Relatório da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção, referente à Operação Gota D’Água, que desbaratou esquema de R$ 11 milhões no Departamento de Água e Esgoto (DAE-VG), supostamente liderado pelo vereador Pablo Pereira, elencou o modus operandi da organização criminosa. Segundo as investigações, o grupo, composto pelo vereador e servidores, promoveu sete espécies de manipulação para execução das fraudes, as quais resultaram em prejuízo estimado de R$ 11 milhões aos cofres públicos.
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A operação policial desencadeada na última sexta-feira (20) resultou em 11 prisões preventivas e no afastamento de 18 servidores públicos, com Pablo Pereira sendo apontado como líder do esquema, ladeado pelo Diretor Comercial do departamento, Alessandro Macaúbas Leite de Campos.
Servidores do DAE, sob a influência política de Pablo e Alessandro, operavam dentro da Diretoria Comercial da autarquia, manipulando o sistema de gestão de saneamento (GSAN) para obter vantagens indevidas, em forma de propina. Esse esquema envolveu desde a transferência irregular de débitos até a exclusão de valores devidos, criando uma rede de favorecimentos pessoais e fraudes financeiras.
Espécies de fraude
A investigação revelou sete métodos principais utilizados pela organização para operar a fraude, demonstrando a complexidade da corrupção enraizada na autarquia.
A primeira delas é referente a transferências de débitos. Os servidores da Diretoria Comercial transferiam débitos de unidades consumidoras de maneira deliberada e ilegal. Informações de clientes eram alteradas no sistema, como nomes e endereços incompletos, dificultando a cobrança de valores devidos. Estima-se que apenas esse tipo de fraude gerou um prejuízo de R$ 1,4 milhão, ao transferir dívidas entre imóveis sem identificação adequada dos devedores.
Segundo tipo é o refaturamento, em que os servidores realizavam refaturamento indevido de contas de água e esgoto, alterando os valores sem justificativa legal. Em muitos casos, contas de consumidores eram retificadas repetidamente, gerando uma falsa impressão de erro no faturamento.
Entre janeiro e junho de 2023, foram realizadas 19.270 retificações que somaram R$ 5,3 milhões. O volume elevado de alterações levantou suspeitas sobre a legalidade das ações.
Terceira prática investigada era a exclusão de parcelamentos de dívidas, sem base legal. Os servidores do DAE ofereciam essa "facilidade" aos consumidores inadimplentes em troca de propina, prejudicando ainda mais as finanças da autarquia.
Funcionários do DAE procuravam ativamente consumidores inadimplentes e ofereciam a exclusão de seus débitos mediante pagamento de propina, na quarta fraude, classificada como busca ativa.
Essa prática escancarou a institucionalização da corrupção no setor, onde o perdão de dívidas tornava-se uma mercadoria, à disposição de quem estivesse disposto a pagar.
Na “Inserção da Sigla “EPR””, os débitos eram excluídos do sistema sob o pretexto de “erro de processamento” (EPR), quando, na realidade, não havia nenhum erro. Essa manipulação facilitava a eliminação de valores devidos sem deixar rastros evidentes, ampliando o rombo nos cofres públicos.
Fiscalização in loco nas unidades consumidoras também entrou na trama. Os fiscais atestavam, falsamente, que as casas estavam desocupadas para justificar o cancelamento e, posteriormente, o desvio de dívidas.
Em contrapartida, a investigação evidenciou que, em várias ocasiões, as propriedades estavam habitadas, e a exclusão dos débitos era realizada de forma indevida.
Por fim, o sétimo e último tipo de ardil constituiu-se na cobrança de propina. A investigação revelou que, para que determinados serviços públicos, como a instalação de ligações de água, fossem realizados, era exigido o pagamento de propina.
Em uma das interceptações, servidores falavam abertamente sobre a necessidade do “Pocotó” – um termo utilizado para referir-se ao suborno necessário para a execução de serviços devidos pela autarquia.
As fraudes não se limitavam apenas ao enriquecimento ilícito de servidores. A investigação destacou o papel de Pablo Pereira, que utilizava a estrutura do DAE para consolidar seu poder político.
Em várias interceptações telefônicas, ficou claro que Pereira negociava cargos dentro da Diretoria Comercial do DAE em troca de apoio eleitoral. As conversas revelaram acordos entre o vereador e seus aliados para manter o controle político sobre a autarquia, condicionando nomeações a favores eleitorais, especialmente em período de campanha.
A operação policial, que ainda está em sua segunda fase, segue com a investigação sob a responsabilidade da Polícia Civil e do Ministério Público, que agora apura possíveis implicações no processo eleitoral.
O bloqueio de bens de envolvidos, como medida preventiva, já foi determinado pela Justiça, além da realização de auditorias em todas as contas de água alteradas pela Diretoria Comercial do DAE desde 2019.
A Câmara de Vereadores de Várzea Grande declarou estar à disposição das autoridades e reforçou a importância do esclarecimento rápido dos fatos.