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Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

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recurso de agravo em execução

Tornozeleira no semiaberto não é obrigatória, diz Tribunal de Justiça

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Tornozeleira no semiaberto não é obrigatória, diz Tribunal de Justiça
Embora possível, a tornozeleira eletrônica não é o único recurso eficaz, nem o mais adequado para fiscalizar o cumprimento da pena em regime semiaberto, sendo dever do juiz analisar com cautela as circunstâncias que possam justificar a imposição de qualquer medida restritiva de direito individual do cidadão, garantindo que estas não se transformem em meros mecanismos de controle estatal ou de redução de custos, mas que efetivamente contribuam para a prevenção e repressão de condutas criminosas.


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Com base nesse entendimento, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso deu provimento a um recurso de agravo em execução interposto por N.S.C., que se encontra cumprindo pena no regime semiaberto e, por força de decisão do juízo de primeira instância, foi forçado a usar tornozeleira eletrônica, “a fim de melhor fiscalização no cumprimento de pena”, conforme trecho da decisão do Juízo da 2ª Vara Criminal de Cuiabá-MT (Execução Penal).
 
A decisão atendeu ao pedido do advogado Fernando Faria, que faz a defesa do recuperando. Ele argumentou, em substancioso arrazoado, dentre outras teses, que a lei não obriga a utilização do monitoramento eletrônico para a fruição do regime semiaberto, que a decisão que determinou o uso não tinha fundamentação idônea, não especificando o motivo pelo qual deveria utilizar a tornozeleira eletrônica, que, no caso concreto, seria desnecessário e inadequado o monitoramento eletrônico para a continuidade do regime semiaberto, considerando os predicados pessoais do reeducando.
 
O advogado destacou ainda que o monitoramento eletrônico não pode ser visto apenas pelo ângulo carcerário, da vigilância da pessoa humana, cuja aplicação resulte automática. “O pensamento simplista viola o sistema progressivo de cumprimento de pena e acaba por reproduzir um juízo ultrapunitivista, cuja retina detecta apenas e tão somente o binômio (i) do corpo na prisão e (ii) da prisão no corpo. N.S.C. passou pela prisão. Está nos autos. Seu corpo esteve na prisão. Mas a prisão ainda está em seu corpo”, diz trecho do requerimento.
 
Ainda apontou o advogado que “há vasta literatura neste sentido, qual seja, do processo de estigmatização causado pelo porte de uma tornozeleira eletrônica no corpo, que denuncia como essa marca visível da passagem pelo Sistema de Justiça Criminal pode afetar as pessoas monitoradas tanto em nível individual quanto comunitário, dificultando a reinserção social desse público e fragilizando seus vínculos sociais”.
 
Instado a se manifestar, o Ministério Público de Mato Grosso, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Domingos Sávio de Barros Arruda, ao concordar com o pedido da defesa, consignou que “nessa linha intelectiva, há de ser reconhecido que, nas condições fáticas aqui apresentadas, a decisão tardia de colocar uma tornozeleira eletrônica no agravante, fere, em grande medida, um dos objetivos da execução penal, qual seja, a de ‘proporcionar condições para a harmônica integração social’ (Art. 1º da Lei 7.210/84)”.
 
Em seu voto, o Relator Francisco Alexandre Ferreira Mendes, Juiz de Direito Convocado, acolhendo integralmente os argumentos da defesa do recuperando, destacou inicialmente que é responsabilidade do Estado providenciar a construção de estabelecimentos prisionais adequados para o cumprimento da pena, tais como penitenciárias, colônias agrícolas e casas do albergado, além de disponibilizar um número suficiente de vagas para atender às demandas de cada região.
 
Contudo, a presente conjuntura do sistema prisional brasileiro revela a escassez de unidades apropriadas para os regimes semiaberto e aberto, o que motivou o Supremo Tribunal Federal a estabelecer diretrizes com o intuito de impedir que os detentos sejam submetidos a condições mais severas do que o estritamente necessário, como no caso do RE 641.320/RS) e da Súmula Vinculante nº 56 (“a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso”).
 
O magistrado destacou ainda que o art. 146-B da Lei nº 7.210/84 estabelece que o juiz pode, a seu critério, determinar a monitoração eletrônica em duas situações: ao autorizar a saída temporária no regime semiaberto ou ao conceder prisão domiciliar. A norma, ao empregar o verbo "poderá", deixa claro que essa medida não é obrigatória, mas sim uma faculdade do juiz, que decidirá conforme o caso concreto e as circunstâncias apresentadas.
 
Ainda segundo seu voto, essa discricionariedade do juiz da execução penal está relacionada ao princípio da individualização da pena, permitindo que ele avalie se a monitoração eletrônica é necessária ou conveniente para o acompanhamento da pessoa em questão, com base em fatores como o comportamento do apenado, a gravidade do crime e os riscos à segurança pública.
 
Isso ocorreria, segundo o magistrado, porque a tornozeleira eletrônica não é o único recurso eficaz, nem o mais adequado para fiscalizar o cumprimento da pena em regime semiaberto.
 
No caso concreto examinado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, chegaria até ser contraditório avaliar a capacidade de autodisciplina de alguém que já usufrui do benefício do convívio externo – e que, portanto, se encontra em um estágio avançado de ressocialização – ao impor-lhe o inegável ônus de ter sua liberdade de locomoção monitorada eletronicamente, sob vigilância direta e ininterrupta das autoridades, o que encerra uma séria responsabilidade do julgador de analisar com cautela todas as circunstâncias do caso, sendo de rigor que haja fundamentação específica que demonstre a necessidade e a adequação da medida imposta.
 
Em análise do mérito, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em votação unânime, acolheu os argumentos da defesa, concluindo que o juízo de primeiro grau (execução penal) não desenvolveu fundamentação idônea a justificar a imposição do monitoramento eletrônico, a fim de uma melhor fiscalização da pena, determinando a dispensa de N.S.C. do uso do equipamento, estabelecido como condição para o cumprimento da pena em regime semiaberto.
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