A bióloga Rafaela Screnci sentará no banco dos réus pelo atropelamento que ceifou a vida de dois jovens em frente à boate Valley, em Cuiabá, no ano de 2018. Após pedido de vista feito pelo desembargador Jorge Luiz Tadeu, para reexaminar as provas do processo, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJMT) acatou recurso do Ministério Público e, por unanimidade, decidiu que ela será julgada pelo Tribunal do Júri. Voto de Tadeu foi proferido nesta quarta-feira (10).
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Em fevereiro de 2023, contra sentença proferida pelo juiz Wladymir Perri, que decidiu absolver sumariamente Rafaela, a promotora de Justiça Marcelle Rodrigues da Costa apresentou recurso de apelação requerendo nulidade da ordem e, em caso de anulação, que a ré fosse submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri.
O recurso foi enviado aos desembargadores, que decidiram o acatar com base nas provas contidas nos autos. O dolo na ação de Rafaela, então, será examinado pelos jurados.
Assinado em 21 de fevereiro, o recurso foi interposto em face da sentença que absolveu a ré pela prática de dois crimes de homicídios consumados e um tentado, por dolo eventual. Na decisão, o magistrado lamentou a tragédia e apontou que, apesar de a motorista estar alcoolizada no momento da colisão, as vítimas tiveram responsabilidade no desfecho do caso.
No dia 16 de dezembro de 2022, Wladymir Perri absolveu a motorista pela fatalidade ocorrida na avenida Isaac Póvoas, em 23 de dezembro de 2018.
Contra o entendimento de Perri, a promotora apontou fatos que comprovam o dolo eventual praticado por Rafaela no dia do fato. Além disso, questionou a suspeição de Perri em julgar o caso e a surpresa das partes ao descobrirem que ele não era o juiz natural no processo.
Rodrigues sustentou que o dolo eventual ficou exaustivamente comprovado nos dois laudos de exames periciais, imagens de câmeras de vídeo e testemunhos presenciais, diante de diversos fatos incontroversos.
O primeiro ponto é a comprovada embriaguez de Rafaela, que no dia do atropelamento foi vista pelo gerente do Malcom, estabelecimento que frequentou antes de seguir rumo à Isaac Póvoas, em estado alterado por conta da ingestão alcoólica.
O segundo ponto é referente ao excesso de velocidade, com dois laudos periciais apontando velocidades médias de 54 km e 57 km por hora, e velocidades máximas de 58 a 63 km por hora. Perri, porém, entendeu que a ré poderia estar trafegando dentro do limite da via pública.
O terceiro ponto é a mudança da faixa do centro para a faixa da esquerda da pista para livrar-se de veículo e seguir em velocidade. Segundo a promotora, o fato de a ré ter passado com o carro sobre o corpo das vítimas, para o juiz, é comum em atropelamentos.
Ela acrescentou que Rafaela, conduzindo em deplorável estado de embriaguez somada à incontinência intestinal, desde a boate Malcom, não pisou no freio antes do choque, mesmo com tempo e espaço suficientes para fazê-lo, conforme apontado na perícia.
Ainda sobre o dolo eventual, consta no recurso de apelação que Rafaela assumiu ter visto as vítimas e não freou o veículo antes do atropelamento. Dentre outros pontos, Marcella também apresentou nas razões da apelação que Rafaela tentou fugir do local do fato e que só não conseguiu porque a caminhonete que conduzia foi interceptada por uma testemunha a cerca de cem metros de distância do impacto.
Contra a posição da promotora, o advogado de Rafaela, Giovani Santin, sustentou tese focada em desmontar a acusação de dolo eventual, ressaltando a velocidade e as circunstâncias do acidente. "É fato incontroverso que Rafaela ingeriu bebida alcoólica", admitiu Santin, mas argumentou que a velocidade do veículo não foi excessiva.
Com base em laudos periciais, ele demonstrou que a velocidade variava entre 54 e 57 km/h, dentro da margem de erro que poderia colocá-la dentro do limite permitido de 50 km/h.
Santin também contestou a acusação de fuga, citando depoimentos que indicavam que Rafaela parou o veículo após o acidente, apesar de ter sido induzida a deixar o local. "Ela não tinha discernimento para saber que havia atropelado três pessoas", argumentou, ressaltando o estado de embriaguez da acusada.
Outro ponto crucial na defesa foi o comportamento das vítimas. Segundo Santin, as imagens e laudos mostraram que as vítimas atravessavam a via fora da faixa e faziam movimentos de dança, o que contribuiu para o acidente. Ele destacou que a perícia indicou que, se tivessem realizado a travessia de forma perpendicular e sem interrupções, o atropelamento não teria ocorrido.
Morreram no acidente Ramon Alcides Viveiros e Myllena de Lacerda Inocêncio. Hya Girotto Santos foi a única sobrevivente.