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A exploração do trabalho infantil: ainda há muito o que fazer para extingui-la!
Carla Reita Faria Leal e Willian Vinicius Cavalcante Fernandes
No último dia 18 de maio foi rememorado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e, no próximo dia 12 de junho, será celebrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, ambos instituídos por lei. Essas datas e outros acontecimentos têm chamado a atenção da sociedade para a necessidade de proteção de crianças e adolescentes referente a aspectos relacionados a sua integridade física, mental e emocional.
Nesse sentido, cabe relembrar que, além da Constituição Federal, diversas leis buscam proteger crianças e adolescentes das diversas formas de exploração. Uma dessas leis é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que no mês que vem irá completar 33 anos, e que surgiu para garantir a tais sujeitos os direitos fundamentais para o seu pleno desenvolvimento enquanto seres humanos. Todavia, mesmo após três décadas de sua existência, diversas problemáticas que afetam as crianças e os adolescentes continuam existindo, entre elas está o trabalho infantil, que no Brasil está longe de acabar.
Isso porque, segundo o IBGE, de 2019 a 2022 os números demonstram que o trabalho infantil no Brasil aumentou. Conforme o instituto, em 2022 havia 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos de idade (ou 4,9% desse grupo etário) em situação de trabalho infantil no País.
Ainda, apesar de ter havido uma diminuição 1,4%, entre 2019 e 2022, da população com 5 a 17 anos de idade, o contingente desse grupo etário em situação de trabalho infantil teve um aumento de 7,0%. Ademais, em 2022, o IBGE apontou que “havia 756 mil crianças e adolescentes exercendo as piores formas de trabalho infantil, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde e estão descritas na Lista” das Piores Formas de Trabalho Infantil.
Se por um lado os números apontam para um crescimento do trabalho infantil no País, por outro pode-se dar relevo à atenção que a Justiça tem tido para com esses casos. A exemplo, tem-se a decisão proferida no dia 22 de maio de 2024, pela 2ª Turma do Tribunal do Superior do Trabalho (TST), mediante voto redigido pela Ministra Liana Chaib, que decidiu reconhecer a competência da Justiça do Trabalho envolvendo casos relacionados à exploração do trabalho infantil.
No caso em questão, a 2ª Turma do TST devolveu para a Vara de Corumbá (MS) a ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho 24ª Região (MPT da 24ª Região), que tornou ré uma avó que submeteu seus netos, crianças e adolescentes, a trabalharem nas ruas de Corumbá-MS vendendo produtos e catando materiais recicláveis durante o período noturno.
A ação civil pública foi proposta em 2019 pelo MPT da 24ª Região, mas tanto a Vara do Trabalho de Corumbá como o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT23) entenderam que o caso não seria de competência da Justiça do Trabalho, pois o trabalho das crianças e dos adolescentes se dava em regime de economia familiar, sem qualquer contraprestação.
Todavia, o MPT recorreu da decisão do TRT 24 para o TST, argumentando em recurso que os netos, mesmo não recebendo remuneração da avó, se encontravam em situação que não descaracterizava o trabalho infantil, haja vista que estavam sendo explorados como uma mão de obra qualquer. Ainda, para o MPT, a avó, como guardiã dos netos, teria o dever de cuidar deles, garantindo o desenvolvimento físico, moral e social adequado, conforme determina a Constituição Federal.
A Ministra foi enfática em seu voto ao determinar o retorno da ação para a Vara do Trabalho de Corumbá. Para a magistrada, é claro que a Justiça do Trabalho tem a competência Constitucional e legal, particularmente diante da Lei Complementar n.º 75/93, que organiza e institui as obrigações do Ministério Público do Trabalho, dentre elas a de combater toda e qualquer exploração de trabalho infantil e de adolescentes, assim como a assegurar a estes os seus direitos.
A Relatora ainda destacou que o poder familiar de guarda da criança e do adolescente não é sinônimo de que a família seja “dona” desta. Logo, nas palavras da Ministra, a família “não pode se valer” da “força de trabalho” da criança “num regime de economia familiar, em detrimento da proteção à infância e ao direito ao não trabalho em atividades sabidamente perigosas, insalubres e inadequadas, que não oferecerem qualquer tipo de aprendizado”. Esse poder familiar, segundo o voto, é concedido para que os responsáveis o exerçam em favor do desenvolvimento dos vulneráveis, zelando e promovendo a formação em todos os aspectos da construção daqueles, enquanto ser humano.
Nesse sentindo, a Constituição Federal se preocupou em trazer em seu texto parte de um capítulo dedicado a proteger a criança e o adolescente de explorações, instituindo vários deveres à família, à sociedade e ao Estado, assim como vários direitos a estes, em especial, o direito à dignidade.
No que se refere o trabalho em discussão, a própria Constituição Federal permitiu o trabalho para menores de dezoito e maiores de dezesseis anos, desde que não seja noturno, perigoso ou insalubre Ainda, a Constituição autorizou o direito ao trabalho aos adolescentes, a partir dos quatorze anos, entretanto, apenas na condição de aprendiz.
Logo, o que se pode perceber é que o constituinte se preocupou em assegurar aos menores de dezoito e maiores de quatorze que, ao exercerem atividades laborais, essas sejam compatíveis com a sua faixa etária e que não venham a prejudicar a sua formação física, moral e cognitiva enquanto ser humano, preocupação que também é refletida nos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Portanto, dadas e esclarecidas as condições para o trabalho dos menores, cabe a todos nós, enquanto sociedade e família, vigiar e resguardar nossas crianças e adolescentes de violações que possam sofrer nessas fases da vida. Assim, ao notarmos quaisquer abusos praticados contra menores, é nosso dever enquanto cidadãos combatê-los por meio de denúncia às autoridades competentes e, se esses forem relacionadas ao trabalho infantil, de denúncia ao Ministério Público do Trabalho, à Superintendência Regional do Trabalho, ao Conselho Tutelar, às Secretarias de Assistência Social, ou ainda por meio de ligação telefônica ao Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, que também funciona pelo WhatsApp e Telegram.
Carla Reita Faria Leal e Willian Vinicius Cavalcante Fernandes são integrantes do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.