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ANPC: Eficiência e Justiça
Fernando Faria
O Acordo de Não Persecução Cível (ANPC) surge em um contexto de judicialização crescente e exigências por soluções mais rápidas e eficazes no combate à improbidade administrativa. Esse mecanismo, inspirado em modelos internacionais, tem o poder de não só restaurar o patrimônio público, mas também promover uma justiça administrativa eficiente, sem sobrecarregar o sistema judiciário.
O ANPC emerge como uma alternativa moderna e alinhada aos princípios da celeridade, economia processual e proteção do interesse público, oferecendo uma resposta inovadora para os desafios da administração pública no Brasil. A combinação de eficácia e agilidade torna-o uma ferramenta indispensável na busca por soluções consensuais que equilibram direitos fundamentais e interesses coletivos.
A celeridade processual, como princípio fundamental do direito moderno, é crucial para um sistema jurídico que frequentemente sofre com a morosidade, como o caso da justiça administrativa brasileira. A economia processual, ao reduzir custos e tempos de tramitação, assegura que os processos administrativos não se tornem obstáculos à eficiência pública. O interesse público, valor central que justifica qualquer intervenção estatal, reforça a importância da recuperação rápida de valores desviados.
Essas três dimensões são a base da relevância do ANPC, que oferece uma alternativa ao formalismo excessivo e à lentidão processual.
Originalmente, a Lei Federal 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA) proibia acordos ou transações, fundamentando-se no princípio da indisponibilidade do interesse público. Essa vedação, embora essencial para proteger o patrimônio público, resultava em processos demorados e na dificuldade de reparar danos de maneira eficiente. A indisponibilidade do interesse público, prevista no art. 2º da LIA, cumpriu sua função de proteger a administração contra corrupção e negligência. No entanto, com o avanço das demandas por soluções rápidas e eficazes, esse princípio passou a admitir flexibilizações que não comprometem a justiça administrativa.
A promulgação do Pacote Anticrime (Lei Federal 13.964/2019) trouxe o ANPC ao cenário jurídico brasileiro, posteriormente regulamentado pela Lei Federal 14.230/2021, que incluiu o art. 17-B na LIA. Essas inovações buscam superar modelos processuais que, apesar de rigorosos, muitas vezes falham em entregar resultados eficazes para a sociedade. O ANPC permite soluções mais céleres, aliviando a sobrecarga do Judiciário e promovendo a recuperação ágil do patrimônio público.
A possibilidade de celebração do ANPC durante a investigação, no curso da ação de improbidade ou após a sentença condenatória (art. 17-B, §4º), é um dos aspectos mais relevantes do instituto. Essa flexibilidade temporal está diretamente vinculada ao princípio da eficiência processual, pois permite adaptar a solução ao estágio em que o conflito se encontra, evitando a morosidade característica dos processos judiciais.
Quando os danos à administração pública já são evidentes, essa característica torna-se crucial para a rápida recuperação do patrimônio público e a redução de custos processuais, atendendo aos objetivos de celeridade e economia que fundamentam o mecanismo. Além disso, ao possibilitar o acordo após a condenação, o ANPC oferece uma última oportunidade para o agente público reparar os prejuízos causados, promovendo uma solução mais ágil e menos onerosa para o erário.
Além disso, o ANPC possibilita a inclusão de medidas preventivas, como a implementação de programas de compliance e governança corporativa. Essas medidas, inspiradas em modelos internacionais, como os acordos de leniência da Lei Federal 12.846/2013, promovem uma cultura de integridade e reduzem riscos futuros de práticas ilícitas, fortalecendo boas práticas de governança no setor público e privado.
Uma das características mais inovadoras do ANPC é a ausência de confissão de culpa por parte dos envolvidos. Diferentemente de outros acordos, como o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ou os DPAs nos Estados Unidos, que exigem a admissão de irregularidades, o ANPC prioriza a reparação do dano sem comprometer a dignidade ou a ampla defesa dos agentes públicos. Essa abordagem respeita princípios constitucionais, como o direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a ampla defesa (art. 5º, LV), garantindo uma solução equilibrada e inclusiva.
Essa flexibilidade também facilita maior adesão ao acordo, preservando a imagem e a reputação dos gestores e agentes públicos. Isso é crucial não apenas para suas carreiras individuais, mas para a credibilidade da administração como um todo. A possibilidade de resolver conflitos administrativos sem estigmatizar os envolvidos contribui para uma solução mais pragmática e eficiente, atendendo tanto ao interesse público quanto à necessidade de manter a integridade das relações institucionais.
Imaginemos uma situação em que uma prefeitura detecta desvio de recursos em um contrato de prestação de serviços. Com o ANPC, é possível recuperar os valores desviados e implementar programas de compliance como condição para a solução do caso. Esses programas, além de fortalecerem o controle interno e prevenirem novos desvios, promovem uma mudança cultural dentro da administração pública, incentivando práticas de integridade e governança responsável.
Essa abordagem não apenas resolve o problema imediato, mas também consolida uma estrutura administrativa mais resiliente e eficiente, reduzindo os riscos de reincidência e otimizando a gestão pública em longo prazo.
Apesar das vantagens, a implementação do ANPC enfrenta desafios, como a falta de jurisprudência consolidada e diretrizes uniformes, que geram insegurança jurídica em casos complexos. A resistência de alguns órgãos às soluções consensuais exige maior capacitação e integração entre Ministério Público, Tribunais de Contas e advogados. A quantificação precisa dos danos também requer colaboração técnica qualificada, garantindo que os valores reflitam o real prejuízo causado e evitando impasses. Esses desafios demandam profissionais especializados, capazes de mediar interesses e assegurar acordos juridicamente válidos e eficazes.
A atuação de advogados especializados é essencial para o sucesso do ANPC. Esses profissionais desenvolvem estratégias personalizadas, equilibrando os interesses das partes e garantindo a validade jurídica dos acordos. Além disso, desempenham papel mediador entre os órgãos envolvidos, promovendo soluções vantajosas para todos os lados. A capacitação e a colaboração são fundamentais para que o ANPC cumpra sua função de promover justiça administrativa eficiente e de ressarcir o erário.
O ANPC consolida-se como um modelo promissor para a solução consensual de litígios administrativos, promovendo celeridade, eficiência e justiça. Sua aplicação plena exige capacitação contínua dos envolvidos e interpretação uniforme das normas. Com ajustes adequados, o ANPC tem potencial para transformar a administração pública brasileira, promovendo maior transparência, responsabilidade e eficiência. Além disso, sua expansão para outras áreas administrativas representa uma oportunidade de ampliar os benefícios desse modelo, contribuindo para a construção de uma cultura de integridade e justiça.
Não é apenas um instrumento jurídico; é a expressão de um modelo inovador de solução de conflitos. Ele une eficiência e celeridade à proteção do interesse público e dos direitos fundamentais, trazendo um equilíbrio necessário entre inovação e segurança jurídica.
Para os advogados especializados, o ANPC apresenta-se como um campo de atuação estratégico e indispensável. Ele não só permite a resolução eficiente de litígios, mas também posiciona o profissional como elemento-chave em um sistema que valoriza a governança e a transparência. A capacidade de dominar esse mecanismo é um diferencial competitivo, que agrega valor para clientes em busca de soluções ágeis e eficazes.
Em um cenário de cobranças crescentes por responsabilidade institucional, o ANPC consolida-se como ferramenta essencial para restaurar a confiança nas instituições. Ao mesmo tempo, destaca o advogado como guardião da legalidade e facilitador de soluções práticas e eficientes, reforçando sua relevância tanto no setor público quanto no privado.
Fernando Faria é advogado com atuação em todo território nacional, notadamente em Mato Grosso, São Paulo e Brasília. Sua trajetória profissional inclui a condução de casos de alta complexidade e repercussão nacional.