Dentre as diversas operações autorizadas pela Justiça de Mato Grosso em 2024, destaca-se a Ragnatela e seu desdobramento, a Pubblicare, responsável por afastar o vereador Paulo Henrique de Figueiredo (MDB) da Câmara de Cuiabá, por suspeita de ligação e liderança com o Comando Vermelho, em esquema que lavou mais de R$ 60 milhões via shows nacionais e baladas na capital.
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No último andamento do caso, o juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra, da 7ª Vara Criminal da capital, manteve a tornozeleira imposta em Paulo Henrique, em ordem proferida no dia 11 de dezembro. Agora, enquanto aguarda ser julgado pela Justiça, ele teve o mandato cassado pela unanimidade dos parlamentares da Câmara Municipal, no último dia 6.
O emedebista foi o principal alvo da Operação Pubblicare, desdobramento da Ragnatela, a qual culminou na sua prisão. Dias depois, por força de habeas corpus, ele foi solto mediante o cumprimento de medidas cautelares como o monitoramento eletrônico, proibição de manter contato com os demais investigados e de se ausentar da comarca. Ele também teve os bens confiscados.
A promotora Valnice Silva dos Santos, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), anotou que a tornozeleira se justifica para garantir a normal tramitação do processo, a ordem pública e evitar que os investigados voltem a delinquir.
No dia 20 de setembro, o Núcleo de Inquéritos Policiais (Nipo), responsável por autorizar a ofensiva da PF, também determinou o bloqueio de R$ 1 milhão das contas de José Marcio Ambrosio, acusado de ser o laranja e motorista do vereador. Além disso, o magistrado sequestrou uma chácara e dois carros de Paulo.
Constatando que Paulo e os demais transacionavam valores expressivos e incompatíveis com as respectivas rendas, na casa dos milhões, os quais não detinham lastro de legalidade, o juiz, então, mandou sequestrar do vereador um Renaut Sandero, um Jeep Renegade e um imóvel situado na Chácara Três Morros Aguaçu, em Cuiabá.
Na decisão que autorizou a Publiccare, o juiz João Francisco Campos de Almeida constatou que o vereador figura como espécie de liderança de um núcleo responsável por corrupção e lavagem de dinheiro, via recebimento de propina de promotores de eventos na capital, sendo a maioria integrantes do Comando Vermelho, que se utilizam de casas noturnas para também lavar milhões de reais obtidos com práticas criminosas.
Na ordem, o juiz constatou que Paulo, por exercer os cargos de vereador na capital e presidente do Sindicato dos agentes de fiscalização e regulação da Secretaria de Ordem Pública e Defesa Civil de Cuiabá (SORP), possui grande influência dentre os fiscais da pasta, e até mesmo com autoridades integrantes da referida secretaria municipal, o que lhe permitiu exercer a liderança do esquema criminoso.
“Conforme detalhado em linhas pretéritas, identificou-se inúmeros elementos comprovando o recebimento de propinas de promotores/ de eventos e até mesmo da facção criminosa Comando Vermelho, através de WILLIAN GORDÃO não restando dúvidas quanto à prática do crime de corrupção passiva e organização criminosa”, anotou o juiz.
As investigações também resultaram na identificação de vários elementos que configuram a lavagem de dinheiro, sobretudo porque Paulo usa de “laranjas” para receber valores da corrupção e utilização dessas pessoas para ocultar patrimônio, a exemplo de seu veículo Jeep Compass, o qual foi sequestrado.
O fato de maior gravidade, elencado pela PF e destacado pelo juiz, ocorreu em fevereiro deste ano, poucos meses antes da prisão dos alvos da primeira fase da ação, a Ragnatela. Na ocasião, a investigação flagrou que, no dia 15 daquele mês, Paulo participou de uma ligação em grupo com a liderança do CV, Joadir vulgo “Jogador”, e uma reunião presencial com o referido criminoso, para tratar de punição aplicada ao seu assessor, Rodrigo Leal (preso na primeira fase), “demonstrando que possui influência perante a referida facção”.
As investigações constataram que Paulo, na condição de vereador e presidente do Sindicato dos Agentes de Fiscalização do Município de Cuiabá, apresentou movimentações financeiras entre junho de 2023 e junho de 2024 incompatíveis com sua renda declarada de R$ 36.360.00.
Nesse período, ele recebeu R$ 1.2 milhão em sua conta no Banco do Brasil, provenientes principalmente de PIX (R$ 408 mil), DOC/TED (R$ 227 mil), ordem bancária (R$ 211 mil), depósitos online TAA (R$ 168 mil) e proventos (R$ 165 mil).
Os remetentes de destaque foram o próprio Paulo Henrique de Figueiredo (R$ 224.357.86), José Márcio Ambrósio Vieira (R$ 50.483.09), José Maria Assunção (R$ 11.890.00), Luany Vieira Masson (R$ 8.459,33), Marcelo Ambrósio Vieira (R$ 7.497.00), Rodrigo de Souza Leal (R$ 6.000,00), Maria Edinalva Ambrósio Vieira(R$ 5.178,33), Marcia Maria Ambrósio Vieira Santos (R$ 2.982,00), Marilene Ambrósio Vieira (R$ 2.279.01) e Elzyo Jardel Xavier Pires (R$ 1.500,00).
Entre os principais destinatários das transações de Paulo Henrique destacam-se Josiane Patricia da Costa Figueiredo (R$ 36.000,00), Luany Vieira Masson (R$ 35.354.70), Luis Wagner Cerqueira da Silva (R$ 31.500,00), José Maria Assunção (R$ 17.900.00), Willian Aparecido da Costa Pereira, o ‘Willian Gordão’(R$ 13.850.00), que está preso desde a primeira fase da operação, e Sueley Aparecida da Silva Souza Fontes (R$ 5.500,00).
Ragnatela
Em junho, a Polícia Federal deflagrou a operação Ragnatela para combater a lavagem de dinheiro orquestrada pelo grupo, que conta com integrantes do Comando Vermelho, empresários, promotores de eventos, e agentes públicos.
Casas de shows, lava jato, restaurantes e estabelecimentos comerciais eram usados como fachada para camuflar a origem ilícita dos valores obtidos. Segundo a PF, o vereador Paulo Henrique (MDB), réu no âmbito da Pubblicare, desdobramento da Ragnatela, é acusado de usar sua influência na obtenção licenças por meio de fiscais da Prefeitura da Capital em benefício ao grupo do Comando Vermelho para realização de shows nacionais na capital.
A reportagem apurou que o empresário e dono do Dallas Bar, que foi comprado por R$ 800 mil pela facção criminosa, Willian Aparecido da Costa Pereira foi preso. Já o DJ Everton Muniz, mais conhecido como Everton Detona, foi alvo de busca e apreensão. O foco da investigação é desbaratar esquema de lavagem de dinheiro.
A autoridade policial também apontou que servidores de uma secretaria do município também estão envolvidos no esquema. Isso porque, eles eram responsáveis pela fiscalização dessas casas noturnas, além da concessão das autorizações para a realização de shows.
O esquema ganhou evidência após uma apresentação do cantor nacional MC Daniel ser interrompida por conta do comportamento hostil do público com o artista apenas por ele ser do estado de São Paulo, dominado por uma facção rival, o Primeiro Comando da Capial (PCC).