É inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários ou de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física, levando em consideração apenas a qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo desta com a conduta delituosa, por configurar, além de ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio.
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Com esse entendimento, o Ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deu provimento ao recurso em habeas corpus e determinou o trancamento de ação penal contra dois empresários denunciados pelo Ministério Público de Mato Grosso pelos crimes de adquirir, para fins comerciais, madeira, sem exigir a licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, decorrente de dever legal (Lei 9.605/1998, art. 46, parágrafo único e do art. 68, caput).
Segundo a denúncia, assinada pelo promotor de justiça Luiz Eduardo Martins Jacob Filho, e apresentada perante a 2ª Vara de São José do Rio Claro/MT, em julho de 2018, os denunciados e sua empresa teriam adquirido 41,423 m³ madeira em toras sem licença válida outorgada pela autoridade competente ou em desacordo com a obtida, eis que o veículo que transportava o produto apontado não estava inserido na guia de transporte florestal, deixando eles, também de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, que é o registro das informações na guia de transporte florestal.
“Da atenta análise dos trechos transcritos, observo que a inicial acusatória não logra descrever a conduta de cada acusado para o êxito da empreitada criminosa, deixando de demonstrar o indispensável nexo causa entre a ação atribuída e o resultado delitivo”, escreveu o Ministro Sebastião Reis Júnior.
Para o Ministro, o Ministério Público de Mato Grosso não descreveu as circunstâncias do fato criminoso, quem estava presente na ocasião da ação delituosa, tampouco qual conduta omissiva ou comissiva dos acusados contribuiu para a consumação dos crimes, ficando evidenciado que a eles foram atribuídos os delitos por figurarem tão somente como sócios da empresa, circunstância que obstaculiza o exercício do contraditório e da ampla defesa.
O Ministro Sebastião Reis Júnior lembrou ainda que o STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, em crimes de autoria coletiva, como no caso, para não se esbarrar na generalidade, a denúncia deve traçar, ainda que minimamente, um liame entre o agir dos denunciados com a prática criminosa, sob pena de se incorrer em ofensa à ampla defesa e ao contraditório e se estabelecer a responsabilidade penal objetiva, o que não ocorreu no caso.
Com base nessas circunstâncias, mesmo diante da excepcionalidade, o Ministro deu provimento ao recurso em habeas corpus e determinou o trancamento da ação penal contra os dois empresários.
A decisão impede a continuidade da ação penal contra os dois empresários, estendendo seus efeitos trancativos a todo e qualquer procedimento ou acordo celebrado perante a justiça de primeiro grau.
A defesa dos empresários foi feita pelos advogados Valber Melo, Fernando Faria e Matheus Correia.