Após o Governo de Mato Grosso fechar o cerco contra o crime organizado, inclusive endurecendo medidas dentro dos presídios, o desembargador Orlando Perri, que coordena grupo de fiscalização do sistema carcerário no estado, defendeu que juízes, políticos e até mesmo diretores de presídios sejam proibidos de entrarem com aparelhos de celular dentro das penitenciárias.
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Declaração de Perri foi dada nesta segunda-feira (16), quando ele foi questionado sobre o caso da dentista A.P.F.S., presa em flagrante na última sexta-feira (13) ao tentar entrar na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May com diversos celulares, fones de ouvido e carregadores escondidos em seu jaleco. Depois do flagrante, ela foi solta.
“Eu defendo sim o silêncio dos celulares dentro das unidades prisionais. Eu particularmente defendo que nem o governador, nem o presidente da República, nem o juiz, nem o desembargador, nem o diretor do presídio pode entrar com o celular dentro da unidade”, disse o decano da Corte, que também sugeriu comunicação interna via rádio.
Para defender o argumento de restrição total, Perri disse que se apenas algumas pessoas entrarem com os aparelhos nas unidades, haverá uma mudança no tipo do uso, a qual passará do comércio de aquisição de celulares para o aluguel dos mesmos.
“A comunicação lá dentro deve se dar por rádio. Todos, todos, absolutamente todos, têm que ser proibidos a deixar seus celulares fora da unidade prisional. Só assim nós vamos começar a combater essa questão de uso dos celulares, porque se nós deixarmos também essas pessoas todas proibindo alguns e deixando essas pessoas todas nós não vamos acabar com o comércio, a aquisição de celulares mas nós vamos criar um outro tipo de comércio que é aluguel dos celulares”, disse.
Sobre a soltura da dentista, o magistrado explicou que a lei não permite a manutenção da prisão em casos de crimes de menor potencial ofensivo, como é o caso do delito de entrar com bens proibidos nas unidades prisionais.
Por isso, Perri reforçou a necessidade de se respeitar a legislação vigente. Para ele, o excesso de prisões em casos similares reflete um descompasso entre a legislação e sua interpretação, reiterando que a privação de liberdade deve ser a última medida adotada pelo juiz.
Neste cenário, ele criticou a crença de que aumentar ou endurecer as penas criminais resolveriam os problemas de criminalidade no país. Perri analisou que o principal fator de desestímulo ao crime não é a severidade das punições, mas a certeza de que elas serão aplicadas.
Ele citou o exemplo dos Estados Unidos, onde existem penas severas, incluindo a pena de morte, as quais, contudo, não garantem redução da criminalidade. O decano defendeu que a verdadeira solução está na educação, inclusão social e combate à miséria, questões que, segundo ele, são negligenciadas no Brasil, onde mais de 33 milhões de pessoas vivem em situação de fome.
“Nós temos que cuidar da população, tirá-los da miséria, porque a miséria é um fator importantíssimo na criminalidade. Então é bonito muitas vezes se fazer discursos, temos que aumentar as penas desse país, vamos cuidar daquelas pessoas, vamos incluí-las socialmente. Por que países, tem muitos países europeus que estão fechando os seus presídios? Por que? Vocês já se perguntaram? Não é pela criação de penas mais duras. Claro que não! Eu tô dizendo, nos Estados Unidos nós temos pena de morte, pena prisão perpétua. Mas nem por isso o crime diminuiu lá”, completou.
No último mês, o Governo de Mato Grosso endureceu o combate ao crime organizado no estado, e lançou o programa Tolerância Zero, o qual já cumpriu algumas operações dentro das unidades penitenciárias. As varredeuras têm apreendido celulares, drogas e materiais de comunicação. Para se ter uma ideia, numa dessas batidas, os policiais penais apreenderam 90 celulares e 267 porções de drogas nas cadeias.
Na última sexta-feira (13), A.P.F.S. foi detida ao tentar entrar na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May com diversos celulares, fones de ouvido e carregadores escondidos em seu jaleco. A dentista foi flagrada durante revista realizada por policiais penais. Segundo boletim de ocorrência, a profissional estava realizando tratamento odontológico em reeducandas, de forma terceirizada.
A policial disse que estava de plantão no momento da ocorrência e que a dentista foi flagrada durante uma revista de rotina e encaminhada para a delegacia. No entanto, segundo a policial, a profissional foi liberada horas depois por decisão do delegado por considerar “o crime de menor potencial ofensivo".
Em suas redes sociais, Maylu Nepomuceno detonou a decisão do delegado e afirmou que os policiais penais não têm seu “trabalho valorizado e o nome destacado”.
“Essa dentista que foi pega com vários celulares que ela ia entrar para entregar para uma presa, foi feito todo o procedimento necessário para ela ser encaminhada para a delegacia. E hoje, diante do que aconteceu, eu quero dizer que essa delinquente foi levada para a delegacia. E chegando lá o delegado entendeu que o crime que ela cometeu é um crime de menor potencial ofensivo”, disse.
“Então, o que aconteceu? Ela foi para casa, vai responder em liberdade. Então, mais ou menos que 10 horas da noite ela já estava na casa dela, na caminha dela. E eu que estava trabalhando, ganhando meu pão e fazendo o extraordinário, eu cheguei em casa, eram mais de 7h30. Infelizmente, isso é recorrente. Os policiais penais que se dedicam e se comprometem e fazem o serviço, não têm o nome destacado. E nem é falado que foi feito por policiais penais, não”, completou.
Ela reclamou que os policiais penais não têm a mesma visibilidade que a PM. Segundo ela, a “honrada PM” pode mostrar seu trabalhos, mas os agentes prisionais não.
“O nosso serviço é um serviço silencioso, não da mídia. A gente não pode estar na mídia. Diferente da nossa honrada polícia militar, que pode mostrar a pessoa apreendida e tal. E eu gostaria muito que, é um desejo nosso, eu acredito de todos nós, que esses policiais penais honrados e valorosos fossem valorizados. Porque é importante que as pessoas nos ouçam, nos vejam. E eu estou aqui hoje para fazer isso”.
A crítica da policial foi compartilhada pelo presidente da Associação dos Policiais Penais de MT, o ex-deputado estadual Dr. João Batista.”