Supermercados, time de futebol amador, empresas, ligações com agentes públicos, casa noturnas e shows nacionais: 2024 foi marcado por desarticular dois grandes núcleos do Comando Vermelho em MT, responsáveis por lavar mais de R$ 100 milhões proveniente das atividades delituosas da facção, como o tráfico de drogas.
Ragnatela
Em junho, a Polícia Federal deflagrou a operação Ragnatela para combater a lavagem de dinheiro orquestrada pelo grupo, que conta com integrantes do Comando Vermelho, empresários, promotores de eventos, e agentes públicos.
Casas de shows, lava jato, restaurantes e estabelecimentos comerciais eram usados como fachada para camuflar a origem ilícita dos valores obtidos. Segundo a PF, o vereador Paulo Henrique (MDB), réu no âmbito da Pubblicare, desdobramento da Ragnatela, é acusado de usar sua influência na obtenção licenças por meio de fiscais da Prefeitura da Capital em benefício ao grupo do Comando Vermelho para realização de shows nacionais na capital.
A reportagem apurou que o empresário e dono do Dallas Bar, que foi comprado por R$ 800 mil pela facção criminosa, Willian Aparecido da Costa Pereira foi preso. Já o DJ Everton Muniz, mais conhecido como Everton Detona, foi alvo de busca e apreensão. O foco da investigação é desbaratar esquema de lavagem de dinheiro, na casa dos R$ 50 milhões.
A autoridade policial também apontou que servidores de uma secretaria do município também estão envolvidos no esquema. Isso porque, eles eram responsáveis pela fiscalização dessas casas noturnas, além da concessão das autorizações para a realização de shows.
O esquema ganhou evidência após uma apresentação do cantor nacional MC Daniel ser interrompida por conta do comportamento hostil do público com o artista apenas por ele ser do estado de São Paulo, dominado por uma facção rival, o Primeiro Comando da Capial (PCC).
Liderança e operadores
Pessoa identificada como Joadir Alves Gonçalves, vulgo Jogador, seria a liderança, repassando os recursos investidos na aquisição de casas noturnas e realização de shows e eventos.
Joadir, segundo investigação, recebe o dinheiro de integrantes da parte operacional da facção, ou seja, de Joanilson de Lima Oliveira, vulgo Japão e Joao Lennon Arruda de Souza, após o recolhimento da venda de drogas.
Promotores de eventos
O investimento, em sua grande maioria em espécie, é repassado por Willian Aparecido da Costa Pereira, vulgo Gordão, para os operadores e promotores de eventos Rodrigo de Souza Leal e Elzyo Jardel Xavier Pires, com objetivo de custearem parte dos shows no Dallas Bar e em outras casas noturnas identificadas pelas investigações.
Ainda conforme a investigação, para a realização de determinados shows, Rodrigo e Jardel também contam com o investimento de um grupo de promoters denominado G12 Eventos.
Contabilidade
Investigação relata ainda que após a realização dos eventos, a contabilidade é efetivada e os lucros são repartidos por Eodrigo e Kamilla Beretta Bertoni, proporcionalmente, aos investidores e idealizadores: os membros do G12 e integrantes do Comando Vermelho.
A repartição do dinheiro, segundo investigação, ocorre por meio de depósitos fracionados para evitar as identificações dos depositantes e origem ilícita dos valores distribuídos; há ainda utilização de empresas de fachada para ocultar as transações, como é o caso da Dom Carmindo Lava Jato e Conveniência, W A da Costa Pereira (Expresso Lava Car e/ou Complexo Beira Rio), Restaurante e Peixaria Mangueira Ltda, Dallas Bar Eireli e Strick Pub Bistro e Restaurante Ltda.
Agentes públicos
No tocante à operacionalização dos eventos e funcionamento das casas noturnas, investigação cita o papel desempenhado pelo vereador Paulo Henrique de Figueiredo, pelo secretário adjunto da Secretaria Municipal de Ordem Pública e Defesa Civil de Cuiabá, Benedito Alfredo Granja Fontes e do agente de Regulação e Fiscalização, Rodrigo Anderson de Arruda Rosa.
“O grupo criminoso conta com o auxílio dos agentes supracitados, os quais flexibilizam a concessão de licenças e alvarás durante a realização dos eventos, recebendo, em contrapartida, benefícios financeiros de forma direta e indireta do grupo responsável pela promoção dos shows, ou seja, G12 EVENTOS e integrantes do Comando Vermelho”.
Grupo G12
Quanto ao grupo G12 Eventos, durante as investigações, através da análise dos dados telemáticos, telefônicos e diligências de campo e, principalmente, através do afastamento do sigilo bancário, foi possível identificar a grande maioria de seus integrantes.
Sócios
Ainda conforme revelado, identificou-se a participação dos sócios do grupo criminoso Clawilson Almeida Lacava, vulgo Gauchinho, e Lauriano Silva Gomes da Cruz, nas casas noturnas em que os eventos eram realizados, no intuito principal de dissimular a propriedade e verdadeira atividade das empresas de eventos.
Em paralelo, identificou-se outro indivíduo, de nome Agner Luiz Pereira de Oliveira Soares, responsável pela rentabilidade dos lucros obtidos com os shows e venda de entorpecentes, através de empréstimo a juros abusivos, bem como no fornecimento de veículos para o grupo.
Transferência de lideranças
Por fim, descortinou-se um esquema de transferência de lideranças do Comando Vermelho para presídios de menor rigor penitenciário, a fim de possibilitar a comunicação com os demais integrantes que estão em liberdade, o qual conta com a importante participação de Luiz Otavio Natalino, policial penal do Estado, em conluio com o ex-diretor do presídio de Carumbé, Winkler de Freitas Teles.
“Apito Final”
Deflagrada em abril, a operação Apito Final é resultado de dois anos de investigação da Gerência de Combate ao Crime Organizado, com objetivo de desarticular um esquema de lavagem de dinheiro criado por integrantes do Comando, em Cuiabá.
Conforme as investigações, conduzidas pelos delegados Gustavo Belão, Rafael Scatolon e Frederico Murta, após deixar a prisão, em outubro de 2021, Paulo Witer, o WT, que já integrava a facção criminosa, se tornou tesoureiro do grupo e passou a movimentar cifra milionária, por meio de diversos esquemas de compra e venda de imóveis e veículos, além de um time de futebol amador, o qual Soldado era o centroavante, para dissimular e ocultar a origem ilícita dos valores. Apenas no período apurado, a movimentação alcançou, pelo menos, R$ 65,9 milhões.
Investigações apontaram ainda que o Supermercado Alice, que fica localizado no bairro Figueirinha, em Várzea Grande, foi usado pelo grupo de WT para lavagem de dinheiro.
A empresa foi constituída no final de 2020 e tinha como sócio-administrador a sogra de WT, Maria Aparecida Coluna Almeida. Entretanto, Maria emitiu uma procuração em nome de Alex Junior Santos de Alencar, o Junior Soldado, considerado braço direito de Paulo Witer. Em maio de 2021, Fagner Farias Paelo, irmão de WT, também passou a administrar o empreendimento, o qual comprou de Maria em outubro daquele ano.
Além das atividades suspeitas relativas à constituição da empresa, os investigadores também identificaram a tentativa de dissimular valores ilícitos por meio do supermercado.
Para montar o empreendimento, Maria teria pago R$ 60 mil nos dois terrenos onde o mercado está localizado. No entanto, não houve movimentação bancária relativa à compra. Meses depois, ao transferir o imóvel para Fagner, Maria recebeu R$ 563 mil, demonstrando uma supervalorização de mais de 800% no imóvel.
Enquanto era monitorado por tornozeleira eletrônica, cuja localização marcava em Cuiabá, no dia 30 de dezembro de 2023, Paulo Witer Farias, o Paulo WT, na verdade estava em Balneário Camboriú, onde desfrutava de fim de semana para comemorar a virada de ano com seus comparsas do Comando Vermelho. Ali, ele saltou de paraquedas e, na sequência, partiu para o Rio de Janeiro e depois Maceió, sempre hospedado em locais de luxo à beira-mar. Ele burlou o sistema de monitoramento para curtir as "férias".
A movimentação do líder contábil da facção em Mato Grosso foi revelada por investigação da Operação Apito Final. Embora estivesse localizado em Balneário, onde saltou de paraquedas e desfrutou dos melhores restaurantes, bares, praias e hotéis de luxo, junto aos seus comparsas, o monitoramento marcava que ele estava em Cuiabá, aproveitando-se das falhas do equipamento, na casa que ele adquiriu dentro de um condomínio de área valorizada.
As investigações concluíram que Witer e seus quatro comparsas saíram de Mato Grosso à Santa Catarina em uma caminhonete, Amarok, saindo no dia 27 de dezembro e chegando ao destino no dia 29. Eles ficaram em Camboriú até o dia 1º de janeiro, quando retornaram à capital.
Rio de Janeiro foi o segundo destino dos criminosos. Na orla carioca, eles se hospedaram em hotel de alto padrão e, conforme as informações da polícia, eles partiram do Aeroporto Marechal Rondon em 17 de março e ficaram no Rio até o dia 28. Depois, partiram para Maceió.
Na capital de Alagoas, WT se reuniu a outros comparsas e se hospedou em um resort urbano, na praia de Jatiúca, uma das melhores localizações da cidade. Ali, eles gastaram mais R$70 mil nas suítes de luxo.
Paulo Witer, Andrew, Alex Júnior e Tayrone Fernandes de Souza acompanharam o time “Amigos WT” em um torneio de futebol em Maceió. O time amador foi criado por Witer para lavar os dinheiros obtidos pela facção criminosa.
Eles foram presos no dia 29, em Alagoas, no âmbito da primeira fase da Operação Apito Final, cujos mandados de prisão foram expedidos pelo Núcleo de Inquéritos Policial (Nipo) de Cuiabá.
No momento da prisão em Maceió, Paulo Witer também não utilizava a tornozeleira eletrônica, mais uma vez descumprindo as medidas judiciais. Conforme os delegados Gustavo Belão e Rafael Scatolon, as movimentações de WT demonstram que o sistema estatal é falho e, em vários momentos, inoperante.
No dia 02 de abril, o advogado de Paulo Witer, Jonas Cândido e também investigado como integrante da organização criminosa, foi preso na capital alagoana, onde estava a serviço do cliente. Paulo e os comparsas foram transferidos para Cuiabá em abril, por ordem do juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, do Nipo.
Alvos da Ragnatela
1. JOADIR ALVES GONCALVES, vulgo JOGADOR ou VEIO ou JOGA;
2. WILLIAN APARECIDO DA COSTA PEREIRA, vulgo WILLIAN GORDÃO;
3. RODRIGO DE SOUZA LEAL, vulgo LEAL;
4. ELIZYO JARDEL XAVIER PIRES, vulgo JARDEL;
5. WILSON CARLOS DA COSTA, vulgo VAMPIRO;
6. RENAN DIEGO DOS SANTOS JOSETTI, vulgo RD;
7. RAFAEL PIAIA PAEL;
8. DANILO LIMA DE OLIVEIRA;
9. VINICIUS PEREIRA DA SILVA, vulgo JABÁ;
10. ANTIDIA TATIANE MOURA RIBEIRO, vulgo TATY;
11. ANA CRISTINA BRAUNA FREITAS, vulgo ANNA;
12. STHEFFANY XAVIER DE MELO SILVA, vulgo XAVIER;
13. MATHEUS ARAUJO BARBOSA, vulgo ARAÚJO;
14. EVERTON MARCELINO MUNIZ, vulgo DETONA;
15. VINICIUS BARBOZA DA SILVA, vulgo MELÃO;
16. MESTRE: Não qualificado.