A investigação da Polícia Civil que culminou na Operação Poço Sem Fundo, no dia 8 de maio, aponta cinco núcleos que operaram suposto esquema de R$ 22 milhões em contratos fraudulentos para perfuração de poços artesianos em Mato Grosso, entre 2020 e 2023. A ação teve como foco empresas e 16 servidores ou ex-servidores da Companhia Mato-grossense de Mineração (Matemat), supostamente envolvidos em irregularidades como sobrepreço, atesto de serviços não realizados e direcionamento de contratos. O
Olhar Jurídico detalhou, com base na representação policial encaminhada à Justiça, a participação de cada núcleo.
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A ofensiva foi autorizada pela juíza Edna Ederli Coutinho, do Núcleo de Inquéritos Policiais de Cuiabá, embasada na representação dos delegados da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (DECCOR), que detalharam a atuação de cada agente público no suposto esquema.
Diretores
Dois diretores da METAMAT, já afastados, foram apontados como peças-chave da organização do esquema: Jeferson Wagner Ramos (Diretor Administrativo-Financeiro) e Francisco Holanildo Silva Lima (Diretor Técnico). Eles são acusados de manter uma estrutura deliberadamente ineficiente, com contratos genéricos e precários, para viabilizar os desvios.
Jeferson autorizou pagamentos e expediu ordens de serviço genéricas no Contrato nº 09/2022, que, segundo a Controladoria-Geral do Estado (CGE), teve o maior volume de desvio, com superfaturamento de R$ 3,6 milhões. Ele também liberou valores nos Contratos nº 11, 12, 14 e 20/2023. Já Francisco participou da formalização das demandas desses mesmos contratos.
Empresários
O terceiro grupo investigado é formado pelos empresários gestores das empresas contratadas: Willian Gomes Beatriz, Ísis Caroline Beatriz Jacobi, Ricardo Antônio Fontana, Raul Barros Ribeiro, Plínio Márcio Bonini, Jobar Oliveira Rodrigues, Cristiane Pirelli de Almeida e Eduardo Arruda Monteiro da Costa.
Willian, Ísis e Ricardo responderam pela Tecnopoços, principal beneficiada nos contratos e supostamente responsável por uma operação superfaturada em R$ 3,6 milhões.
Willian realizou saques em espécie que somam R$ 1,78 milhão. Raul, da empresa FR Engenharia (atual Sanear), tinha relação com a empresa de Gonçalo Ferreira. Plínio representava a empresa P.M. Bonini e Jobar foi contratado por diversos instrumentos. Os demais também aparecem como representantes ou beneficiários diretos dos contratos sob investigação.
Destaca-se, dentre as operações suspeitas, os seis saques realizados por Jobar Oliveira Rodrigues na conta bancária da empresa Uniko, no valor de R$ 506 mil em espécie.
Ex-dirigentes e ex-servidores
Entre os ex-servidores investigados estão antigos diretores e técnicos da METAMAT: Juliano Jorge Boraczynski, irmão do ex-deputado Romoaldo Boraczynski (falecido em março deste ano), Gonçalo Ferreira de Almeida, Renata Rhaiana Padilha, Juliane Fortunato Barroso, Wilson Menezes Coutinho, André Luiz Gonçalves de Araújo e Rafael Francisco Pinto.
Juliano, ex-diretor-presidente, assinou os 13 contratos sob investigação e empenhou R$ 15 milhões no Contrato nº 09/2022 para a Tecnopoços, antes mesmo da respectiva assinatura. Gonçalo, ex-diretor administrativo, também assinou diversos contratos e é sócio de empresa que manteve relação financeira suspeita com outra contratada da Matemat.
Renata Padilha atuou nas fases de orçamentação e fiscalização, sendo responsável pela análise de preços, atesto de 327 notas fiscais no total de R$ 29,7 milhões e pedido de aditamento contratual de alto valor em curto prazo. Também fiscalizou sete contratos de 2021.
Juliane Barroso foi fiscal substituta em sete contratos de 2021 e atestou parte das notas. Wilson Coutinho atuou como ordenador de despesas e atestou notas fiscais em contratos nos quais não tinha designação formal. André Araújo exerceu função semelhante no Contrato nº 31/2021. Rafael Pinto, que é chefe de gabinete da vereadora Baixinha Giraldelli (Solidariedade) assinou ordens de serviço como chefe do departamento de aquisições.
Fiscais de contrato
Cinco servidores figuraram como fiscais ou gestores dos contratos investigados: Gleice dos Santos Reis, Wilce Aquino de Figueiredo, Gustavo Sampaio de Siqueira, Matheus Del Negro Oliveira e Izaías Mamoré de Souza. Eles atestaram notas fiscais de poços não localizados nas coordenadas indicadas ou com serviços incompletos.
Gleice foi gestora dos Contratos nº 11, 12, 14 e 20/2023, além de fiscal de oito contratos firmados em 2021. Também elaborou os instrumentos de formalização de demanda e iniciou, de forma genérica, a contratação por adesão à ata do Contrato nº 09/2022. Wilce foi fiscal e, anteriormente, participou da análise de preços no mesmo contrato, violando o princípio da segregação de funções. Ele também atestou nota fiscal de R$ 721 mil com descrição genérica e expediu ordens de serviço nos Contratos nº 11, 12 e 14/2023.
Gustavo e Matheus atuaram como fiscais suplentes e responsáveis por ordens de serviço genéricas nos Contratos nº 11 a 20/2023. Izaías atestou nota fiscal no Contrato nº 09/2022 sem elementos que comprovassem a execução.
Servidores administrativos
Ismael Martinho de Souza Ramos e Monadia Escobar Alencar eram responsáveis pelo impulsionamento dos processos de pagamento. Ambos realizaram atestos de notas fiscais, mesmo sem designação formal, e tiveram contato direto com documentos que deveriam atestar a execução dos serviços. Ismael assinou notas fiscais nos Contratos nº 30 e 31/2021, enquanto Monadia atuou no Contrato nº 26/2021.
Segundo a autoridade policial, eles usaram indevidamente os respectivos cargos em prol do esquema, como forma de obterem vantagens ilícitas em detrimento dos cofres públicos.
Medidas
Dentre as medidas aplicadas pela juíza está a suspensão do exercício da função pública de servidores da estatal. Além do afastamento, os investigados estão proibidos de acessar qualquer unidade da Metamat, inclusive prédios locados, arquivos, sistemas digitais e contas institucionais de e-mail.
Os servidores afastados são: Jeferson Wagner Ramos; Francisco Holanildo Silva Lima; Wilce Aquino de Figueiredo; Gustavo Sampaio de Siqueira; Matheus Del Negro Oliveira; Izaías Mamoré de Souza; Ismael Martinho de Souza Ramos; Monadía Escobar Alencar.
Também foi determinada a suspensão de todos os pagamentos previstos ou já empenhados com três empresas citadas na investigação: Tecnopoços Poços Artesianos Ltda, JM Poços Artesianos e Transportes Ltda, e Uniko Engenharia Ltda. A portaria destaca que nenhum repasse, adiantamento ou liquidação poderá ser feito em favor dessas companhias, sob pena de responsabilização administrativa, civil e penal.
Poço sem fundo
A decisão da Metamat ocorre no contexto da operação deflagrada pelo Núcleo de Inquéritos Policiais (NIPO), que também teve como alvos o ex-deputado estadual e agora o ex- diretor da Metamat, Wagner Ramos; o diretor técnico da companhia, Francisco Holanildo Silva Lima; o ex-presidente da estatal, Juliano Jorge Boraczynski; e a geóloga Gleice dos Santos Reis.
Juliano, irmão do ex-deputado Romualdo Júnior (falecido em março deste ano), havia sido nomeado consultor adjunto de regularização fundiária da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) em março, com salário líquido de R$ 10.426,00, mas foi exonerado do cargo no mesmo dia da operação.
Em 2024, o Governo de Mato Grosso decidiu pela extinção da Companhia Mato-grossense de Mineração. As atribuições da pasta foram transferidas para a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico.
Segundo a Controladoria-Geral do Estado (CGE), os contratos firmados pela Metamat envolviam obras que não foram executadas nos locais indicados ou foram realizadas em propriedades privadas, como granjas, garimpos e áreas de pastagem.
A operação cumpriu 226 ordens judiciais, incluindo mandados de busca e apreensão, bloqueio de contas bancárias, sequestro de 49 imóveis e o afastamento de servidores. Também foi determinada a proibição de acesso às instalações da Metamat e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado (Sedec).
A portaria foi encaminhada ao juízo do NIPO, à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e à Controladoria-Geral do Estado para ciência e providências.