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Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

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OFFICE CRIME

Escritório do crime: 10 dias antes de ser morto, Nery reclamou na OAB contra advogados alvos de operação

Foto: Reprodução

Antônio e Renato

Antônio e Renato

Exatos 10 dias antes de ser assassinado a tiros em Cuiabá, o advogado Renato Nery havia pedido para a OAB-MT que investigasse a conduta dos advogados Antônio João de Carvalho Júnior e Gaylussac Dantas de Araujo. Nery acusa Antônio de chefiar um “escritório do crime” que, por meio de manobras processuais, atuaria fraudando disputa de terras em Mato Grosso para “tomar” as propriedades. Nesta quinta-feira (28), então, o trio foi alvo da polícia por suspeita de envolvimento no assassinato.


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Enquanto chegava no seu escritório no dia 5 de julho, na Avenida Fernando Corrêa, capital, Nery foi surpreendido pelo seu algoz, que lhe alvejou diversas vezes. Nery foi socorrido às pressas, mas não resistiu aos ferimentos e morreu um dia depois.

No dia 26 de junho, Renato ajuizava a reclamação disciplinar contra Antônio e Dantas, dizendo que eles surrupiaram seus honorários conquistados em um árduo litígio de terras, praticando o que ele chamava de “advocacia chicana”. Na manhã de hoje, então, a Polícia Civil deflagrou a Operação Office Crime e cumpriu mandados de busca e apreensão.

A empresária identificada como Julineri Goulart, de Primavera do Leste, também foi alvo, assim como pessoa identificada como César Jorge. A investigação está sob sigilo. Não há detalhes sobre individualização das condutas. César seria casado com Julineri. 

Os mandados em Cuiabá foram cumpridos nos condomínios Florais dos Logas, Florais Cuiabá e Terra Selvagem Golf Club. Em Primavera do Leste, no condomínio Cidade Jardim.  Durante a investigação, foi confirmado que o ex-presidente da OAB-MT foi morto por envolvimento nos processos de disputa de terra. Além disso, foi constatado o envolvimento de advogados e empresários.

Representação

No dia 26 de junho, Nery protocolou a reclamação ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-MT: “Há um verdadeiro formigueiro humano preparado para usurpar direito do Representante [Renato Nery] receber seus honorários duramente obtidos no longo processo de reintegração de posse”, escreveu o advogado. 

No documento, Nery acusou o advogado Antônio João de Carvalho Júnior de supostamente ser proprietário de um escritório do crime. Renato sugeria que Antônio João Carvalho Júnior seria líder de esquema no Judiciário mato-grossense para apropriação indevida de propriedades, incluindo um caso que ele advogou, o qual resultou, como pagamento de honorários, no recebimento de milhares de hectares de terras.

A história, segundo Nery, remonta ao início dos anos 1980, quando Maria Selma Valoes entrou com uma ação de reintegração de posse contra Manoel Cruz Fernandes, pleiteando 5.300 hectares de terra em Barra do Garças. Em uma decisão controversa, desembargador Sebastião de Moraes Filho concedeu à autora 12.413 hectares, mais que o dobro do solicitado, uma decisão posteriormente revertida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1992.

Desde então, o cumprimento da decisão do STJ, a qual ordenou que o excedente das terras fosse devolvido à Nery, tem sido dificultado, segundo a reclamação, por manobras judiciais de Antônio, classificadas por Renato como “chicanas”.

Ele relembrou ainda o assassinato do seu colega de profissão, Roberto Zampieri, executado a tiros sete meses antes, em 5 de dezembro de 2023, também envolvido em disputa de terras e, coincidentemente, ou não, também com relação junto ao desembargador Sebastião de Moraes. Este último, por sua vez, foi alvo nesta semana de operação por suspeita de esquema de venda de sentenças. Ele está afastado das suas funções desde 1 de agosto, por ordem do CNJ e, segunda, Cristiano Zanin lhe impôs o uso de tornozeleira.

“O Representado [Antônio João de Carvalho Júnior] tem antecedentes nesse tipo se coação (concluiu com o mesmo Des. Sebastião) que amedrontam seus adversários. E esse membro do tribunal faz questão de se autoelogiar, passando imagem surrealista sobre sua honestidade. No entanto, está em apuração pelo CNJ sua atuação em processo que importa em elevada disputa possessória onde houve rumoroso caso de assassinato de um advogado. Ele teria considerado pelo próprio órgão o autor de uma decisão que causou a morte do Dr. Roberto Zampieri em Cuiabá-MT”, diz outro trecho da representação. 

Três dias após a execução de Nery, Antônio concedeu entrevista exclusiva ao Olhar Jurídico, ocasião em que negou veementemente qualquer participação no crime. Gaylussac, também alvo hoje, foi quem procurou o OJ para que Carvalho Júnior negasse as acusações que pesavam contra ele.

Em 8 de julho, Antônio João de Carvalho Júnior afirmou ao jornalista Arthur Santos da Silva que não sabia da existência da citada representação até publicações na imprensa. Ou seja, o jurista relata ter tomado conhecimento das acusações por parte de Renato apenas após o assassinato do colega.
 
“Eu não tenho conhecimento do nome das pessoas que ele me associa. Mas eu posso afirmar que todas as alegações feitas pelo Renato Nery são levianas, destituídas de fundamento, porque eu atuei de forma técnica no processo. Jamais me vali de ajuda ou interferência de terceiras pessoas ou que qualquer magistrado tenha atuado de forma parcial em processos. Na realidade, nós atuamos de forma técnica e demonstramos que os contratos que Renato juntou nos autos são contratos nulos em que houve uma falsificação deliberada. Nada mais que isso”, comentou. 

Ao Olhar Jurídico, a OAB-MT reforçou que não recebeu denúncia ou informação de ameaça de morte, e que o Tribunal de Eética e Disciplina recebeu as representações disciplinares.

PJC investiga

Após o assassinato de Nery, a Polícia Civil (PJC) abriu linha de investigação para examinar se representação disciplinar apresentada por ele teve influência no planejamento do homicídio que o vitimou. A representação disciplinar proposta por Renato cita suposto “escritório do crime” e pedia investigação contra um advogado e magistrados da Corte. A representação à OAB também foi juntada a um processo em tramitação na Nova Vara Cível de Cuiabá, em 1º de julho.
 
Na peça, Nery, que já presidiu a OAB-MT, faz referência a conjunto de processos, todos envolvendo discussão sobre posse de terras em Mato Grosso. A ação inicial, em andamento há quase 40 anos, versa sobre reintegração de posse em tramitação no município de Barra do Garças.
 
O segundo processo, conforme os autos, tem ligação com aquele de Barra do Garças e trata de ação de nulidade de cessões de posse que ocorreu para pagamento de honorários em nome de Renato.
 
Na representação à OAB, Renato citou o que chamou de “escritório do crime”. A peça nomeia participação de jornalista, médico, advogados e até mesmo de juízes e desembargadores. São levantadas suspeitas sobre mais de 10 pessoas.
 
Na peça assinada por Renato Nery, há citação à execução do advogado Roberto Zampieri, morte em 2023, em Cuiabá, no bairro Bosque da Saúde.  
 
Após construir uma séria de acusações contra diversas pessoas, Renato Nery pediu que fosse instaurado processo administrativo disciplinar contra um advogado na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso.
 
A morte
 
Renato Nery sofreu um atentado na avenida Fernando Correia, em Cuiabá. O advogado recebeu um tiro na cabeça enquanto descia de seu carro para acessar o escritório de advocacia que liderava.
 
Após ser baleado, Renato foi socorrido e encaminhado a uma unidade de saúde particular. O advogado passou por procedimento cirúrgico, mas acabou falecendo. 

Renato Nery foi presidente da OAB-MT na gestão 1989 - 1991. Também atuou como conselheiro federal da Ordem, momento em que acompanhou as discussões sobre a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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