Negociação de habeas corpus por R$ 100 mil e reconsideração de sentença para atender interesses lobistas: entenda os fatos que levaram o ministro Cristiano Zanin, do STF, a impor tornozeleira eletrônica em João Ferreira Filho, bem como afastá-lo do cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
Diversas hipóteses criminais que indicaram a participação de João Ferreira em negociatas de decisões foram levantadas pela Polícia Federal ao Supremo, a partir da análise dos dados extraídos do “Iphone Bomba” de Roberto Zampieri, advogado assassinado com pelo menos 10 tiros em 2023, na capital.
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A relação de proximidade de Zampieri com João Ferreira e Sebastião de Moraes, também desembargador afastado e monitorado, resultou investigações que subsidiaram a operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira (26).
A ofensiva resultou na prisão do empresário Andreson Gonçalves, acusado de atuar como lobista ao lado de Zampieri, e na instalação de tornozeleira nos desembargadores.
Os elementos apresentados pela PF foram extraídos das conversas travadas por Zampieri com João Ferreira, Sebastião e Andreson.
Em 2019, Andreson encaminhou a Zampieri registros de um agravo de instrumento distribuído no TJMT, feito este que tramitou no gabinete de João Ferreira Filho, e tinha uma das partes representadas pela esposa de Andreson, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves – que também foi alvo da operação.
Em uma conversa interceptada, Andreson indaga Zampieri sobre qual seria o valor a ser pago para João Ferreira Filho decidir ao seu favor. “Pergunta se dá e valor. João Ferreira Filho. Prevento”, questionou, tendo Roberto respondido que mais tarde resolveria.
Contudo, os registros demonstraram que o efeito suspensivo pleiteado por Andreson no recurso foi negado por outro julgador, o desembargador Sebastião Barbosa Farias, em vez de João Ferreira. Em janeiro do ano seguinte, então, Zampieri confirmou que aguardaria João Ferreira para que obtivesse uma decisão favorável por meio de pedido de reconsideração.
E foi exatamente isso que aconteceu: assim que João Ferreira retornou à Corte, Roberto conversou com ele e a decisão foi reconsiderada, em 27 de janeiro, nos termos pretendido por Andreson e Zampieri. No mesmo dia, Gonçalves é cobrado por Zampieri: “você consegue aquele valor amanhã”, já que precisaria satisfazer “um amigo aqui”. Na avaliação de Zanin e da PF, tais diálogos demonstram possíveis pagamentos a João Ferreira em troca de sentenças favoráveis.
Em 26 junho de 2021, outra conversa colocou João Ferreira na mira da PF. Nela, Andreson encaminha a Zampieri um auto de prisão em flagrante de um piloto que sofreu um acidente de avião enquanto traficava drogas. O feito tramitou no plantão da Comarca de Sorriso. Decretada a prisão do piloto, Gonçalves ligou para Zampieri.
No diálogo, eles tratam sobre uma possibilidade de soltar o piloto. Zampieri indica a Andreson, então, que o certo seria entrar com habeas corpus que “eu corro com ele”. Foi então que, dois dias depois, eles tomaram conhecimento de que João Ferreira seria o plantonista do tribunal entre 25 de junho e 2 de julho de 2021.
Na oportunidade, então, Zampieri confirmou que ele seria o juiz do caso e explicou à Andreson que haveria uma decisão em breve. No mesmo dia que Roberto adiantou a eventual soltura, esta de fato ocorreu: João Ferreira concedeu o habeas corpus nos moldes do que fora informado por Zampieri.
Cumprido o trâmite, Roberto, então, vai cobrar Andreson dos honorários. Na leitura de Zanin, os diálogos e a cobrança dos honorários, bem como a certificação da concessão do HC, demonstraram, de fato, que houve um acordo pecuniário para a soltura do piloto, mediante contrapartida financeira. Em 12 de julho daquele ano, então, Andreson transfere R$ 100 mil à Zampieri por meio de sua empresa, Florais Transportes Eireli. Sargento da Polícia Militar, Victor Ramos de Castro seria o piloto beneficiado na negociata.
“A quantidade de diálogos e conversações, refletidos em prints e documentos juntados pela Polícia Federal, mostram uma quantidade significativa de solicitações e recebimentos de vantagem econômica indevida. O conhecimento dos intermediadores quanto ao fluxo dos processos que foram objeto da concertação criminosa é igualmente explícito. Entendo que os indícios revelados até aqui se qualificam como suficientes para demonstrar o envolvimento de João Ferreira Filho na empreitada criminosa”, escreveu Zanin na decisão.
João Ferreira e Sebastião foram novamente afastados das respectivas funções, serão monitorados por tornozeleira eletrônica, estão proibidos de manterem contato com os demais investigados, bem como de acessarem as dependências do TJMT. Eles tiveram R$ 500 mil bloqueados das suas contas.