A trama revelada pelas Polícia Federal (PF) ao interceptar os diálogos travados entre o advogado Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro de 2023, e o empresário Andreson de Oliveira Gonçalves, acusado de ser um “lobista” no Poder Judiciário do país, evidenciou, também, que o jurista temia ser executado em 2021 justamente por conta de uma negociação envolvendo venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
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Caso envolve intricada rede de influência e tentativa de manipulação judicial disputa sobre a posse de uma extensa fazenda em Santa Terezinha, Mato Grosso. O valor da propriedade, superior a R$ 15 milhões, destaca a relevância econômica e jurídica do litígio, que foi objeto de negociação nos bastidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre Zampieri e Andreson.
De acordo com diálogos flagrados em 24 de junho de 2021, Zampieri encaminhou um arquivo ao lobista, demonstrando sua preocupação em uma negociata de sentenças no STJ, em ação envolvendo terras de Santa Terezinha, a 1.300km de Cuiabá, em relação a uma fazenda de 10 mil hectares. Zampieri atuava como advogado de 21 pessoas que tentavam no STJ manter a posse do imóvel.
No dia anterior, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, surge como figura central no processo ao proferir uma decisão que não atendia aos interesses de Zampieri, o que provocou uma reação desesperada.
Os diálogos mostram insistentes apelos, nos quais o advogado implora que a decisão seja “corrigida”, expressando temor por sua situação pessoal: “Por favor, veja com sua amiga… se não, estou morto, meu amigo”. A referência a “Valesca” ou variações do nome reforça a tentativa de intervenção, embora a sindicância investigativa do STJ não tenha conseguido determinar com clareza qual servidora poderia estar envolvida.
A participação de Waleska é mencionada, mas sem provas concretas que a vinculem diretamente ao esquema. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) destaca a necessidade de aprofundamento nas investigações, apontando para a existência de três servidoras com nomes semelhantes que poderiam ter acesso aos autos.
Outro elemento relevante é a menção a valores e negociações, como o pedido de que fossem preparados R$ 200 mil, o que insinua potencial transação ilícita para assegurar o desfecho favorável. A alegação de Andreson de que o caso envolvia uma “fazenda grande” reforça a dimensão do litígio.
Após Andrson entrar nos bastidores, a competência foi alterada e, com isso, o processo foi encaminhado para a 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (TJSP), conforme solicitado pela empresa Agropecuária Lago Grande S.A (com sede em Confresa).
Descontente com a decisão, e usando as expressões “tô morto”, Zampieri mandou a seguinte mensagem para Andreson de Oliveira: [Zampieri]: “Opa. Agora eu To morto meu amigo”. [Zampieri]: “Por favor veja com sua amiga o que tem que ser feito p ELA CORRIGIR ESSA DECISÃO, se não eu to morto meu amigo”.
[Zampieri]: “Por favor, passe p ela e veja se pode ser assim. Obrigado”.
Dias depois, Andreson confirmou a Zampieri, via áudio, que a assessora já havia sido cobrado e que o processo tramitaria de acordo com os respectivos interesses.
Os fatos constam nas investigações que resultaram na Operação Sisamnes, deflagrada nesta terça-feira (26) contra esquema de venda de sentenças no Poder Judiciário do país. Ofensiva resultou na prisão do empresário Anderson Gonçalves e na imposição de tornozeleira, bem como no afastamento dos magistrados Sebastião e João Ferreira Filho, ambos do TJMT.
A operação
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou monitoramento eletrônico de advogados, empresários, desembargadores e de assessores e filho de magistrados no âmbito da Operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira (26). A ofensiva resultou na prisão do empresário Andreson Gonçalves e na instalação de tornozeleira nos desembargadores Sebastião de Moraes e João Ferreira Filho, afastados das funções desde agosto por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Serão monitorados Valdoir Slapak, Flaviano Kleber Taques Figueiredo (candidato a vaga de desembargador do TJ), Andreson de Oliveira Gonçalves (empresário preso acusado de ser o principal lobista do esquema), Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves (advogada esposa de Andreson e atuante na defesa de envolvidos no “Escândalo da Maçonaria”), Haroldo Augusto Filho, Mauro Thadeu Prado de Moraes, Rodrigo Vechiato da Silveira e Rafael Macedo Martins.
Haroldo Augusto Filho, sócio da empresa Fource Mineração LTDA., juntamento com Valdoir Slapak. Os dois também são do grupo econômico Fource. Mauro Thadeu Prado de Moraes - filho de Sebastião de Moraes; Rodrigo Vechiato da Silveira - advogado e ex-assessor de Sebastião de Moraes e Rafael Macedo Martins, servidor do TJMT lotado no gabinete de Sebastião.
A operação de hoje, além de mirar o empresário e os dois magistrados, também tem como alvos assessores do gabinete de ministra Isabel Galloti, Nancy Andrigui e Og Fernandes.
As investigações apontam para um suposto esquema de venda de decisões judiciais, envolvendo advogados, lobistas, empresários, assessores, chefes de gabinete e magistrados. De acordo com as apurações, os investigados solicitavam valores para beneficiar partes em processos judiciais, por meio de decisões favoráveis aos seus interesses.
Também são investigadas negociações relacionadas ao vazamento de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais.
Além da casa dos desembargadores, os gabinetes na sede do TJMT também foram alvos de cumprimento de mandados.
Andreson já havia sido alvo de outra ação, que resultou no afastamento de cinco magistrados do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.
A Corregedoria Nacional determinou em agosto o afastamento cautelar imediato das funções dos desembargadores Sebastião e João Ferreira. O Corregedor Nacional, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a instauração de reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra do sigilo bancário e de servidores do TJMT, referente aos últimos cinco anos.
Há indícios de que os magistrados mantinham amizade íntima com o falecido advogado Roberto Zampieri – o que os tornaria suspeitos para decidir processos patrocinados pelo referido causídico – e recebiam vantagens financeiras indevidas e presentes de elevado valor para julgarem recursos de acordo com os interesses de Zampieri.
O nome da operação faz referência a um episódio da mitologia persa, durante o reinado de Cambises II da Pérsia, que narra a história do juiz Sisamnes. Ele teria aceitado um suborno para proferir uma sentença injusta.