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O Supremo Tribunal Federal e os regimes jurídicos únicos e planos de carreira para servidores públicos

Carla Reita Faria Leal e Solange de Holanda

No último dia 06 de novembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135 e, por maioria de votos, considerou válido o processo legislativo de aprovação da Emenda Constitucional n.º 19/1998, que suprimiu a obrigatoriedade de regimes jurídicos únicos e planos de carreira para servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas em todos os níveis da federação.

A referida ADI 2135 foi proposta no ano 2000, por alguns partidos políticos, que sustentavam ter ocorrido vício no processo de aprovação da reforma do artigo 39 da Constituição Federal de 1988 durante a sua tramitação no Congresso Nacional. Em 2007, o Plenário do STF havia suspendido a vigência da alteração, mantendo-se o texto original do referido dispositivo constitucional.

Historicamente, antes da Constituição de 1988, prevalecia na relação servidor público-Estado, principalmente nos municípios, a utilização do regime contratual baseado na legislação trabalhista. A nova ordem constitucional introduziu nova concepção de servidor público e preconizou para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas o regime jurídico único com planos de carreira.

Trata-se de um regime de direito público, segundo o qual os servidores que tomarem posse em seus respectivos cargos, após aprovação em concurso público, deverão aderir ao conjunto de deveres, direitos e benefícios constantes das leis específicas criadas pelo respectivo ente da federação, seguindo as diretrizes constitucionais.

Nesse modelo de relação jurídica funcional, os servidores que concluírem satisfatoriamente o estágio probatório, cuja duração foi fixada em 3 (três) anos desde a citada Emenda Constitucional n.º 19/1998, poderão adquirir estabilidade no serviço público. Ademais, tais servidores são vinculados a Regimes Próprios de Previdência Social, geridos por entidade instituída por lei própria de cada ente político, com regras distintas da legislação previdenciária aplicada aos trabalhadores da iniciativa privada.

Por outro lado, a Constituição de 1988 manteve o regime contratual para os empregados das empresas estatais e para as sociedades de economia mista, por sua natureza de pessoas jurídicas de direito privado. Tais empresas também devem promover concurso público para admissão dos empregados, mas o vínculo mantido com eles é de natureza trabalhista, ou seja, são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vinculados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e, embora não possam ser dispensados de forma arbitrária, não adquirem estabilidade. Da mesma forma que os empregados de empresas privadas, estão vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O mérito da ADI 2135 começou a ser julgado em 2020, com o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, pela inconstitucionalidade formal da alteração. Em 2021, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência e seu entendimento prevaleceu na recente conclusão do julgamento. Para a corrente vencedora, não houve violação ao processo legislativo, razão pela qual a liminar anteriormente deferida foi revogada.

Os Ministros esclareceram que o julgamento não deverá afetar o regime estatutário dos atuais servidores públicos, mas o restabelecimento do texto reformado possibilita que cada ente da federação (União, Estados, Distrito Federal e municípios) promova mudanças no âmbito de sua legislação para futuras contratações de servidores pelo regime trabalhista (celetista), de modo semelhante ao adotado por empresas estatais, a exemplo dos Correios, Caixa Econômica e Banco do Brasil.

A extinção da obrigatoriedade do Regime Jurídico Único pela Reforma Administrativa promovida no texto constitucional em 1998, agora restabelecida pelo STF, possibilita a adoção do regime celetista no serviço público, que não gera estabilidade, aproximando-se a realidade dos entes políticos, suas autarquias e fundações públicas ao modelo adotado nas empresas estatais. Assim, novos concursos públicos poderão prever o emprego público como regime a ser seguido, ainda que outras parcelas do serviço público da mesma unidade federada permaneçam no regime estatutário. Isto resultaria ou resultará na mescla de regimes jurídicos na administração pública, até que, se essa for a opção do legislador. paulatinamente, o vínculo estatutário acabaria sendo abolido para diversas carreiras de servidores públicos.

Mas, afinal, há vantagem disso para o serviço público? Há uma profunda divergência sobre o tema.
Alguns defendem que o regime contratual trabalhista é inerente ao modelo de administração pública gerencial, em que são incorporadas técnicas de gestão das empresas privadas, focadas no rendimento funcional, na presteza do atendimento ao cliente-cidadão e no controle de gastos, visando alcançar a eficiência administrativa.

Outros apontam que o fim da estabilidade pode comprometer a atuação de servidores que ocupam cargos inerentes ao controle administrativo, a exemplo de advogados públicos, fiscais em geral, auditores de tributos, analistas de controle interno, entre outros. É que para tais funções é fundamental que seja garantida a segurança na manutenção do cargo, para que pressões de cunho político e ameaças de punições não interfiram no exercício das atribuições com certo nível de autonomia funcional.

A discussão agora será travada no âmbito do legislativo de cada ente federativo, ou seja, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, os quais decidirão o futuro do funcionalismo público.

Carla Reita Faria Leal é líder do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT; e Solange de Holanda Rocha é Professora e Procuradora Federal em Mato Grosso.
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