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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Advogado de MT preso durante a ditadura militar diz que Bolsonaro "é o homem do retrocesso"

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Advogado de MT preso durante a ditadura militar diz que Bolsonaro
O advogado aposentado Antônio Antero de Almeida é um dos poucos mato-grossenses sobreviventes que combateram o golpe militar de 1964. Ele foi considerado um líder comunista, chegou a ser preso em Cuiabá e viu muitos de seus companheiros desaparecerem. Para ele esta é uma página negra na história do Brasil, diferente do que pensa o presidente Jair Bolsonaro (PSL).
 
Em declarações recentes o presidente atacou o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, fazendo provocações sobre o paradeiro de seu pai, que desapareceu durante o regime ditatorial. Além disso, desacreditou os trabalhos da Comissão da Verdade, que apurou crimes cometidos durante a ditadura, além de ter trocado integrantes da comissão por militares. Antero criticou a visão que Bolsonaro tem sobre a ditadura e disse que “ele é um homem ainda do retrocesso”.
 
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Antônio Antero de Almeida, nascido em Nossa Senhora do Livramento (a 38 km de Cuiabá), fez parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na década de 60, quando aconteceu o golpe militar. Ele chegou a pegar em armas para lutar contra a ditadura e foi preso algumas vezes. Ele conta que sua história no movimento comunista começou no Rio de Janeiro.
 
“Eu estudei no Rio de Janeiro, me formei na Faculdade de Direito lá no Rio. Aí depois de uma estadia em Brasília, de lá retornei para cá, continuei no meu trabalho. No Rio eu participei de muitas ações perigosas, estive em manifestações, até que eu fui para Brasília e depois vim lutar aqui. Trabalhei numa editora do Partido Comunista, como revisor, eu sempre fui muito bom com a Língua Portuguesa, já tinha trabalhado no jornal do PCB, em Campo Grande”.
 


O advogado aposentado teve participação ativa nas mobilizações da esquerda em defesa da reforma agrária e da criação de sindicatos de trabalhadores rurais, principalmente no interior do Estado de Mato Grosso. Ele e seus companheiros realizavam reuniões secretas em locais isolados em busca de recrutar novos aliados.
 
Na primeira vez que foi preso ele se entregou aos militares. Seu plano era fugir para fora do país, mas após uma conversa com seu irmão mudou de ideia, pensando no que diriam seus companheiros se fosse embora.

“Aconteceu o golpe naquele tempo, que eu iria até foragir, no meu caminho eu já estava para lá de Livramento, afim de seguir rumo à Bolívia e depois ir ao Chile, mas meu saudoso irmão que já partiu, Nivaldo, me aconselhou que não fizesse isso, porque meus companheiros estavam todos na prisão e iriam se ressentir de mim, que eu estava gozando a vida em cidades maravilhosas e eles sofrendo. Ele não precisou falar duas vezes, falei ‘é verdade Nivaldo, eles precisam saber o que nós somos, eu vou me apresentar’”, disse Antônio.
 
O advogado afirma que sempre resistiu e nunca entregou uma pessoa sequer. Apesar das tentativas de persuasão, em resposta Antônio dizia que preferia a morte a trair seus companheiros.
 
“[Nivaldo] me deixou no portão do quartel, falei que ele não precisaria entrar comigo, porque dali pra frente eu sigo, aí falei com o sentinela, me levou para dentro até que lá me receberam, e sem maiores demoras mandaram eu sentar e começou o meu interrogatório. Já começaram a me exigir covardia, colaboração, e de cara eu fui falando para eles que não quisessem me transformar em um covarde, que podiam me matar. Eu disse ‘se o senhor for prisioneiro um dia teria coragem de colaborar com o inimigo? Eu prefiro a morte’”, contou.
 


Antônio foi colocado em uma cela isolada, segundo ele, ele era o único preso isolado. Após algumas semanas lhe foi permitido tomar banho de sol. Em uma outra ocasião um militar lhe deu um bloco de papel e uma caneta, até que após um tempo desaprovaram um texto que escreveu.
 
“Lembro que era dia de Tiradentes, o mártir da independência, então eu escrevi uma lauda enorme, minha letra é ruim, mas eu caprichei, foi escrito de uma maneira legível, e chamei o sentinela e mandei entregar aos oficiais. Não demorou muito tempo eles vieram e tomaram tudo que eu tinha, deixaram só um lençol. Eu tinha escrito sobre o papel de Tiradentes na luta pela independência do Brasil, e eles consideraram isso uma ofensa”, contou.
 
Naquela época os opositores da ditadura ficavam presos no 16º Batalhão de Caçadores do Exército, onde hoje funciona o 44º Batalhão de Infantaria Motorizado, em Cuiabá. Ele foi julgado em Campo Grande e condenado por prática de crimes contra a Segurança Nacional, como resistência, luta armada e subversão. Ele teve seus direitos políticos cassados por 10 anos.
 
“Eu não podia votar, não podia candidatar, não podia mexer com nada disso. Se bem que eu nunca estive neste caminho, nunca quis isso, nós tínhamos alguns companheiros que sim, teve o Amorésio de Oliveira que chegou até a ser deputado, ele era do movimento comunista”, contou.
 
Hoje já com mais de 80 anos ele mudou um pouco sua visão política e o que acredita ser o melhor para a sociedade. Ele afirma que nunca se “iludiu” com o PT, que não defende mais os ideais comunistas, mas sim a democracia.
 
“Não da pra dizer que aquilo que a gente lutava era melhor, nós estamos indo num bom sistema, o país progredindo, porque eu estava muito pelo lado da ideologia. Hoje eu não sou tão assim não, eu acho que tem que melhorar a vida e pronto, e isto nós estamos conseguindo neste sistema, o país tem melhorado, tem havido muito combate à corrupção”.


 
“À luz dos fatos, a verdade é que nesta sociedade estamos edificando algo melhor que lá [nos regimes comunistas]. Este negócio de ditadura é ilusão, como H. G. Wells fez uma crítica a Marx, quando disse que Marx é um pensador de segunda seguido por fanáticos de terceira, porque eles estatizam e na verdade uma nova classe fica dominando e tomando conta de tudo em detrimento dos outros, a vida nestes países se torna muito mais horrível, não pode ter democracia. Ora! Ditadura... em vez de melhorar o mundo, piora”.
 
Antônio ainda vê a época da ditadura militar como algo ruim, porém, reconhece que com o tempo as coisas foram melhorando até a Abertura Política. No entanto, durante este tempo perdeu muitos companheiros e até hoje o paradeiro de alguns deles não foi esclarecido.
 
“Foi uma época horrível [...] Eu me lembro de um companheiro notável, Álvaro Benedito de Souza. Já escrevi para a anistia, lutei por todos os meios sobre o Álvaro, nunca obtive resposta. Eu sei que aqui do lado em Goiás também houve muitos desaparecidos, aqui nosso foi ele. Álvaro era militar da reserva, participou de um levante e foi expulso do Exército, estava aqui e desapareceu, tinha ido para Goiás e nesse ínterim desapareceu”.
 
Antônio ainda criticou a visão do presidente Jair Bolsonaro sobre o período da ditadura militar. Recentemente o presidente questionou a legitimidade da Comissão da Verdade, que trabalha no reconhecimento de mortos e desaparecidos durante a ditadura, e substituiu alguns membros da Comissão por militares.
 
O advogado aposentado defende que é preciso respeitar o mandato de Bolsonaro, em nome da democracia, mas o classificou como retrógrado, em decorrência de suas falas, e descartou a possibilidade de uma ditadura no Governo Bolsonaro.
 
“É loucura dele, é um idiota. Ele é um homem ainda do retrocesso, em vez de querer evoluir. Mas ele não consegue porque nós vivemos numa democracia e o presidente não manda sozinho, ele não vai fazer o que ele pensa, a sociedade brasileira não está mais querendo voltar atrás, a ditadura já passou, é um passado que não volta, se Deus quiser não há de voltar, nós queremos é coisa melhor”, disse.
 
Após anos de atuação e luta pelo movimento comunista, hoje ele tem uma visão mais positiva sobre o a maneira como nossa sociedade é organizada. Antônio é contra revoluções ou ditaduras de qualquer regime e comemora o fato de vivermos em uma democracia.
 
“A vantagem é que o nosso governo é transitório, daqui uns dias tem outra eleição e nova escolha. É muito melhor a democracia, e não estamos mais nessa de ditadura. No comunismo não altera nada, depois que o sujeito entra não sai mais, é a pior coisa. O certo é a versatilidade do poder e a democracia, tudo menos a ditadura”.
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