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ENTREVISTA EXCLUSIVA

Nosso sistema carcerário está falido e tornozeleira eletrônica é improvisação sem previsão legal, dispara juiz; veja entrevista

29 Mai 2016 - 17:30

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Juiz Marcos Faleiros

Juiz Marcos Faleiros

O Brasil possui mais de 622 mil presos, segundo dados de 2014 do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Deles, somente 60% foram condenados na justiça e 40% estão presos sem julgamento, os chamados "presos temporários". O aumento da população carcerária no país nos últimos 14 anos é de mais de 267%. Em comum, todos cometeram crimes cujas penas superam 04 anos de reclusão, segundo o Artigo 313 do Código do Processo Penal. Os demais, e não poucos, responsáveis por furtos, estupros, violência doméstica e tráfico de entorpecente, são soltos. Nosso sistema carcerário está falido, tornozeleiras eletrônicas são um improviso e se um “pequeno criminoso” cometer 30 furtos simples, será 30 vezes solto. Quem garante é o magistrado responsável pela execução das audiências de custódia em Cuiabá, Marcos Faleiros da Silva.

Nesta terceira e última parte da entrevista concedida ao Olhar Jurídico e datada de 20 de maio, Faleiros explica em detalhes a falência do sistema carcerário brasileiro e possíveis soluções. Entenda:

Leia mais:

Parte 1:
"Não tem como deixar preso", juiz explica funcionamento das audiências de custódia
Parte 2: Maria da Penha é o que mais gera soltura; juiz explica audiências e fala de empresário que espancou médica

Juiz Marcos Faleiros, audiências de Custódia são a prova de que o sistema carcerário brasileiro está falido?

A dimensão da criminalidade não é relacionada exatamente ao excesso de prisões. Veja que os Estados Unidos, que tem a maior população carcerária mundo, seguidos por China, Rússia e Brasil, não é o país mais pacíficos do mundo. Por outro lado temos os exemplos da Holanda e da Noruega, que estão fechando seus presídios por falta de presos e construindo escolas nos locais. No Japão, chega-se ao ponto de em Tóquio (sua capital), cidade que é quase do tamanho de São Paulo, se registrar 09 homicídios ao ano, coisa mínima! Fica obvio que os fatores que determinam a criminalidade não são o excesso ou a ausência de prisão. São outros fatores, dentre os quais a impunidade, que é também um fator, mas também não o determinante.

A criminalidade envolve descaso do poder público com relação à falta de ocupação dos espaços, conforme as teorias macro-sociológicas da ‘Escola de Chicago’. Por exemplo, que diz que é preciso ocupar os espaços públicos com projetos sociais, escola, futebol, artes marciais. Ter ao invés do traficante dominando aquele espaço, o poder público. Garantir educação, saúde de qualidade, etc. Existem estudos que comprovam que se você abandonar um determinado lugar, ele certamente será vandalizado.

Quando tudo falha no Estado, desemboca na criminalidade. Quando todas as outras secretarias falham, acaba na secretaria de segurança pública.

Também podemos incluir atuações não-governamentais como a família, a igreja, as Organizações Não Governamentais (ONG), Rotary Clube, Lions Clube, dentre outros atores sociais que contribuem, e muito, para diminuição da criminalidade. Pois eles ocupam os espaços públicos para fazer o bem.

Podemos também ver que o aumento da criminalidade está diretamente ligado à épocas de maior desemprego. Existem estudos diversos. Podemos dizer que a impunidade é uma pequena parcela de um gigantesco número de fatores que afetam a criminalidade.

A conclusão que todos estes estudos chegam é que: a prisão pela prisão, a prisão por si só, muitas vezes gera um efeito contrário daquilo que você pensa que geraria. Veja o exemplo do Estado Islâmico, ele surgiu dentro de prisões americanas no Afeganistão e no Iraque.

O sistema carcerário brasileiro é falido?

É falido. Isso o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu. Nossas prisões são masmorras medievais, sem condições, dominadas por facções criminosas. Tanto é que o STF mandou liberar dinheiro do Departamento de Execução Penal (Depen) para poder investir em cadeia.

Segunda questão: no Brasil, em especial Mato Grosso, uma situação que me deixa bastante desconfortável e que também é fator de impunidade, é a ausência do cumprimento da Lei 7.210, a Lei de Execução Penal, que diz que o cidadão tem que cumprir a pena por inteiro. Mas no Brasil temos apenas o regime fechado. Não temos o regime aberto e semi-aberto. Por regime semi-aberto digo as colônias penais ou industriais e o aberto, os albergues.

Como acontece no Brasil?

Temos um regime só. O sujeito cumpre 1/6 da pena preso e já sai para a rua, ou põe a tornozeleira. Só que a tornozeleira está prevista no Código apenas como uma alternativa à prisão provisória. Só que como o Estado não tem nada e o cidadão seria solto na rua, para se evitar isso eles pelos menos põem nele uma tornozeleira. E aí vemos nas notícias que o cidadão cometeu crime com tornozeleira. Ora, o cidadão estaria cometendo sem ela da mesma forma. Pois não temos regime semi-aberto no Brasil.

Entretanto, o cidadão tem direito à progressão da pena, é uma garantia constitucional. Nós não vivemos em um regime ditatorial. Nós temos uma ordem constitucional, não podemos descumpri-la. Esse é o ônus da democracia.

E a tornozeleira Eletrônica?

A tornozeleira eletrônica é uma improvisação! Não tem previsão legal. Não existe previsão legal para cumprimento de semi-aberto com tornozeleira. Isso é uma diligência. É o que o magistrado pode fazer para que cidadão não saia ‘sem nada’. Por exemplo, o magistrado Geraldo Fidelis (da Segunda Vara de Execuções Penais), não tem culpa nenhum disso. Ele simplesmente está tentando melhorar a sociedade.

“Mas então porque 'ele' não ficou preso?”, pode perguntar o cidadão. Bom, aí teremos que voltar para o regime militar. Aí vocês que vêem alguém que dê um golpe, aí o juiz vira ditador e se quiser a gente pode até prender para sempre! (sic).

Temos uma ordem democrática, constitucional, e o juiz é o guardião das garantias constitucionais e do Estado democrático de direito, ainda que isso não seja popular. Temos esse dever.

Se tivéssemos um sistema carcerário qualificado, não existiriam audiências de custódia?

Os índices de prisão preventiva no Brasil chegam a quase de 50%, segundo a última consulta que fizemos no ano passado. Isso é considerado pelas entidades internacionais como um número alto. Ter um sistema carcerário onde quase metade é composta por presos definitivos e a outra por presos temporários, por exemplo, ora, alguma coisa está errada! Como a prisão preventiva é uma exceção, deveria ser algo em torno de 10% de presos temporários e 90% de condenados. Algo está errado!

O Brasil freqüentemente é questionado sobre o excesso de prisões preventivas, excesso de prisões processuais. Onde estão os presos definitivos? Porque que só tem preso provisório? Quer dizer, o cidadão fica preso para depois ser solto? Qual a lógica? Antes de provar que ele é culpado, ele fica preso. Depois que prova a culpa e é condenado, fica solto? Como compreender isso? Sinceramente, eu não compreendo.

Com relação aos reingressos, existe proibição de o sujeito ser submetido mais de uma vez à audiência de custódia?

Não tem. Por exemplo, o cidadão é preso uma vez por um furto simples, se não cabe prisão preventiva e enquanto ele não for preso por um furto (grande) pelo menos, ele pode voltar aqui cem vezes. Com base no Artigo 313 (imagem abaixo), ele cometerá 30 furtos simples e terá que ser solto. É o que diz a lei.
 
                                                         
Já devem existir delinqüentes que já o conhecem pelo nome, não?
Sim (sic), mas é importante ressaltar: os presos perigosos de verdade ficam presos. 100% deles ficam presos. E aqui há muitas questões relativas ao uso de entorpecentes e vemos pouca política estatal de combate, tratamento e profilaxia do vício.

Essa é uma situação que dói, é uma luta nossa. Para conseguir conceder tratamento para viciados em cocaína, crack, etc. Infelizmente, não vemos sequer instituições que façam tratamentos aqui no Estado de Mato Grosso. Algumas instituições religiosas, mas coisa bem amadora.

A droga é um fator criminológico bastante acentuado. É um vício. E não conseguimos enxergar uma vontade de curar os viciados, pois enxergamos esse problema como uma doença mesmo. O sujeito se autodestrói, perde o poder de decisão.

A gente não consegue enxergar na sociedade civil organizada e no poder público uma proposta de tratamento, de profilaxia. Essa é nossa luta diária: alcoólatras e drogados.

* Atualizada às 08h06 de 30/05/2016
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