O juiz federal Francisco Antônio de Moura Júnior condenou três policiais civis por participação em esquema de exploração ilegal de ouro na região da Serra do Caldeirão, em Pontes e Lacerda (MT). Os réus foram alvos da Operação “Corrida do Ouro”, deflagrada pela Polícia Federal a partir de desdobramentos de investigações da Corregedoria-Geral da Polícia Judiciária Civil do estado, em 2015. Sentença foi proferida em meados de abril.
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Foram condenados os policiais Paulo Suady Ferreira Vieira, Eduardo Augusto Barcelos (conhecido como “Dudu”) e João Cavour Chrispim Neto. O quarto denunciado, Enivaldo Pinto de Oliveira (apelidado de “Dólar”), também policial, teve a punibilidade extinta devido ao seu falecimento.
Conforme o Ministério Público Federal (MPF), responsável pela denúncia, os policiais se juntaram para explorar, transportar e comercializar ouro sem autorização legal, além de deixar de cumprir seus deveres funcionais com o objetivo de obter vantagens pessoais. A prática ocorreu entre agosto e novembro de 2015, em uma área de garimpo clandestino no interior de Mato Grosso.
Examinando os elementos de prova colhidos na instrução, o juiz considerou os três réus culpados por usurpação de bem da União (art. 2º da Lei nº 8.176/91) e, no caso de João Cavour, também por prevaricação (art. 319 do Código Penal). Eles se livraram de responder por associação criminosa. Como consequência, foi decretada a perda da função pública dos condenados, medida prevista em lei para servidores públicos que utilizam o cargo para a prática de crimes.
De acordo com o processo, a atuação dos policiais não se limitava à omissão diante da atividade ilegal. Eles organizavam e financiavam a estrutura utilizada no garimpo clandestino, incluindo a contratação de trabalhadores e aquisição de maquinário. As provas reunidas, entre elas laudos periciais extraídos de conversas de celular, apontam que os acusados negociavam diretamente a venda do ouro extraído.
Conversas analisadas pela Polícia Federal revelam, por exemplo, que Paulo Suady e Eduardo Barcelos discutiam a quantidade de ouro extraído, o preço da venda e o envio de imagens do minério em estado bruto. Em uma das mensagens, após o envio de uma foto do ouro sobre uma balança de precisão, Paulo pede que Eduardo apague o conteúdo, demonstrando preocupação com eventual rastreamento.
Outros trechos mostram que os dois também comentavam sobre a divisão dos lucros: metade ficaria com os “patrões” — eles próprios — e a outra parte seria entregue aos garimpeiros.
Já no diálogo entre Eduardo Barcelos e João Cavour, identificado em 5 de outubro de 2015, é mencionada a atuação de “Dólar” (Enivaldo), que teria organizado a abertura de uma nova frente de trabalho no garimpo. João afirma ainda que havia contratado “jagunços” para atuar na proteção da área. Dias depois, em nova conversa, João alerta Eduardo sobre a necessidade de não aparecer com frequência no garimpo para evitar suspeitas.
A materialidade dos crimesfoi comprovada por laudos técnicos elaborados a partir da perícia nos celulares apreendidos durante a operação. As mensagens de texto indicavam com clareza que os acusados participavam ativamente da extração e comercialização do ouro. A análise revelou ainda contatos salvos com nomes que remetem a negócios de garimpo, como “Compra e Ouro Várzea Grande” e “Tiago Curitiba Goldbug”.
Testemunhas ouvidas em juízo confirmaram a relação dos réus com as atividades ilegais. Um dos depoentes, integrante da Corregedoria da Polícia Civil, relatou que a investigação inicial era sobre um caso de corrupção passiva envolvendo Paulo e Eduardo, e que, durante as buscas, surgiram evidências claras da atuação deles no garimpo ilegal.
As defesas tentaram invalidar as provas alegando quebra da cadeia de custódia e excesso de prazo na investigação, mas os argumentos foram rejeitados pelo juízo.
Durante o interrogatório, os acusados negaram envolvimento nos crimes e alegaram que as conversas registradas nos celulares eram meras brincadeiras ou fruto de contextos mal interpretados. A versão, no entanto, foi considerada incompatível com o conjunto robusto de provas colhidas.
Na sentença, o juiz federal destacou que os elementos reunidos demonstraram com clareza o envolvimento dos acusados na atividade de garimpagem ilegal. A conduta dos policiais, segundo a decisão, violou gravemente os deveres funcionais e contribuiu diretamente para a exploração criminosa de um recurso natural pertencente à União.