A disputa judicial envolvendo a Fábrica de Cuiabá ganhou novos contornos a partir de análises processuais que apontam para um modelo de operação no qual o Grupo Safras, atualmente em processo de recuperação judicial, não detém a titularidade do imóvel nem o controle efetivo da produção. O debate gira em torno da chamada “essencialidade” da unidade fabril, conceito usado pela empresa para justificar sua manutenção como parte estratégica das atividades do grupo.
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Apesar de alegar que a unidade representa mais de 30% do faturamento em 2024, a fábrica não faz parte do patrimônio da Safras Agroindustrial S.A., conforme documentos apresentados nos autos. O imóvel pertence à Carbon Participações, após adjudicação em processo falimentar da Olvepar S.A., e é ocupado pela Safras sem respaldo jurídico, o que foi caracterizado judicialmente como esbulho.
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o juízo da recuperação judicial não tem competência para declarar como essencial um bem que não pertence à empresa em recuperação, muito menos quando a recuperanda não possui nem mesmo um contrato de aluguel. Nesse cenário, a discussão sobre a fábrica de Cuiabá esbarra nos limites da jurisdição e da posse legítima.
Outro ponto levantado é o contrato firmado entre o Grupo Safras e a BTG Commodities, nome social da Engelhart CTP Brasil S.A. e integrada ao banco BTG Pactual, que opera sob o modelo de “industrialização por encomenda”. Segundo os autos, o BTG fornece os insumos, controla a logística e define margens operacionais, enquanto a Safras executa uma aparente prestação de serviço. A operação é amparada por contratos nos quais as receitas são direcionadas a contas vinculadas e os custos, reembolsados sob gestão exclusivo do BTG.
Esse arranjo contratual, segundo documentos analisados no processo, também estabelece divisão de créditos fiscais, como os créditos presumidos de PIS e Cofins, em partes iguais entre as empresas. Além disso, a Safras figura como beneficiária do PRODEIC – Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso –, o que permite redução da carga tributária da planta industrial e transferiria assim esse benefício ao BTG.
A partir desses elementos, surgem questionamentos sobre quem, de fato, usufrui dos incentivos fiscais e do controle sobre a operação. A Justiça de Mato Grosso será responsável por decidir se a fábrica pode ou não ser considerada essencial às atividades da empresa em recuperação, diante da complexidade contratual e da titularidade do imóvel.
O caso segue em tramitação judicial e poderá definir não apenas o destino da unidade fabril, mas também os parâmetros sobre o uso de estruturas societárias e contratuais no contexto de recuperação judicial.