Olhar Jurídico

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Notícias | Geral

RISCOS

Advogada especialista orienta sobre implantação de Compliance para proteção de empresas após novas leis

Foto: Reprodução

Advogada especialista orienta sobre implantação de Compliance para proteção de empresas após novas leis
Em 2020 já passam a valer algumas leis que trazem novas exigências aos empresários, como por exemplo a Lei Geral de Proteção de Dados e a Lei Municipal nº 6.457/19. A advogada Luciana Serafim, coordenadora Regional do Compliance Women Comittee, afirma que é importante a implantação do Compliance nas empresas, para que a adequação a estas novas leis seja feita de uma maneira segura e a reputação seja protegida. 
 
Leia mais:
Magistrado explica diferença entre ações e aponta instrumentos para diminuir sensação de injustiça
  
Em entrevista ao Olhar Jurídico ela citou algumas das leis que exigem a integridade das empresas, de diferentes setores, e mencionou os riscos e perdas que as empresas podem sofrer. A advogada explicou e defendeu a implantação do Compliance.
 
Leia a entrevista na íntegra:
 
Recentemente a Administração Pública Municipal de Cuiabá publicou uma lei que obriga as empresas que contratarem com ela tenham o programa de integridade. O que isso significa?
 
Luciana Serafim - No dia 13 de novembro do ano passado foi publicada a Lei Municipal nº 6.457/19 que institui a obrigatoriedade do programa de integridade nas empresas que contratarem com a administração pública municipal com valores superiores ao limite da modalidade concorrência para obras e serviços, que hoje é de R$ 3,3 milhões, independente da forma de organização e do modelo societário da empresa. E essa exigência também se aplica para os contratos já existentes em havendo algum tipo de alteração, como a prorrogação, por exemplo.

A edição desta lei segue o caminho que já vem sendo adotado em outros estados e prefeituras, e que em breve será uma realidade para todos os entes federativos. Entendo ser uma medida louvável e que em muito contribuirá para que as relações público-privada sejam mais saudáveis no ponto de vista ético, reduzindo eventuais riscos da prática de corrupção, fraudes e ilícitos.
 
E qual o papel da Prefeitura diante dessa imposição? Ela também terá que implantar esse programa de integridade?
 
Luciana Serafim - Entendo que se a administração pública cobra esse tipo de medidas para as empresas que com ela contratam ela deve fazer o mesmo, e sobre isso já me manifestei ao prefeito Emanuel Pinheiro que se mostrou aberto para a implantação do programa de integridade nos órgãos da administração pública municipal, e espero que isso realmente se concretize. Todos devem cumprir seu papel, e atitudes como esta demonstram o compromisso do administrador com as boas práticas na gestão pública e o combate à corrupção. O programa de integridade deve ser um instrumento de gestão da administração pública.

No que se refere a lei já publicada relativa as empresas, a administração pública municipal deverá constituir uma comissão que fará a avaliação do programa de integridade das empresas, o que não é uma tarefa fácil e exigirá uma ampla capacitação dos integrantes dessa comissão, até mesmo para detectar um eventual “compliance fake”. Neste caso, poderá ocorrer aplicação de multa para a empresa, com responsabilidade direta de seus gestores e até do compliance officer. Pior que não ter um programa de integridade é implantá-lo “para inglês ver”.
 
Mas afinal, o que é o Compliance?
 
Luciana Serafim - Por uma incorreta tradução do termo, muitos dizem que compliance é estar em conformidade com as leis e normas. Mas não é isso. Se assim fosse não haveria sentido, até porque nossa Constituição Federal já estabelece o princípio da legalidade que determina que todos devem cumpri-las. Portanto, estar em conformidade com a lei, normas e regulamento não é uma inovação do compliance e da lei anticorrupção. Compliance vai além e tem como foco principal o risco, estruturando-se a empresa para que ele não se torne realidade. E para isso é fundamental que se faça uma avaliação de risco adequada, conhecendo profundamente a empresa, o mercado onde atua e as normas que regem sua atividade econômica. É preciso desenvolver ações para formação de uma cultura corporativa focada nos padrões éticos, morais e de conduta da empresa, de seus colaboradores e daqueles com os quais ela se relaciona.
 
O que o Compliance agrega para uma empresa?
 
Luciana Serafim - Os riscos de compliance decorrem de sanções legais ou regulatórias que possam resultar na perda financeira ou de reputação e imagem da empresa, que equivale a como os clientes, acionistas, colaboradores e sociedade de modo geral veem a empresa, dando a ela credibilidade ou não. Uma reputação ruim, por óbvio, resultará na perda de lucratividade, competitividade e sobrevivência da empresa. Dependendo da dimensão do risco que a empresa está exposta, isso afetará seus relacionamentos, e poderá fazer com que haja até mesmo a perda de incentivos fiscais e negativa para obtenção de financiamentos. A reputação é o maior patrimônio de uma empresa, e quando ela é afetada o impacto muitas vezes é fatal. E para que o compliance apresente esse resultado é preciso que envolva toda a organização, para que exista uma adesão coletiva no como fazer negócios para evitar a ocorrência dos riscos.
 
O que as empresas devem observar para implantar esse programa?
 

Luciana Serafim - Primeiro ponto é contratar um profissional sério e que tenha expertise para tal. Digo isso porque muitos estão se aventurando na área e vendendo um conhecimento que não possuem. Como eu já disse, ter um programa de integridade fake é pior que não o ter. E essa falsa ilusão de ter um compliance pode levar os gestores e o profissional que o implantou até mesmo para a cadeia.

Esse profissional deve conduzir a avaliação de riscos, medidas mitigadoras e de controle de forma independente, fazendo as recomendações necessárias e com a devida isenção para tomada de decisão dos gestores da empresa. E para que isso ocorra o comprometimento da alta administração é essencial, e sem o qual torna-se impossível a implantação de um programa sério e eficaz.

Outro ponto importante é a implantação de um canal de denúncias também independente, possibilitando que os colaboradores, prestadores e clientes possam utilizá-lo sem qualquer receio e com garantia de confidencialidade e anonimato. A implantação do compliance é um trabalho complexo, onde não cabe o chamado “copia e cola”, sendo que as políticas internas e código de conduta devem ser compatíveis com a empresa e seus colaboradores, os quais devem ser continuamente treinados e capacitados.
 
Todas as empresas podem implantar o Compliance, como por exemplo as micro e pequenas empresas?
 
Luciana Serafim - Com certeza. A implantação do programa de integridade pode ocorrer tanto em uma multinacional quanto em uma empresa de pequeno porte, podendo ser, neste caso, tão simples quanto o estabelecimento de novas rotinas, mas, em sendo necessário, com direcionamentos mais severos para afastamento de riscos que possam resultar, até mesmo, no encerramento das atividades da empresa.

Na grande maioria dessas empresas os recursos para serem investidos no compliance são reduzidos, o que não inviabiliza sua execução. E mesmo as micro e pequenas empresas possuem, de alguma forma, interação com o poder público, estando expostas a riscos de prática de corrupção, e inclusive ser alvo de investigação com base na Lei Anticorrupção. E mesmo nessas empresas o comprometimento da alta administração é fundamental para a efetividade do programa.

Aqui não é necessário criar uma área interna específica de compliance, mas tão-somente definir um gestor que será o responsável por implantar e monitorar os controles, políticas e código de conduta, por exemplo, sendo o fomentador da cultura da cultura de integridade e conformidade.
 
Há algum ponto da Lei Anticorrupção que merece destaque?
 
Luciana Serafim - Entendo que a chamada responsabilidade objetiva é um ponto crucial. Pela lei anticorrupção não é necessária a comprovação de dolo ou culpa para aplicação das sanções. Com isso, basta que qualquer gestor, empregado, fornecedores ou parceiros se envolva em atividade de corrupção ou lavagem de dinheiro para que a empresa seja responsabilizada. Pelas diretrizes da lei, não há se falar em desconhecimento ou não participação no ato. Mesmo que isso ocorra, a responsabilidade estará presente.
 
É sabido que em muitos casos de corrupção, propinas foram utilizadas para aquisição de imóveis. Considerando as atividades desenvolvidas pelos cartórios e imobiliárias, deve haver uma atenção especial par evitar a chamada lavagem de dinheiro?
 
Luciana Serafim - Com certeza. E já há vários direcionamentos para isso. A Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 88 determinando que as operações registradas em cartório e que levantem essa suspeita, devem ser imediatamente comunicadas à Unidade de Inteligência Financeira, e isso envolve todos os atos e operações realizados em cartório, como a compra e venda de imóveis.

E nisto inclui os valores envolvidos, forma da realização da operação, finalidade e complexidade do negócio. As transações que envolvam pagamento ou recebimento em espécie ou título de crédito emitido ao portador com valor superior a R$ 30 mil, por exemplo, sequer precisam de avaliação por parte dos tabeliães e registradores para respectiva comunicação.

O mesmo se aplica às imobiliárias. Tanto elas como os corretores poderão ser responsabilizados pelo crime de lavagem de dinheiro em caso de omissão diante de uma transação suspeita. E a implantação do compliance nos cartórios e imobiliárias permite o estabelecimento de mecanismos preventivos, de controle e de mitigação de riscos.
 
Neste ano de 2020 entra em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados. Qual o impacto desta lei?
 
Luciana Serafim - A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais– LGPD entra em vigor em agosto deste ano de 2020 e está trazendo uma gama imensa de obrigações para as pessoas físicas e jurídicas no tratamento dos dados pessoais, o que equivale a toda informação relacionada a uma pessoa identificada ou identificável. Ou seja, é qualquer informação que permite identificar uma pessoa, como por exemplo, o nome, apelido, endereço residencial, e-mail, IP, placa de carro, fotos, formulários cadastrais e números de documentos. 

E a adaptação para atendimento das exigências da lei é um trabalho complexo e sua implantação demanda tempo. Muitas empresas, já cientes e conscientizadas do impacto que esta lei trará para os negócios, já estão com as ações praticamente implementadas.
 
A observância ou não desta lei impactará diretamente nas relações comerciais da empresa e na sua reputação no mercado. Será preciso realizar o mapeamento das atividades, analisar a natureza dos dados existentes nas operações empresariais, especificação dos eventuais pontos críticos relativos ao tratamento dos dados pessoais tanto do público interno como externo.

Será preciso a redefinição de procedimentos internos e até mesmo de dos contratos comerciais e de gestão. E já temos visto na mídia vários casos de vazamento de dados pessoais, como ocorreu com o Facebook e a operadora Vivo.

A não observância das determinações da LGPD pode resultar em aplicação de penalidade extremamente severa equivalente a R$ 50 milhões ou multa de 2% do faturamento total da empresa. Uma das penalidades que reputo ser impactante é a que determina que a empresa vá a público informar que ela não preserva os dados pessoais de seus clientes. Para um escritório de advocacia ou consultório médico, por exemplo, o dano será extremamente grave.
 
Em Mato Grosso grande parte da economia está relacionada ao Agronegócio. Há alguma regra específica para esse setor?
 
Luciana Serafim - O agro possui uma forte relação com o mercado internacional onde, antes mesmo da Lei Anticorrupção Brasileira, já existem regras rígidas sobre combate à corrupção e compliance. E lá não existe meio termo. Empresas que negociam com o mercado internacional onde se exige a implantação do programa de compliance podem até mesmo perder o contrato caso não o faça.

O impacto econômico é muito forte não só para a empresa como para o Estado e país. Recentemente tivemos a Operação Carne Fraca por irregularidades cometidas por frigoríficos de grandes empresas, o que resultou em prejuízos bilionáriose reputacionais pela perda de confiança no produto brasileiro.

A queda nas vendas e exportações foi significativa. E isso atinge toda cadeia produtiva, inclusive o pequeno produtor que fornece para as grandes empresas que irão exportar. Sabendo da importância e visandoda cultura do compliance, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou o Selo Mais Integridade, que visa premiar as empresas e cooperativas do agronegócio por ações voltadas às boas práticas de integridade, ética, sustentabilidade ambiental e responsabilidade social.

Não basta sermos um dos maiores produtores do agronegócio; é preciso transmitamos a confiança de que nossos negócios são confiáveis do ponto de vista legal, de respeito às boas práticas e de preservação ambiental e sanitária. As multinacionais já compreenderam a importância do compliance, o que, infelizmente, ainda não é realidade em grande parte das demais empresas do setor.
 
Aqui também temos muitos processos administrativos de responsabilização das empresas, o chamado PAR. O compliance possui algum impacto nisso?
 
Luciana Serafim - A Lei Anticorrupção tornou mais rígidas as sanções administrativas por prática de atos ilícitos na execução dos contratos públicos, e aqui no Estado de Mato Grosso ela foi regulamentada pelo Decreto nº 522/2016, mediante proposta de uma comissão da qual tive a honra de integrar. Este Decreto, dentre outros direcionamentos, demonstra a importância do programa de integridade para as empresas que contratam com a administração pública estadual, as quais poderão ter redução na penalidade caso o tenham implantado de forma efetiva. Portanto, e existência de um programa de compliance deverá ser tópico da defesa administrativa.

Para celebração do acordo de leniência também será considerado o comprometimento da empresa na implantação ou na melhoria do seu programa de integridade. Importante ressaltar novamente que a existência de um programa de integridade não efetivo, o chamado “para inglês ver”, poderá prejudicar sobremaneira a empresa, seus gestores e o profissional de compliance.
 
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet