A Polícia Federal (PF) revelou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o advogado Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro de 2023, arrumou um “contrato muito bom” para Mauro Thadeu Prado de Moraes, advogado e filho do desembargador Sebastião de Moraes Filho, do Tribunal de Justiça (TJMT). Há também cobrança
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Os fatos constam nas investigações que resultaram na Operação Sisamnes, deflagrada nesta terça-feira (26) contra esquema de venda de sentenças no Poder Judiciário do país. Ofensiva resultou na prisão do empresário Anderson Gonçalves e na imposição de tornozeleira, bem como no afastamento dos magistrados Sebastião e João Ferreira Filho, ambos do TJMT.
De acordo com as investigações, que convenceram o ministro Cristiano Zanin autorizar a ação de ontem, no dia 4 de outubro de 2023, Zampieri contou para Sebastião que havia conseguido “um contrato muito bom para o Mauro”.
Segundo a PF, o suposto contrato beneficiaria Mauro e seria uma tentativa de agrado em virtude do pedido relevante que Zampieri teria feito ao desembargador dois dias antes.
Outro ponto citado foi a manobra orquestrada entre Zampieri e o assessor de Sebastião, Rodrigo Vechiato da Silveira, a qual visava interferir em julgamento de um agravo de instrumento. As mensagens interceptadas evidenciaram que Zampieri conseguiu reconsiderar uma decisão mesmo após tendo inicialmente recebido ordem desfavorável no recurso.
Rodrigo, que tinha familiaridade com os trâmites internos, comprometeu-se a “organizar” o desfecho favorável. As menções ao “chefe” (o desembargador) e ao “Rafinha” (Rafael Macedo Martins, assessor responsável por minutas de votos) reforçam a impressão de uma estrutura hierárquica interna utilizada para fins ilícitos.
As conversas entre Rodrigo e Roberto revelaram uma dinâmica de corrupção ativa, onde Zampieri se mostra disposto a pagar valores substanciais para garantir decisões. Termos como “honorários”, empregados nas mensagens, seriam usados para se referir a propinas, segundo a autoridade policial.
Diálogos entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2023 corroboram tal hipótese, com registros explícitos de valores repassados e uma contabilidade informal dos pagamentos.
Um diálogo específico ilustra a como as partes envolvidas negociavam: Zampieri pedia que Rodrigo “pilotasse” o processo com “Rafinha”, indicando uma coordenação precisa e informal, ao mesmo tempo em que confirma com Rodrigo o pagamento de valores.
Numa das conversas, Zampieri perguntou a Rodrigo quanto receberia, se seria R$ 40 mil. Rodrigo respondeu dizendo que seriam 10 mil dólares, aproximadamente R$ 60 mil para Sebastião, R$ 20 mil para Rafael e R$ 42 mil de imposto. Sobraria a Rodrigo e Roberto, R$ 127 mil.
“Roberto Zampieri: “Essa vou fazer p [sic] você pela amizade não precisa pagar nada não”. Rodrigo: “Não Não... se você quiser me dar uma participação do seu aceito kkkk, mas é justo passar. Vou te passar 100 sexta. 60 (aprox. 10 mil dólares) + 40. Acabaram de cumprir lá”. Roberto Zampieri: “Boa tarde. Cumprir a decisão do TJ, isso?”. Rodrigo: “Isso”, diz a conversa.
A operação
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou monitoramento eletrônico de advogados, empresários, desembargadores e de assessores e filho de magistrados no âmbito da Operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira (26). A ofensiva resultou na prisão do empresário Andreson Gonçalves e na instalação de tornozeleira nos desembargadores Sebastião de Moraes e João Ferreira Filho, afastados das funções desde agosto por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Serão monitorados Valdoir Slapak, Flaviano Kleber Taques Figueiredo (candidato a vaga de desembargador do TJ), Andreson de Oliveira Gonçalves (empresário preso acusado de ser o principal lobista do esquema), Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves (advogada esposa de Andreson e atuante na defesa de envolvidos no “Escândalo da Maçonaria”), Haroldo Augusto Filho, Mauro Thadeu Prado de Moraes, Rodrigo Vechiato da Silveira e Rafael Macedo Martins.
Haroldo Augusto Filho, sócio da empresa Fource Mineração LTDA., juntamento com Valdoir Slapak. Os dois também são do grupo econômico Fource. Mauro Thadeu Prado de Moraes - filho de Sebastião de Moraes; Rodrigo Vechiato da Silveira - advogado e ex-assessor de Sebastião de Moraes e Rafael Macedo Martins, servidor do TJMT lotado no gabinete de Sebastião.
A operação de hoje, além de mirar o empresário e os dois magistrados, também tem como alvos assessores do gabinete de ministra Isabel Galloti, Nancy Andrigui e Og Fernandes.
As investigações apontam para um suposto esquema de venda de decisões judiciais, envolvendo advogados, lobistas, empresários, assessores, chefes de gabinete e magistrados. De acordo com as apurações, os investigados solicitavam valores para beneficiar partes em processos judiciais, por meio de decisões favoráveis aos seus interesses.
Também são investigadas negociações relacionadas ao vazamento de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais.
Além da casa dos desembargadores, os gabinetes na sede do TJMT também foram alvos de cumprimento de mandados.
Andreson já havia sido alvo de outra ação, que resultou no afastamento de cinco magistrados do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.
A Corregedoria Nacional determinou em agosto o afastamento cautelar imediato das funções dos desembargadores Sebastião e João Ferreira. O Corregedor Nacional, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a instauração de reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra do sigilo bancário e de servidores do TJMT, referente aos últimos cinco anos.
Há indícios de que os magistrados mantinham amizade íntima com o falecido advogado Roberto Zampieri – o que os tornaria suspeitos para decidir processos patrocinados pelo referido causídico – e recebiam vantagens financeiras indevidas e presentes de elevado valor para julgarem recursos de acordo com os interesses de Zampieri.
O nome da operação faz referência a um episódio da mitologia persa, durante o reinado de Cambises II da Pérsia, que narra a história do juiz Sisamnes. Ele teria aceitado um suborno para proferir uma sentença injusta.