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Sou advogado

Mario Medeiros Neto

Meu escritório fica na av. Historiador Rubens de Mendonça. Centro político, administrativo e financeiro de Cuiabá, capital de Mato Grosso, o estado campeão na produção de soja, milho, algodão e de rebanho bovino, um dos PIBs que mais cresceram na última década.

Esta semana não consegui trabalhar pela internet, nenhum dia sequer.

Enquanto isto, o CNJ e os Tribunais Estaduais, de dentro dos seus gabinetes, sentados em suas escrivanias, conectados por links exclusivos insistem em falar em processo eletrônico.

O Processo Eletrônico num país analógico é uma farsa. Uma inconstitucionalidade. Um crime contra a democracia.

A nossa tão combalida Constituição Federal consagra o princípio da publicidade e determina no inciso LX, do art. 5º que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

A Publicidade, prevista na CF e irradiada em nossas leis, não é mero capricho do constituinte.

Tal princípio tem importante papel dentro do Estado Democrático que nos propomos a viver.

Nas lições de Freddie Didier, a Publicidade “tem basicamente, duas funções: a) proteger as partes contra juízos arbitrários e secretos(e, nesse sentido, é conteúdo do devido processo legal, comoinstrumento a favordaimparcialidade e independência do órgão jurisdicional); b) permitir o controleda opinião pública sobre os serviços da justiça, principalmente sobre o exercício daatividade jurisdicional.”

(Evitando o abuso de autoridade? Olha como é curioso como as coisas se encaixam e se explicam.)
Alexandre Câmara complementa que a Publicidade “é uma garantia de controlabilidadedo processo, já que permite que toda a sociedade exerça um controle difuso sobre o conteúdo dos atos processuais”.
É, portanto, a publicidade dos processos judiciais fator essencial para a Democracia.

No entanto, não é este o tratamento que tal princípio recebe na república dos processos eletrônicos.
Ali a lei parece ser outra.

A pretensa natureza inclusiva do processo eletrônico, que deveria permitir um maior controle difuso dos atos processuais, colocando o processo ao alcance de qualquer cidadão em qualquer lugar do mundo, simplesmente não funciona.

O processo eletrônico, como apresentado e empurrado à sociedade é exclusivo.

Afasta o cidadão do processo, do exercício do poder jurisdicional.

Meu escritório fica na av. Historiador Rubens de Mendonça,centro político, administrativo e financeiro de Cuiabá, capital de Mato Grosso e não consegui trabalhar pela internet a semana toda.

O que imaginar dos outros 140 munícipios do Estado? Ou dos 5570 do país? Quantos deles sofrem isto ou ainda mais com a falta de infraestrutura de telecomunicação?

Enquanto não houver infraestrutura capaz de servir minimamente todo o território nacional, não é possível se falar em exclusividade do processo eletrônico.

O processo eletrônico num país analógico é uma farsa.

E não se inocente de ofensa ao princípio Constitucional aqueles processos que são beneficiados com o acesso do cidadão, seja pela internet, seja direto no balcão da escrivania.

Até nestes processos, o PJE, plataforma adotada pelo CNJ, e que deve, segundo este, estar em todos os tribunais do país em poucos anos, dificulta o acesso ao processo.

Ao cidadão não é possível obter uma cópia para examinar os autos com cuidado. Para fazer uma simples leitura, em pé, no balcão da secretaria, exige que o cidadão se identifique e que registre o seu acesso aos autos.

Qual a intenção de registrar quem teve acesso a um auto que é Constitucionalmente público? Qual a intenção de registrar que um cidadão gozou do seu direito Constitucional de ter acesso a um processo judicial e, democraticamente, ter ciência do que se passa ali?

Quando o poder jurisdicional atende apenas uma parcela dos cidadãos, afastando outros tantos do seu exercício, afronta o Estado Democrático.

Não podemos e não devemos aceitar a virtualização do poder jurisdicional da forma que vem sendo imposta.
A evolução é necessária e bem vinda, mas não pode ser feita a reboque, usurpando direitos e garantias, sobretudo dos cidadãos, a quem o Estado deve servir.

O Processo Judicial Eletrônico é uma inconstitucionalidade. Um crime contra a democracia.
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