afirmando que os apontamentos feitos pelo perito são contraditórios e inconclusivos, uma vez que ele teria respondido dubiamente os quesitos que deveriam comportar uma resposta objetiva – como a questão sobre quem de fato exercia a posse sobre a área.
Para os defensores de Tamura, o engenheiro apenas respondeu com base equivocada indicando vestígios de posse do senhor Fernando Rocha, quando restou demonstrado pelas imagens coletadas pelos expert que tais vestígios estavam fora da área de litígio e, as cercas de demarcação, na verdade, eram de divisão de pastagem do comodatário que possui contrato com o senhor Osvaldo Tamura. Neste caso, um laudo complementar foi confeccionado e ainda aguarda homologação da Vara para o processo seguir.
Disputa em VG, Vallus e o perito
Paralelo ao caso da Ginco, Robson Luiz foi designado novamente como perito judicial, desta vez no processo que envolve a disputa de um terreno de 24 hectares em Várzea Grande, avaliado em mais de R$ 30 milhões. A perícia está sendo conduzida pela empresa Capital Perícias, constituída apenas três meses antes de ser escolhida para o caso, após impugnação de laudos anteriores feitos por outro perito, investigado por fraudes.
Neste processo, a disputa é entre o consórcio das holdings ESG e E2C, proprietárias da área desde 2015, e a Vallus Agrícola, que passou a reivindicar os direitos sobre o terreno em 2022, após adquirir os direitos hereditários dos filhos de um suposto invasor inicial.
A Vallus seria ligada e gerida pelo Fundo Somma Investimentos, que até dezembro de 2023 era gerido por empresários investigados pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento em esquema de venda de decisões judiciais.
A recorrência do nome de Robson Luiz como perito, aliado ao fato de ele ter recebido diretamente da Vallus Agrícola — empresa que agora está no polo passivo do processo de Várzea Grande — levanta questionamentos sobre sua independência técnica, já que a empresa sequer consta como parte no caso da Ginco. A proximidade entre os personagens centrais dos dois casos leva a suspeitas de sobreposição de interesses entre partes e técnicos responsáveis por provas fundamentais nas disputas judiciais.
Originalmente, a disputa era travada entre as holdings e Jandir Mracsanski, apontado como invasor inicial, ao lado de José Reliquias dos Santos, em 2017. Jandir faleceu em setembro de 2021. Foi então que, em 23 fevereiro de 2022, os direitos hereditários dos 2/5 filhos de Jandir foram transferidos para a empresa Vallus Agrícola.
Atualmente, o processo de reintegração de posse segue em curso com a perícia complementar sendo realizada pela Capital Perícias, enquanto a posse do imóvel continua com a empresa Vallus. As ações declaratórias de nulidade das matrículas permanecem em tramitação na 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Várzea Grande, ainda sem decisão definitiva.
Condenado no “Escândalo da Maçonaria”
Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a aposentadoria compulsória imposta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao ex-juiz do Tribunal de Justiça, Marcelo Souza de Barros, condenado no chamado “Escândalo da Maçonaria”. Em sessão de julgamento encerrada no dia 11 daquele mês, o Plenário da Corte Suprema, composto por todos os ministros, acompanhou o voto do relator, presidente Luís Roberto Barroso.
O ministro relator, Luís Roberto Barroso, fundamentou a decisão na responsabilidade de Marcelo e do ex-presidente do TJMT, José Ferreira Leite, nas irregularidades e no fato de terem recebido as maiores quantias indevidamente. Destaca-se que José Ferreira Leite era Grão Mestre da Loja Maçônica e o maior beneficiário do esquema, enquanto Marcelo, Juiz Auxiliar da Presidência, selecionava os magistrados beneficiados.
Apesar dos argumentos do ex-juiz, o STF considerou a sanção proporcional à gravidade das condutas, que privilegiaram membros da administração, especialmente ele próprio e o ex-presidente.
“Não identifico manifesta desproporcionalidade na sanção aplicada aos requerentes José Ferreira Leite e Marcelo de Souza Barros. Isso porque eles foram os principais responsáveis pelas irregularidades administrativas apontadas no processo disciplinar, além de figurarem no topo da lista dentre os magistrados que receberam as maiores quantias relacionadas aos eventos investigados”, acrescentou.